Sexta-feira, 8 de Julho de 2016

Ecoponto

Não se entende nadinha da situação actual sem ler o tratado de Maastricht. A obra, de 1992, é um clássico da literatura de horror e mistério, e de fácil leitura - são apenas 253 páginas e o enredo tem pelo menos tanto interesse como um romance de José Rodrigues dos Santos. Algumas das suas frases passaram para a cultura popular, como a famosa "políticas fiscais sãs, com a dívida limitada a 60% do PIB e défices anuais não superiores a 3% do PIB", que hoje é citada até mesmo em lugares tão recônditos como, por exemplo, Leitões, Concelho de Guimarães, na Assembleia de Freguesia, sob pateada da Esquerda.

 

Este texto seminal deu origem a sequelas: o tratado de Amsterdão (1999, 148 páginas), cujas negociações haviam começado muito antes, em Messina, sem intervenção da Mafia local, e que consagrou a existência de um ministro dos Negócios Estrangeiros da UE, uma aspiração muito sentida no seio da comunidade europeia de políticos supranumerários; o de Nice (2001, 87 páginas), que estabeleceu uma confusão total nos direitos de voto dos países de modo a obscurecer o facto de que aqueles, que teoricamente eram iguais, nem teoricamente o continuassem a ser; e o de Lisboa (2007, 271 páginas), que veio tomar medidas para assegurar que o Parlamento Europeu dê a impressão de servir para alguma coisa, ao mesmo tempo que consagrou definitivamente o princípio, através da modificação dos tratados anteriores, de que para interpretar a lei europeia se requer um pós-doutoramento.

 

A estes tratados, para cuja leitura insto, tal como para a obra de Walter Hugo Mãe, os cidadãos conscienciosos, há ainda que acrescentar o Tratado Orçamental, de 2012, famoso porque há vários casos documentados de desmaios por exaustão só com a leitura do preâmbulo, que consome oito páginas de um total de 24.

 

Munidos então deste farto cabedal de conhecimentos jurídicos, está-se em condições de entender o imbróglio das sanções por causa do défice que deveria ter sido de 2,5% mas foi, segundo Passos, de 2,8%, segundo o Eurostat 2,9% numa ocasião, 3,2% noutra, e 4,4% com o buraco do BANIF? E também de perceber a trapalhada da dívida pública, que já passou os 130% do PIB, depois baixou, depois voltou a subir, ou não, consoante as fontes?

 

Não, não está. Porque seria preciso ainda perceber se o buraco do BANIF teria de ser daquele tamanho, ou teria realmente de existir, se o deslize na CGD, ou lá o que foi que levou a uma correcção de dois ou três décimos no défice, poderia ter sido evitado, se estes buracos negros da banca contam ou não para o défice excessivo, se Costa, um consumado vigarista cujas aldrabices são geralmente descritas como "habilidade política", não pendurou mais do que devia no pescoço do governo anterior, se juridicamente o Conselho Europeu pode, ou não, deixar de impôr sanções, e se no ECOFIN, mais um daqueles fabulosos grupos onde com inteira transparência se decidem obscuramente questões que uns não entendem e outros percebem bem de mais, a maioria socialista que pelos vistos lá reina é da variedade do sul ou da do norte da Europa.

 

Tretas. A decisão que se vier a tomar será política, exclusivamente política, e responderá a uma dúvida apenas, e apenas uma incógnita, e mesmo essas mais pensando em Espanha do que em nós: a Alemanha e os seus satélites compram a Europa dos défices e portanto dos calotes, com isso comprometendo o aprofundamento da União, porque os cidadãos dos países solventes ficarão com um capital de queixa, ou dão um murro na mesa e dizem regras são regras, algum país terá de ser o primeiro a ser sancionado senão a violação passa a ser a regra, com isso comprometendo o aprofundamento da União, porque os cidadãos dos países castigados ficarão com um capital de queixa.

 

Essa a dúvida. A incógnita é a França, por causa da excéption française - aquilo é gente que tem a reputação de ter o coração à esquerda e a cabeça à direita, ignorando-se de momento qual será o órgão preponderante.

 

E então se tudo vai por mau caminho, se não há soluções boas, o que será dos tratados, meu Deus, do Eurogrupo, do Ecofin?

 

Eu acho que há fortes possibilidades de tudo isso acabar - no Ecoponto.

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publicado por José Meireles Graça às 23:04
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