Nos tempos longínquos em que começou o PREC II, isto é, há três semanas, defendi a tese do governo-vacina, admitindo a inevitabilidade de um acordo revolucionário entre o operário fanático, a actriz cheia de si e o intelectual treteiro - não foi assim que os descrevi mas aquele trio pode ser apresentado de muitas maneiras, nenhuma lisonjeira.
Depois, Cavaco, irado, falou, e mudei de opinião, admitindo um governo de gestão até que possa haver eleições. E Cavaco voltou a falar, na posse do governo, mas uma oitava abaixo - e eu não disse nada, senão para os meus botões: mau, pá, em que é que ficamos?
Entretanto, Jerónimo deu uma entrevista notável à SIC Notícias, nela se percebendo que só a imensa lata de Costa lhe permitiu ir ao Presidente da República falar num acordo: não há acordo nenhum, se houver ou o preço é tão alto que os credores imediatamente darão sinal de si, ou é tão baixo que os comunistas nunca aprovarão o orçamento; o PCP não está pelos ajustes de deixar de ser...o PCP; e o BE não conta, para além dos delírios da patetinha que hoje o povo de esquerda, e as televisões, aplaudem, quando se chega ao proscénio no desempenho do papel de Pasionaria que julga ser o seu.
Entretanto, de vários lados fui vendo enunciar os custos assustadores do governo-vacina, consoante a quantidade de cedências que Costa faz ou não faz aos vermelhos. E vi, sem razão, escavacar as virtudes da vacina, sob o pretexto, precisamente, de que o não é: se o eleitorado não aprendeu nada com as três falências anteriores, porque aprenderia alguma coisa com a quarta?
Sucede que as duas primeiras falências - 77 e 83 - são explicáveis à luz das sequelas do PREC, cujas sombras, hoje ainda não inteiramente dissipadas, eram então muito presentes. E da segunda o país recuperou rapidamente, ajudado primeiro pela desvalorização da moeda quando ainda não havia nem globalização nem queda do muro de Berlim, nem países de leste a concorrer connosco, e depois pela cornucópia dos milhões que a adesão à CEE, em 1986, proporcionou. E se o eleitorado sempre deu o benefício da sua confiança ao PS, enviando-o para a oposição durante menos tempo do que o que coube à direita, convirá lembrar que o PS é portador da aura de ter sido, em 1975, o líder do anticomunismo e depois o campeão da Europa - precisamente o capital que Costa agora desbarata.
Quanto à terceira falência, a de 2011, o PS perdeu a maioria relativa e 23 deputados naquele ano. E, ao cabo de quatro anos de aplicação de um programa de ajustamento que a chamada direita foi forçada a seguir, conseguiu não ganhar as eleições, caso único para situações semelhantes.
A pedagogia da realidade, portanto, funciona. Não tanto como se desejaria, mas não tão pouco que se possa dizer que o eleitorado bate sempre com a mesma cabeça na mesma parede.
Hoje por hoje, tudo está nas mãos de Cavaco - o homem vai escolher o nosso destino próximo. E não fosse o caso de o seu provável sucessor, dada a panóplia dos candidatos, ser um irremediável saco de vento palavroso, tão incapaz de saber o que fazer nesta encruzilhada como de decidir se é ou não é a favor da despenalização do abortamento, recomendaria a Cavaco, em caso de aprovação de uma moção de rejeição do programa de governo, que se demitisse, por se recusar a nomear o governo vermelho do IV resgate. Com isso, forçaria a antecipação das presidenciais e transformá-las-ia num referendo ao caminho a seguir, acabando de vez com as dúvidas sobre o que queria realmente o eleitorado do PS.
Hipótese louca, claro: que nem Cavaco tem cojones para se demitir, nem, do único candidato teoricamente aceitável, vêm ideias claras, nem os dados estão todos lançados: Assis ainda pode, quem sabe, infundir algum juízo na cabeça de um número suficiente de deputados.
Será assim, assado, ou doutra maneira. Que no PREC original, ainda me lembro, a gente pensava uma coisa de manhã, outra à tarde e à noite não sabia o que lhe reservava o dia seguinte.
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