Quarta-feira, 4 de Junho de 2014

Murro na mesa

O PS está actualmente em convulsão, com duas alas correspondentes a duas visões sobre como gerir a coisa pública, ambas dispondo de uma alavanca implícita no nosso sistema político que reforçará qualquer delas quando alcançar o poder: uma, a de Seguro, compromete-se a não aumentar impostos, nem reduzir serviços públicos. Compensará com o crescimento da economia, induzido pela Europa, rendida ao inegável carisma do líder (que cativou recentemente, entre nós, quase um terço de um terço dos eleitores), alguma criatividade nas contas, e cortes na despesa que não afectem nem pessoas nem serviços, cuja natureza de momento ainda não pôde ser apurada mas que será determinada logo que tenha acesso aos dossiers;

 

Outra, a de António Costa, propõe-se mudar de paradigma de governação, enveredando por apostas: na educação, na qualificação da mão-de-obra, na investigação científica e num novo modelo de desenvolvimento que dará os primeiros passos nos dias úteis a seguir à tomada de posse. E, é claro, não dispensa uma componente diplomática muitíssimo aguda, com o propósito de organizar uma fronda dos países enrascados na Europa do Sul a favor de uma reforma das instituições tal que os do Norte encostem a barriga ao balcão; sem esquecer que porá fim a esta senda de destruição do País que um governo celerado tem vindo a promover com afinco. Sobre impostos e fecho de serviços não garante nada, mas reconhece que é necessário inverter o ciclo - a chave está no crescimento e ele, Costa, explica luminosamente que, em o país crescendo, a importância relativa da dívida diminui.

 

A alavanca consiste no Tribunal Constitucional, que tem tido a tarefa necessária de interpretar uma Constituição que contém o programa de governo do PS, como se o programa não estivesse lá nem nós no Euro - coisa que os senhores juízes, compreensivelmente, não têm sabido fazer.  A pobre Constituição começou por ser sul-americana, versão Che, o PSD esforçou-se ao longo do tempo por a puxar, dentro do mesmo continente, mais para Norte, e o PS, que entretanto tinha metido o socialismo na gaveta, resolveu, sem atraiçoar a querida herança abrilista, casar o projecto com a social-democracia sueca traduzida em calão dos anos sessenta - e é o que temos.

 

O Tribunal Constitucional não se ocupa directamente, graças a Deus, de crescimentos nem de dívidas, mas, confrontado com a necessidade de reduzir o défice, entende que há margem mais que suficiente para operar a redução através de aumento de impostos.

 

Temos então que o IVA vai subir. E como a subida prevista talvez chegue para a redução num ano, mas não nos seguintes, convirá desde já interiorizar a ideia de que, num futuro não muito distante, já estaremos nos 25%.

 

Esta é, claro, a solução que convém à Oposição: o aumento de impostos desagrada a toda a gente, de mais a mais sendo sobre o consumo - sempre se poderá dizer que o pobre pagará proporcionalmente mais, razão pela qual a nova bandeira passará a ser corrigir esta grande injustiça aumentando o imposto sobre o rendimento nos escalões superiores e os impostos sobre o património.

 

Estão portanto reunidas as condições para o governo ser cozido em lume brando. Pode fazer como a rã, que se vai adaptando ao aumento de temperatura até falecer tenrinha; ou poderia entregar a chave ao Senhor Presidente da República, dizendo-lhe: Excelência, marque eleições. É mais do que provável que as percamos, mas para governar como o PS é melhor, a bem da transparência, o original do que a cópia. Não se apoquente Vossa Excelência: o Primeiro-Ministro Costa, a cumprir o Tratado Orçamental, não dura mais de um ano até a popularidade cair a níveis ainda inferiores aos da fossa de Mindanau. E, de regresso, então ou até antes, e estando o país à beira de um novo resgate, sem o qual os senhores juízes, como os outros dependentes do Estado, terão de viver das suas economias, se as tiverem, talvez possa haver condições para reformar, ou o Tribunal, ou a Constituição.

 

É certo que, para rever a Constituição, são precisos 2/3 dos deputados, o que significa provavelmente que, como de costume, o PS tem poder de veto. Mas, desta vez, os credores tomarão decerto precauções acrescidas. E é impressionante a capacidade de concentração que deputados e juízes sem vencimentos podem encontrar nas fibras do seu ser: uns descobrirão que afinal a realidade tem muita força, e renovarão os seus votos de europeísmo fazendo o que lhes mandam; e outros descobririam, ainda que fosse na mesma Constituição, se fosse preciso, princípios que já lá estavam, mas dos quais ainda não tinham tido vagar para se aperceberem. 

publicado por José Meireles Graça às 14:30
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2 comentários:
De Tiro ao Alvo a 4 de Junho de 2014 às 19:20
Tenho defendido que, se num determinado mês, o Estado não tivesse massa para pagar aos juízes, inclusive os do TC, e aos (outros) funcionários públicos, tudo mudaria depressa e Portugal encontrava rapidamente o caminho. E há mais gente que pensa assim...
De José Meireles Graça a 4 de Junho de 2014 às 20:15
Claro, Tiro. E não é de excluir que venha a suceder.

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