Domingo, 11 de Dezembro de 2016

Guerras do passado

Num texto confuso Pacheco Pereira pinta a traço grosso uma história superficial das ideias políticas nas democracias europeias nas últimas décadas, para concluir com desgosto que as condições materiais de vida não estão actualmente a melhorar. Nas palavras dele:

 

"Foi isso que permitiu um aprofundamento e melhoria da democracia e é isso que hoje emperrou e nos faz voltar para trás. É porque o melhorismo que é intrínseco ao objecto das democracias, o bem comum, está em crise, que estamos a voltar para trás. O mundo novo que está a vir é um recuo no modo de pensar, nas palavras e infelizmente nas acções. Lá vou eu ter que voltar a falar de esquerda e de direita, o que bem atravessado me está. Mas se o mundo se tornou cavernícola, não posso agora pedir-lhe que pare às cinco horas para tomar chá".

 

Temos portanto que o mundo actual está ficando "cavernícola" mas, felizmente, Pacheco, e presumivelmente um exército de Pachecos que se erguerão do Atlântico aos Urais, moverá uma incansável guerra, reeditando as gloriosas lutas esquerda/direita, que culminarão no assalto ao Palácio de Inverno ou, vá lá, entre nós, ao Quartel do Carmo ou ao Regimento de Lanceiros 2.

 

Como programa para a terceira idade não está mal; e vejo decerto com muito melhores olhos Pacheco a contribuir com o seu verbo inflamado e a sua juba marxiana do que o veria montado numa bicicleta TT com um equipamento de lycra a oprimir-lhe as adiposidades, que é o que costuma fazer quem quer recuperar os verdores da juventude.

 

Sucede que o retrocesso a que Pacheco assiste, pasmado, decorre de consultas eleitorais recentes e outras que se adivinham, todas levando ao Poder gente que não está no centro - esse centro que aprecia e que, segundo ele, foi responsável pelo "melhorismo" que dantes havia e agora não há. E como não consta que tenha havido falsificações de resultados, ou falta de democraticidade nos processos, resulta que são os eleitorados que estão a perpetrar estes atentados ao "bem comum".

 

Os eleitorados estão, portanto, cegos, ou são vítimas de circunstâncias novas cujas causas não percebem. E seria talvez o papel dos intelectuais identificar essas causas, primeiro, e, se fossem atrevidos ou ambiciosos, indicar soluções novas para problemas que são, possivelmente, novos.

 

É defensável, por exemplo, dizer-se que a União Europeia é um cadáver adiado, ferida de morte pelo Brexit, e que a fuga para a frente, que as burocracias europeias ensaiam, e a opinião europeísta defende, apenas acelerará o óbito; que a Europa tem um problema demográfico e que, portanto, ou o corrige ou reforma os seus estados sociais escleróticos, que sufocam a economia com o peso de impostos confiscatórios; que a política de portas abertas à imigração muçulmana é um suicídio civilizacional porque nem os muçulmanos são integráveis nas nossas sociedades laicas nem deixarão, logo que atinjam uma proporção relevante do total da população que as suas superiores taxas de natalidade entre nós lhes garantem, de entrar em choque com valores que rejeitam; e que a globalização (que, de resto, já ultrapassou o seu pico), combinada com a automatização dos processos produtivos, cria desemprego que talvez venha a ser, ou não, reabsorvido, mas que entretanto obriga a conviver com exércitos de desempregados.

 

A estes problemas podemos acrescentar outros, e hierarquizá-los de forma diferente. E decerto sem os resolver não regressaremos ao "melhorismo", assim como os eleitorados não deixarão de testar soluções novas que o supermercado da política lhes oferecerá, se novos actores falharem.

 

O que não podemos é julgar que estas múmias do pensamento conseguem melhor do que aqueles generais que combatem sempre numa guerra anterior; e pior se nem em qualquer guerra anterior jamais tiveram um desempenho que fosse convincente.

publicado por José Meireles Graça às 20:18
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1 comentário:
De Anónimo a 12 de Dezembro de 2016 às 10:52
Muito bem.

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