Sei de fonte limpa que, em Freamunde e Recarei, há algumas pessoas ansiosas por se inteirarem da minha opinião sobre o caso BES.
Sobre algumas das personagens envolvidas tenho-me fartado de dizer coisas, basta procurar pela tag BES. E sobre a solução encontrada, que abominei, para a debâcle, a minha opinião está aqui.
A quantidade de informações a que temos tido acesso entretanto via Comissão de Inquérito (graças a Deus as sessões não estão cobertas pelo segredo de justiça, esse manto que recobre, entre algumas coisas legítimas, a inoperância) não me fez, até agora, mudar de opinião. E é cedo para perceber exactamente o que se passou, quer porque algumas pessoas-chave não foram ainda ouvidas, quer porque volta e meia se tropeça no segredo de justiça, a que alguns depoentes estão obrigados, quer porque sobre a parte angolana da história reina uma opacidade de chumbo, quer porque a embrulhada é de tal ordem que só entendê-la já requer capacidade para resolver sistemas de equações a múltiplas incógnitas, além de conhecimentos profundos sobre engenharia financeira, transacções internacionais, sistema bancário, supervisão nacional e, sobretudo, supervisão dos nossos patrões europeus, comummente designados por parceiros.
É possível porém consignar algumas impressões, de índole psicológica, intuitiva e especulativa. Ei-las:
i) Um abismo separa Ricardo Salgado dos outros: o homem não era dono disto tudo por acaso. O seu depoimento estudado, calculado, frio, deu uma imagem de inexcedível competência no desempenho do papel que lhe convinha. Claro que não é possível acreditar no grau de ignorância que demonstra sobre algumas evidentes moscambilhas e decerto quem lhe comprasse o discurso por inteiro ficaria com uma visão deformada da história - mas que papelão, chapeau!
ii) Fossem outras as leis, outros os costumes, outras as polícias, e Salgado, com o que já se sabe, estaria a negociar com o Ministério Público uma pena. Ainda bem que não somos Americanos: não é porque se sossega a multidão vingativa, invejosa e sedenta de sangue, com o expediente de trancafiar argentários que crimes e erros de cálculo deixarão de ser cometidos; e a diminuição dos direitos dos arguidos, se facilita condenações, também possibilita a perseguição de inocentes;
iii) É fácil imaginar Ricciardi, mais novo, de copo na mão, a brilhar numa discoteca da moda. E a patente sinceridade do seu ódio a Salgado, a frustração da sua ambição de uma vida de ser califa no lugar do califa, os seus dotes de comunicação, e a sua aparente honestidade, até mesmo o seu orgulho ingénuo numa licenciatura em Lovaina e numa carreira que imagina ter sido unicamente devida ao mérito, tudo o fez simpático ao respeitável público - ah que se fosse com ele nada disto teria sucedido!
iv) O Banco de Portugal não preveniu a desgraça, pelo que foi inoperante, para dizer o mínimo; interveio tarde de mais, como ficou claro pelo resultado, ou cedo demais, por não ter ficado demonstrado, até agora, que outras soluções não eram possíveis. As explicações do Governador só convencem quem tem interesse em ser convencido: o Governo porque concordou com a solução, quer tenha sido originada no exterior quer seja asneirol indígena; a populaça porque aquela cambada de ladrões se lixou, Carlos Costa pô-los em sentido; o PCP e o BE porque o BdP confirmou que os privados enganam o mais pintado, donde a banca, toda a banca, tem que ser nacionalizada; e o PS porque fica demonstrado que a cegueira de Constâncio era afinal mais do que justificada. Quanto à caução pública que Carlos Costa deu, nas vésperas de um aumento de capital, a um banco nas vascas da agonia, com isso originando perdas escusadas de desprevenidos - o que, só por si, lhe deveria ter garantido uma aposentação compulsiva - que interessa lá isso? Era gente que não recebia o RSI, já ninguém se lembra, essa cambada de especuladores que vá lamber as feridas para longe;
v) Dizia há dias, na Quadratura, Jorge Coelho, um desses socialistas hábeis que garantem com eficácia que, periodicamente, o nosso eleitorado compra patranhas, que as sessões da Comissão desvendam uma novela (ele não disse bem assim, que o homem tem uma relação conflituosa com a língua portuguesa). Está lá tudo: lutas pelo poder, invejas, malquerenças, riqueza, vidas douradas, tragédia - só faltam paixões. Apareceram na refrega, ao de longe, algumas mulheres, irmãs de Salgado e de Pêquêpê, mas na condição de armas de arremesso da guerrilha entre os dois, estatuto pouco sexy. Tem razão Jorge Coelho, e faço votos para que venhamos a saber quem se espolinhou com quem em cima dos tampos de algumas mesas dos conselhos de administração, quantas fidelidades não recompensadas de balzaquianas secretamente apaixonadas, quantas promoções de quem fez carreira subindo na horizontal - para podermos tranquilamente concluir que nas altas esferas as pessoas são iguais a nós, apenas têm mais meios e oportunidades;
vi) Amílcar Pires deu de si a imagem de um funcionário fiel ao chefe. E isso, que leva a quem for prudente a não aceitar pelo seu valor facial tudo o que disse, não me impede, a mim, de acreditar nele quando afirmou que o BES não precisava de ter desaparecido. Acreditar não apenas na sinceridade mas no bem-fundado da sua opinião experiente.
E, para já, é isto. Não é impossível que, quando soubermos todos mais, muitos mudem de opinião. Eu também: não é impossível - mas improvável. Porque a liquidação de um banco com desprezo das leis que regulam a vida das empresas, e com a inimputabilidade da supervisão, não é a falência de um banco - é a falência da confiança. Essa é a primeira baixa, e a maior.
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