Faz muito bem, a legislação é uma trapalhada: ou a interpretação que o sindicato (e com ele não poucos juristas) faz do instituto da requisição civil a torna numa inutilidade, por só poder ser declarada quando os fins que o sindicato pretende com a greve estão já, no caso de uma companhia de aviação, produzidos (nenhum passageiro marca viagens sob a dúvida se vai ou não vai haver... viagens); ou o sindicato não tem razão, e então fica, de momento, esclarecido qual o entendimento que deve ser dado ao diploma de Novembro de 1974 que regula a matéria.
Mas o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil também escreveu aos pilotos, alertando para que os serviços mínimos prevalecem sobre a requisição civil. E aqui temos a burra nas couves: se o sindicato já sabe qual a interpretação jurídica adequada, e age em consequência, recorre ao Tribunal para quê?
Acresce que, mesmo que a tese do sindicato não convença, nem por isso o assunto fica resolvido de vez, que a jurisprudência dos tribunais não é entre nós, salvo casos contados, fonte de direito, e há sempre outro juiz que, noutra maré, face a uma situação igual, decida outra coisa.
E depois um diploma de 1974 que ainda está em vigor é um escândalo: os governos que temos tido caracterizam-se por viverem em permanente estado de diarreia legislativa, pelo que não deve haver quase nada do que foi legislado naquele ano que ainda sobreviva - o Dec.-Lei 637/74 tem este lado heróico e resistente, para não dizer nada das saudosas assinaturas, intensamente democráticas, que nele figuram.
Isto quer dizer que, no caso de a privatização da TAP, por falta de candidatos, capotar, e se não for deixada falir, a revisão da lei da requisição civil será uma nova guerra direita/esquerda, com o seu cortejo de greves, manifestações, discursos inflamados e desfilar de personalidades, incluindo o Sr. Arménio Carlos e outros democratas da mesma extracção.
Um cenário de horror, portanto. Razão por que me permito lembrar que é mais do que provável que a maioria dos pilotos não esteja a favor da greve - pensem o que pensarem sobre a conveniência de a companhia ser pública ou privada, não querem decerto decepar a mão que lhes dá de comer. Portanto, a forma expedita de castigar a rebelião - é de rebelião que se trata - consiste, na prática, em descobrir quem são os cabecilhas e, discretamente e com tempo, aplicar a decimatio adaptada à modernidade: uma guia de marcha para a reforma ou a concorrência.
E são os votos que, neste particular, imbuído do espírito de concórdia que a quadra que atravessamos a todos deve infundir, formulo para 2015.
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