Seria um grande exagero dizer que Portugal não tem, nas Nações Unidas, muito maior importância que o Vanuatu, desde logo porque parece estatisticamente improvável que os menos de 300.000 habitantes daquelas ilhas produzissem um vulto como António Guterres. Esta personalidade, que reúne aqueles requisitos de vacuidade, habilidade oratória e ausência de princípios que são necessários para o desempenho das funções de Secretário-Geral, já se pronunciou sobre os sucessos venezuelanos, apelando previsivelmente ao diálogo.
E é com alguma desenvoltura que declaro que, na União Europeia, ocupamos um lugar de maior relevo que o da Eslovénia, desde logo porque somos cinco vezes mais numerosos, e cada um de nós deve mais 10.000 Euros do que cada um dos eslovenos.
Sucede que ninguém sabe o que pensa o Vanuatu ou a Eslovénia da crise na Venezuela. E seria talvez o caso de imaginarmos que o mundo não sabe o que pensam aqueles países mas sabe o que pensamos nós, não se desse a circunstância de sobre a posição, por exemplo, da Polónia, que tem o quádruplo da nossa população e mais do dobro do PIB para menos de metade da dívida em percentagem daquele, tudo se ignorar.
Quem tem uma posição conhecida é a União Europeia e os Estados Unidos. E nos dois casos de condenação do regime bolivariano e das suas mascaradas pseudodemocráticas.
Sucede que destas duas posições a primeira não nos convém e a segunda não se entende. Vejamos:
Mas, caso singular: a prática de comprar votos com benesses, a ideia de que o Estado é o verdadeiro motor da economia, a demagogia ululante de Costa, a naturalidade com que mente, até mesmo a sua compleição, tudo compõe o quadro do que de mais parecido na Europa se pode encontrar com o regime venezuelano. Quem tiver dificuldade em aceitar o ponto não tem mais que imaginá-lo de bigode e fato de treino, a açular as massas de dependentes na defesa da Conxituição, e logo vê as semelhanças com o antigo motorista de autocarro.
O aumento de pensões e de salários da função pública, compensado com o crescimento dos impostos indirectos, que são menos visíveis; e o exemplo actual de actualização das pensões para dois milhões de reformados ao mesmo tempo que se cria um adicional ao IMI para 200 mil proprietários (o imposto Mortágua) são tudo manifestações do espírito chavista, cujo pajarito deve aparecer, em sonhos, ao nosso Ronaldo das Finanças.
6. Não há diferenças significativas de filosofia entre o regime chavista, o de Lula e aquele a que teríamos direito sob a férula do nosso Bloco de Esquerda, que defende a mesma mistura de esbulho dos mais ricos com compra de votos através de benefícios concedidos aos mais pobres. O fosso histórico, geoestratégico, de literacia, de desenvolvimento económico, de tradições, hábitos e processos mentais, que separa estes três países, torna esta comparação esquemática. Nem por isso menos real, porém: não é um acaso a simpatia que o Bloco costumava ter tanto por Lula como por Chávez.
7. Se isto é assim, surpreende agradavelmente o recente desligar do apoio a Maduro, com artigos veementes de Daniel Oliveira e de uma das gémeas Mortágua (este último não consegui encontrar). Claro está que o pretérito apoio a Chávez, que não faria coisas muito diferentes das que o seu sucessor anda a fazer, traduz a incapacidade de o BE perceber as consequências das políticas económicas que Chávez protagonizava, tal como não percebe as consequências das políticas que defende para Portugal. Mas o respeito pelos formalismos da democracia significa que a prazo o Bloco, ou parte dele, pode vir a fundir-se no PS: não faltam lá maluquinhos com a mesma agenda fracturante nem com delírios voluntaristas em matéria económica. E um só partido, o PCP, para federar todos os raivosos, e todos os radicais comunistas, é suficiente, e seria uma desejável clarificação.
Resta portanto que, não fosse o caso dos emigrantes portugueses que correm o risco de se transformarem em retornados em massa, e a situação importar-nos-ia tanto como a prisão de gays na Chechénia: é lá coisa deles, que se amanhem. Mas a União Europeia falou, como acima se disse, virtuosamente indignada, e sobre os nossos disse nada.
Em bom rigor, não tinha nada que falar: a que propósito é que a União Europeia tem que reconhecer ou deixar de reconhecer a legitimidade de um processo eleitoral noutro continente? Acaso tem a mesma assertividade quanto a eleições na China, em Angola, ou, já agora, em muitos dos países representados na ONU, cuja maioria não é democrática? Se Federica Mogherini, que finge ser ministra dos Negócios Estrangeiros da União, quer ser levada a sério, não faz ameaças que não pode cumprir; e, se as quiser fazer e houver acordo para sanções, alguma coisinha tinha que dizer sobre Portugal ou a Portugal. Por exemplo, que haveria apoio significativo para os nacionais regressados e seus descendentes, e que seriam bem-vindos porque por uma vez haveria um influxo de cristãos fáceis de integrar, e não de comunidades para viver em ghettos inassimiláveis.
No tempo da Guerra Fria os EUA não se podiam dar ao luxo de deixar de interferir na vida dos países sul-americanos. Cuba, que imprudentemente permitiram que se transformasse numa ditadura comunista, pôs o mundo à beira de uma guerra nuclear; e a multiplicação de Cubas no quintal das traseiras seria portanto um perigo mortal.
Mas a União Soviética já não existe; a superpotência que se segue é a China, e esta continua a parecer mais interessada em adquirir dimensão económica do que em sustentar regimes subsidiários para alimentar um conflito prematuro (para manter os EUA em cheque já tem várias cartas, das quais a mais óbvia é a Coreia do Norte). Sobra que a intervenção através de sanções económicas sofre de quatro defeitos: um é que penaliza a população, não os próceres do regime; outro é que serve para que Maduro jogue, como já está a fazer, as cartas da ameaça externa e do nacionalismo; o terceiro é que é ineficaz, e mesmo contraproducente, como Cuba demonstra; e o quarto é que o cidadão, americano e estrangeiro, a quem se atordoam os ouvidos com a defesa da democracia, haverá de coçar a cabeça e perguntar a si mesmo porque não a defendem na Arábia Saudita.
Talvez o filme em tempo real da miséria a que conduz o voluntarismo revolucionário, e a retórica e prática da esquerda anticapitalista, tenham um efeito de vacina na América do Sul e noutras paragens; ou talvez a pobre Venezuela consiga, com ou sem empurrão dos Estados Unidos, soltar-se do negro destino da sociedade comunista para a qual o regime caminha; e certamente não nos deve ser indiferente a sorte dos nossos que lá estão.
Não se nos peça porém que ponhamos likes nos textos em que, sem arrependimento, se verbera Maduro quando se enalteceu Hugo Chávez. Porque sem perceber que os dois são iguais, tal como eram no essencial iguais Lenine e Estaline, não se percebe nada.
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