Amanhã vamos sair do Procedimento por Deficit Excessivo, se Deus quiser. Estamos de parabéns.
Estamos?
Reza uma certa histeria colectiva inoculada e propagada por todos os partidos da esquerda, parlamentar e extra-parlamentar, e também pela direita radical, nomeadamente a populista, que os procedimentos por deficit excessivo, assim como, de uma maneira geral, todos os regulamentos e controlos impostos aos governos dos países pelos tratados europeus em matérias orçamentais, limitam a soberania e a liberdade dos governos para resolverem os problemas dos cidadãos que governam e defendem os interesses egoístas ou até obscuros dos bancos, das economias do centro da Europa, dos seus governos, ou, para resumir a rede de facínoras em poucas palavras, da senhora Merkel e do senhor Schäuble, por acaso ambos Doutores, ele em Direito e ela em Química Quântica, mas senhores, o que é até um elogio comparativamente com os qualificativos que usam para se referir a eles quando falam entre si ou para públicos seleccionados. Pelo que a libertação destas grilhetas permitirá aos governos conduzirem os seus povos até aos níveis de prosperidade que justamente ambicionam. É isso que pregam a esquerda moderada e radical e a direita radical.
Na verdade, não são os interesses da senhora Merkel e do senhor Schäuble que os procediments por deficit excessivo defendem. Servem para proteger os contribuintes de governos perdulários que, em vez de financiar com impostos impopulares as despesas populares que fazem para conquistar o coração dos eleitores, que como toda a gente sabe bate do mesmo lado do bolso onde guardam a carteira, preferem financiá-las com dívida, um conceito quase abstracto enquanto se usufrui dela para se consumir mas muito concreto quando chega a hora de a remunerar com juros e a reembolsar, mas isso será mais um problema dos filhos e dos netos do que deles. Servem para impedir os governos de conduzir os seus povos até circunstâncias em que a cura é mais dolorosa do que a doença foi até aí, se bem que muito menos do que se se deixar a doença evoluir.
É que se vai tornando notório que, mesmo conseguindo dar a muitos problemas respostas que, mesmo quando não são suficientemente satisfatórias, são menos insatisfatórias do que as das alternativas, as democracias têm uma certa dificuldade em tomar as decisões mais adequadas para os cidadãos quando os chamam a decidir entre o curto prazo e o médio e longo prazo, e entre uma prosperidade actual aparente financiada por dívida, que mais tarde se vai pagar à custa de muito sangue, suor e lágrimas, e uma modéstia actual para basear a prosperidade possível no futuro, tem-se verificado que caem muito frequentemente na armadilha encantatória da primeira.
Pelo que a partir de amanhã o governo português que, mesmo com rédea apertada, conseguiu fazer aumentar a dívida pública portuguesa no último ano ao ritmo de 24 mil euros por minuto, ao mesmo tempo em que o crédito ao consumo tem sido concedido ao ritmo de 12 mil euros por minuto, vai ter rédea muito mais solta para nos conduzir muito mais rapidamente até à próxima tragédia, que será pior do que a anterior porque os que nos salvaram na anterior se arrependerão com a inutilidade do investimento que fizeram na nossa salvação.
Amanhã vamos sair do Procedimento por Deficit Excessivo. Apertem os cintos.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais