Claro que é filho de mãe portuguesa - vê-se logo pelo nome. Deve ter frequentado ainda uma velha escola do Plano dos Centenários, feito o secundário numa dessas C+S que sucessivos autarcas e ministros com sezões de paixão pela educação espalharam pelo país, não é impossível que tenha feito a sua catequese na velha igreja da aldeia onde viu a luz, e na força da vida foi forçado a abandonar a terra ingrata que lhe deu o ser e procurar entre os gauleses o magro sustento que um destino cruel lhe negou - até estou comovido, caramba.
A sério: catequese fez, isso é seguro. E, a julgar pelo resultado, imaginamos sem esforço de que tipo terá sido: as doces freirinhas tinham decerto barbas, sabiam o Alcorão de cor e prometeram-lhe a bem-aventurança de para cima de três dúzias de virgens através do expediente de se imolar, se tivesse o cuidado prévio de enviar para o inferno a maior quantidade possível de infiéis e de cruzados.
Um atentado terrorista não tem nada de novo, e tivemos na Europa em devido tempo, em nome do nacionalismo irlandês, ou basco, ou corso, ou da revolução vermelha, doses assinaláveis; e isto sem ir muito para trás, que anarquistas e crentes em doutrinas milenaristas de todo o tipo também deixaram a sua marca, sem falar dos actos isolados que foram o espoletador, por exemplo, da Grande Guerra, ou aceleraram uma mudança de regime, como entre nós o bem-sucedido atentado do Buiça.
O terrorismo do islão é, porém, diferente, porque transporta para cá três problemas que o mundo muçulmano não resolveu, nem está perto de resolver: um é o da separação entre a igreja e o Estado; outro o do antagonismo entre as suas duas principais correntes, o xiismo e o sunismo; e o terceiro o da influência da cultura, riqueza e sucesso ocidentais, que não podem ser vistos senão com ressentimento por, se importados para países em boa parte medievais, abalarem a ordem estabelecida, em particular no que toca ao papel das mulheres, implicando mudanças de tal forma profundas que a própria identidade nacional, quando exista, ou religiosa, ou as duas, fica em causa.
Houve um tempo em que alguns ditadores resolveram temporariamente parte do problema. Mustafa Kemal, Nasser, o xá do Irão, Saddam, outros ainda, ocidentalizaram à força, e a receita funcionou durante algum tempo e terá ganho algumas raízes naqueles países onde ficou uma instituição com suficiente homogeneidade para contrabalançar o poder do clero - o Exército, no caso do Egipto e da Turquia, ou a monarquia em Marrocos. Na generalidade dos outros países, de resto quase sempre criações artificiais do tempo em que as potências europeias repartiam os territórios em zonas de dominação ou influência consoante os seus jogos de poder, a eliminação de um regime ditatorial trouxe e traz quase sempre ou outro - ou o caos.
Este caldeirão encontrará um dia, num futuro longínquo, o seu equilíbrio. Mas ele não virá sem que a Igreja se separe do Estado, coisa que o islão terá muito mais dificuldade de fazer do que o cristianismo teve, porque num caso o fundador se colocou desde o princípio à margem (a César o que é de César), noutro era ele próprio um dirigente civil e militar, e deixou nos textos sagrados a marca dessa origem - o que significa que a cambalhota da exegese necessária para que o Corão dispense o governante de legitimidade religiosa é muito maior do que na Bíblia.
Tivemos o nosso farto quinhão de guerras religiosas, desde logo a que o islamismo perdeu no Ocidente, e que ainda não digeriu, a que o Ocidente quis levar ao Oriente Médio, e que perdeu, bem como as inúmeras que se abrigaram sob os largos chapéus da Reforma e da Contra-Reforma.
Das outras guerras, das que não tinham uma componente religiosa dominante, já fomos servidos na Europa com duas mundiais, só no séc. XX, além de outras menores. E como os interesses permanentes das nações não se extinguiram, Israel está onde está e não na Namíbia, e a História não acabou, nada garante que a guerra seja uma coisa do passado.
A guerra é uma coisa do presente, e os atentados de Paris vieram lembrar, a quem andava distraído, que o mundo é um lugar muito pequeno e que a guerra religiosa, que se julgava relegada para o programa de história do ensino secundário, está entre nós.
Isto, pelo menos, é novo - está entre nós. Poderia não estar, se nunca tivesse passado pela cabeça dos neocons a ideia peregrina de ir, a golpes de bombas e ignorância, exportar a flor da democracia para terrenos onde ela não medra; se os nossos ó tão modernos regimes seleccionassem os imigrantes de modo a que, pela quantidade e pela origem, não se criassem abcessos que um dia será preciso lancetar; se as opiniões públicas, com a lágrima fácil ao canto do olho, não comandassem os reflexos populistas de políticos acéfalos, deslumbrados com Primaveras passageiras; e se, sem deixar de defender interesses, o fizessem com consideração lúcida do que virá depois do generoso abrir de portas e do derrube de monstros iguais a Assad ou a Khadafi - como se a alternativa realista fosse melhor.
Cette fois, c'est la guerre, declarou o patético Hollande, e os aviões franceses já andam a despejar bombas por cima do Estado Islâmico.
Fazem muito bem, Putin e os Curdos estavam muito sós, e os Americanos muito desnorteados. E se alguns dos valentes cidadãos que cantaram a Marselhesa calçarem as botas, ou apoiarem quem calce, e forem ao terreno caçar os dementes e pôr cobro ao despautério de um regime que ameaça e desafia os estados verdadeiros - melhor. Porque parece, dizem os entendidos, que ainda não se podem ganhar guerras só com drones e bombardeiros.
Paralelamente, conviria também declarar guerra a Marselha, Molenbeek e todos os outros lugares onde florescem as mesquitas, os imãs e as madraças. Porque o islão será talvez uma religião de paz; mas não é noutra que se recrutam os inimigos do nosso modo de vida.
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