"O diploma vem resolver o problema de quem vendeu o carro mas o comprador não efectuou o registo e, por isso, continuava a ser o legal proprietário, recebendo notificações de multas ou de impostos (Imposto Único de Circulação - IUC) para pagar".
Nem a notícia nem o diploma dizem nada sobre os milhares de cidadãos - "cidadãos" é o termo eufemisticamente consagrado para designar as rezes que são imoladas no altar do Estado - que pagaram as multas ou o maldito imposto que não eram devidos. E nem se percebe bem por que razão o Estado se dá ao trabalho de corrigir um torto - de todas as maneiras, incluindo penhoras, alguém pagava.
Não dizem nada sobre isso, nem um pedidozinho de desculpas pela legislação celerada que esteve em vigor anos, nada.
Ah, mas se a coisa vem tarde não se pode dizer que veio com falta de solenidade:
"Foram ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores, a Associação Sindical dos Conservadores dos Registos, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, a Associação Portuguesa de Bancos, a Associação Automóvel de Portugal, a Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting e a Associação de Instituições de Crédito Especializado".
E "foi promovida a audição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, do Conselho dos Oficiais de Justiça, da Associação dos Oficiais de Justiça, do Sindicato dos Oficiais de Justiça, do Sindicato dos Funcionários Judiciais, da Ordem dos Notários, do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado, da Associação Sindical dos Oficiais dos Registos e Notariado e do Movimento Justiça e Democracia — Associação Cívica de Juízes Portugueses".
E temos logo aqui um primeiro problema, pelo descaso a que foi votada a Banda de Fermentelos, que também deveria ter sido ouvida para o efeito de se saber se estaria disponível para sublinhar, com a Abertura 1812, a entrada em vigor desta legislação revolucionária, e a Associação Nacional dos Comerciantes de Veículos Semi-Novos, por razões evidentes.
Neste pormenor não estiveram bem o Senhor Primeiro-Ministro, nem a Senhora Ministra de Estado e das Finanças, nem a Senhora Ministra da Justiça, que assinam o diploma, nem o Senhor Presidente da República, que o promulgou. Quem sabe se a Senhora Ministra da Administração Interna, que incompreensivelmente não assinou (afinal as coimazinhas irão ser aplicadas pelas polícias que dela dependem, não é verdade?) teria deixado passar esta falha, com o seu olho coimbrão e catedrático.
E pronto, agora só faltam os protocolozinhos, porquanto:
Artigo 11.º
Protocolos
1 — As condições de transmissão da informação sobre o pedido de apreensão efetuado nos termos do presente decreto-lei são definidas por protocolo a celebrar entre o Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.), e as autoridades fiscalizadoras do trânsito.
2 — Por protocolo a celebrar entre o IRN, I. P., e o IMT, I. P., são definidas as condições de transmissão da informação prevista no presente decreto -lei.
3 — Os protocolos a celebrar ao abrigo dos números anteriores estão sujeitos a parecer prévio da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Mas estes protocolos não impedem a entrada em vigor do diploma, já para a semana que vem. E os emolumentos devidos são baratos: vão de 75 a 95 €, com desconto se os interessados quiserem enlouquecer tentando fazer os seus registos on-line.
É excessivamente barato. Razão por que, peguilhento como sou, encontro outro defeito nesta legislação: não se deveriam prever desde já os aumentos, por mor de não voltar a incomodar os habitantes do Forum da Burocracia, uma pequena cidade cujos habitantes se distinguem por ser sustentados pelo resto do País, não ganharem mal e acharem normal levar tantos anos para resolver um problema que eles próprios criaram?
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