E o Donald Trump lá ganhou as eleições contra o voto unânime de todos os portugueses jornalistas, comentadores e pessoas politicamente correctas, e de todas as sondagens, mesmo as que eram encomendadas pela sua própria campanha, com a sua agenda populista que prometeu aos americanos make America great again através do proteccionismo que promete reorientar a procura para a produção nacional e criar american jobs, a expulsão de imigrantes que promete reverter o frequente an immigrant is taking my job, e a erradicação de imigrantes e refugiados oriundos de uma lista de países de onde se vai tornando tradição chegarem terroristas islâmicos para cometer atentados, que lhes promete make America safe again.
Essa e outras mais difíceis de perceber, e até de perceber como terão sido aprovadas pelo eleitorado supostamente conservador que o elegeu, como a ameaça de desinvestir na Nato, se bem que o desinvestimento tenha um prémio associado, a redução dos custos americanos para a financiar, o conformismo inédito na história americana com a Rússia, ainda por cima liderada por um facínora que assassina adversários políticos e jornalistas que o investigam e aos amigos e invade ostensivamente países para criar zonas tampão anti-Nato e anti-UE, e a sua substituição pela China como o principal inimigo dos EUA, e o desrespeito e mesmo insulto a heróis de guerra que suscitam nos EUA uma reverância que não tem comparação com a que suscitam na Europa e nem os políticos da geração do flower-power e dos draft-resisters alguma vez ousaram ofender publicamente, como o senador McCain.
Algumas das medidas desta agenda populista, como as políticas anti-imigração e anti-refugiados, não são nada surpreendentes e parecem decalcadas das medidas da agenda da direita populista europeia. Outras são partilhadas pelas agendas populistas da direita e da esquerda, como o proteccionismo ou a preferência pela desagregação da União Europeia. Algumas têm apenas afinidades com as da agenda do populismo de esquerda, como a neutralização da Nato. Na verdade, o populismo não tem lado, é apenas a invenção de explicações simplistas mas credíveis para fenómenos complexos para utilização na política evitando o seu confronto objectivo com os factos para manter intacta a sua credibilidade.
Como populista que é, orientou todo o discurso político para exacerbar emoções, e nesse domínio está a revelar-se completamente à altura das expectativas que criou. Nunca ninguém como ele suscitou tanto repúdio daquilo que se designa por pensamento politicamente correcto, que o vê agredir tudo aquilo que tem procurado impôr a outros e por isso vê nele nada menos que um novo Adolf Hitler, nem tanto entusiasmo que os que deitam o politicamente correcto pelos olhos e vêem nele um libertador da opressão a que os tem conseguido sujeitar crescentemente, e na América citizen é uma palavra neutra e eles nem sequer têm que aturar, como os portugueses, maluquinhos a lutar por substituir cidadão por cidadania no bilhete de identidade. É odiado pelo politicamente correcto, adulado pelos que odeiam o politicamente correcto, e essa batalha está ganha.
E, como populista que é, coloca todo o empenho naquilo que é simbólico, independentemente de depois se vir a revelar eficaz ou não para os objectivos que dão a cada símbolo a força que ele tem. Por isso, a urgência de, logo que tomou posse, desatar a publicar decretos assinados em cerimónia pública que põem em prática as suas promessas eleitorais mais emblemáticas, indicando aos eleitores que é diferente dos políticos que prometem mas não cumprem, como fez para a saída dos EUA do Tratado Trans-Pacífico ou a proibição de entrada nos EUA de nacionais de países exportadores de terroristas. E a utilização do Twitter para anunciar as suas intenções políticas imediatas mas ainda não decretadas, muitas vezes através de ameaças, normalmente relacionadas com o México, que parece ser considerada a grande ameaça ao objectivo prometido de fazer da América grande de novo, como as do recurso às tarifas alfandegárias para atingir as exportações mexicanas, se o México não lhe pagar o muro, ou as empresas americanas ou estrangeiras que têm fábricas de automóveis no México. E esta batalha pelo que é simbólico também parece estar a ser ganha, a fazer fé nos resultados das sondagens que se vão fazendo sobre a taxa de aprovação no eleitorado americano das medidas que tem tomado.
Outra coisa diferente é saber se estas medidas especificamente virão a ser eficazes para resolver os problemas que as justificam?
