Ontem foram muito claros: os senhores comentadores da Quadratura do Círculo não se ocupam de tudo, nem escolhem os assuntos ao calhas. Há assuntos comentáveis; e há, por outro lado, motivos de tumulto inconsequente, não vale a pena gastar com eles tempo e prestígio. Uns e outros distinguem-se de acordo com uma escala de importância medida pela probabilidade de acabarem (ou não) por derrubar ministros. Um bom critério.
Sucede que na semana passada caíu um ministro, e caíu com estrépito. À excepção de Lobo Xavier, que mencionou a coisa pela superfície (e meio de lado, como quem passa por um embrulho num corredor estreito), ninguém abriu a boca. Deixemos as “bofetadas”, que importam mas pouco. E deixemos também de parte a rudeza da prosa que o Ministro da Cultura, sem medo do ridículo, classificou de “queirosiana”. Nenhum dos comentadores teve o juízo de explicar ao povo que o pensamento (ou a ciência, e em rigor “a cultura”) não evolui sem irreverência e até, muitas vezes, sem uma certa dose de brutalidade. Faltou-lhes em matéria o que lhes sobrou em cobardia.
O senhor Ministro mostrou que a crítica lhe era insuportável, que a encarava como um insulto pessoal, e lhe fazia saltar uma mola de incapacidade e desorientação. Decidiu exibir-se em público neste estado de alma, fazendo o que as elites portuguesas (sobretudo do PS) fazem melhor sempre que são contrariadas pela opinião dos outros: atribuem a crítica a motivos exteriores. O problema nunca está no comportamento deles, nem nos seus erros, abusos, ou prepotências, mas sim nas circunstâncias dos autores, que estão “bêbados”, ou “dementes”, sofrem “degradação cerebral”, ou “foram pagos” para dizer o que dizem. A crítica, nas cabeças inseguras dos ministros socialistas, cuja dignidade vem exclusivamente do cargo e se liberta deles ao mais pequeno pretexto, nunca é legítima nem salutar. Este queria uma cultura mansa e reverente. E há quem diga que “não houve um problema político”.
Acima deste estardalhaço está a maneira como o Primeiro-Ministro despediu o indigente, começando por desautorizá-lo na televisão, dizendo dele que não sabia comportar-se “nem à mesa do café” (toda a gente percebeu que “à mesa do café” foi uma elegância de António Costa para não dizer “na taberna”). No dia seguinte, surpreendido com a demissão, agradeceu-lhe os serviços e louvou-lhe os talentos, “lamentando” que o ministro “não tivesse tido a oportunidade” de cumprir o mandato até ao fim. Tal como disse, quando inviabilizou as negociações com o PSD e o CDS, que Passos Coelho “não foi capaz” de se entender com o PS. São os processos de Costa, de quem a hipocrisia tem muito a aprender.
Restam os ministros que andam agora a agitar o conformismo do povo. A Defesa dá pretextos magníficos, desrespeitando os oficiais do Exército; e a Educação, tutelada por um rústico fanático, promete festa com fogo-de-artifício. Para mencionar os que se alinham na primeira fila. Em matéria de sarilhos Costa já tem abundância: quando se levanta tem sarilhos à espera dele, de manhã com a extrema-esquerda no Parlamento, à tarde com a “Europa”, todas as horas de todos os dias desde que armou esta espécie de governo. Quando o próximo ministro se expandir Costa terá para ele o mesmo tratamento, com o mesmo molho de lisonja e desconsideração, e o infeliz vai voltar para casa com as orelhas baixas e a latir a indignidade de ter sido um instrumento descartável na “união das esquerdas”.
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