Proibir a entrada de sírios, de que alguns são terroristas mas outros não, e não proibir a de sauditas, de que também alguns são terroristas mas outros não, e parecem ser os principais instigadores e financiadores do terrorismo internacional na última década ou duas, vai ser eficaz para proteger os americanos do terrorismo? Não sendo perito no assunto, não sei responder, alguns peritos dizem que não, só o futuro o dirá. Mas, no plano emotivo, a medida está ganha, tanto pelos apoios como pelos repúdios que suscita.
Taxar as importações, mexicanas ou de outros países, sendo certo que prejudica seriamente as economias dos países que exportam para os EUA, o proteccionismo fará crescer a economia americana, e o emprego? Toda a história económica do mundo diz que não, mesmo que os populistas de direita e de esquerda prefiram reivindicar que a Economia não é uma ciência mas as suas mezinhas económicas são, e quem na Europa o defende mais são os saudosistas do socialismo que mostrou que não, mas no plano emotivo a medida está ganha, é o cumprimento de uma promessa eleitoral.
E mesmo que estas medidas e outras como elas afectem cidadãos e economias de outros países, elas são legítimas e soberanas, de modo que eles não podem fazer grande coisa para as influenciar, e se cumprem os objectivos que se propõem cumprir de fazer a América grande e segura de novo é problema dos americanos que o elegeram, e não dos outros países.
Dito isto, o Donald Trump pode prejudicar seriamente os interesses da Europa? Pode, pode prejudicar a economa europeia com o proteccionismo que está a instalar, pode até, no limite, e em função do que vier a ser o seu desinvestimento na Nato, colocar em risco a sobrevivência da Europa face a uma Rússia imperialista, militarmente poderosa e sem qualquer tipo de respeito por mariquices como os direitos humanos ou o direito internacional.
E como está a reagir a Europa a esta ameaça? Manifestando-se contra o Donald Trump.
Manifestando-se contra as ameaças concretas do Donald Trump à economia europeia através da imposição de barreiras alfandegárias e à segurança europeia através da neutralização da Nato que foi essencial para garantir a sua sobrevivência depois da II Guerra, e à sua aposta declarada na desagregação da União Europeia? Não. Manifesta-se contra a ordinarice do Trump a falar de gajas nas conversas privadas de balneário com os amigos, contra a decisão soberana de os EUA determinarem de que países autorizam ou impedem a entrada de cidadãos, e contra a nomeação de juízes anti-aborto para o supremo tribunal. Ou seja, entra completamente no território de discussão para onde o populismo a atrai, limitando-se a discutir as questões simbólicas, que consolidam o populismo, em vez das substanciais, que o podem fragilizar.
Toda a Europa? Não. Felizmente ainda há na Europa quem reflicta, não no que gostaria que acontecesse se as circunstâncias não mudassem, mas no que pode fazer para enfrentar as circunstâncias quando elas mudam.
A Angela Merkel, percebendo bem onde está a ameaça da administração Trump à Europa e aos seus interesses, e respondendo até a ameaças explícitas de imposição de tarifas alfandegárias a empresas alemãs, como a BMW, por terem fábricas no México, e tendo a perfeita noção que uma guerra comercial prejudicará seriamente os interesses da indústria alemã que tem nos EUA o seu maior destino de exportações, independentemente de vir a beneficiar ou prejudicar os interesses americanos, em vez de lamentar ou criticar sem qualquer possibilidade de sucesso as intenções da nova administração americana, reagiu tão rápida e simbolicamente como ele tem actuado, estabelecendo um contacto com o primeiro-ministro Li Kegiang da China, o maior exportador mundial, declarado como o maior inimigo dos EUA pela equipa do Donald Trump, e o quarto maior destino de exportações alemãs, com o objectivo de se reunirem rapidamente numa visita dele à Alemanha para discutirem o aprofundamento das relações comerciais sino-europeias, criando deste modo uma alternativa que permita minorar as consequências para a indústria alemã, e para a indústria chinesa, de uma perda de mercado nos EUA.
Há uma Europa adulta que se adapta às ameaças externas em vez de as lamentar. Infelizmente não mora cá, onde a cultura vigente é usar as ameaças externas, não como o gatilho para as enfrentar, mas como a desculpa para os resultados desastrosos das asneiras que se fazem.
E a questão da segurança europeia? Não é fácil de resolver sem a Nato. O único país europeu realmente poderoso e capaz de declarar e vencer uma guerra quando é necessário é o Reino Unido, que está de brexit. Felizmente, o Reino Unido nunca se confundiu relativamente a quem são os seus amigos e inimigos militares, e nunca andou nem anda de namoro com a Rússia. A China também não namora a Rússia. Se Deus quiser, tudo se há-de resolver...
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