Primeira evidência: A dívida pública tem sido renegociada, nas maturidades e nas taxas, sem que isso seja trombeteado pelos telhados, sem assustar credores e até com a concordância discreta destes. Não há, assim, nenhuma razão para pensar que tal percurso não possa continuar, desde que os donos do dinheiro nem percam nada de imediato nem desconfiem estar a emprestar a engenheiros do default.
Segunda evidência: Mesmo que a herança de 2010 não fosse o défice propalado ainda hoje pelos seguidores de Sócrates (e são todos os socialistas, incluindo Seguro, a tropa patética que o rodeia e a tropa alacre dos que lhe querem calçar uns patins - todos foram coniventes ao tempo, e se recusam a fazer exame de consciência agora), mas outro largamente superior; e ainda que o perímetro orçamental tenha sido entretanto alargado, para acolher alguns elefantes brancos perdidos na savana dos calotes; sem esquecer que, possivelmente, ainda haverá mais dívida escondida par-ci par-là - sobra que a comparação entre o agora e o antes é entre o desvario e um mínimo de sanidade. Mas a dívida pública continua a crescer, porque o défice, esse maganão, encolheu mas não desapareceu.
Nem parará de crescer, a maldita, enquanto houver défice. E como os cortes que houve na despesa se aplicaram muitas vezes pouco a quem podia desaparecer sem deixar saudades nem estragos de monta (exemplo entre dezenas: Fundação Mário Soares) e muito a reformados e pensionistas, sem distinções de histórias contributivas; porque as manchetes dos jornais nunca estiveram, como teriam estado se houvesse reformismo determinado, entupidas de notícias sobre serviços extintos e legislação revogada; e sem esquecer que é grande a suspeita de que empresas amigas do capitalismo crony não foram nem são, nem serão, seriamente incomodadas, menos por realismo e mais por cobardia ou interesses ocultos: sempre se terá que concluir que mais cortes são necessários ou tem de crescer o produto - significativamente.
É aqui, no crescimento do produto, que entra o Senado. Que diz ele? Diz isto:
"É preciso uma profunda viragem, rumo a especializações competitivas geradas pela qualidade, pela inovação, pela alta produtividade dos factores de produção envolvidos e pela sagaz capacidade de penetração comercial em cadeias internacionais ou nichos de mercado garantes de elevado valor acrescentado. Trata-se certamente de um caminho difícil e de resultados diferidos no tempo. A sua materialização exige continuidade de acção, coerência de estratégias públicas e privadas, mobilização sem descontinuidades de elevado volume de recursos, bem como de cooperação nos mais diversos campos de actividade económica, social e política. Será tanto mais possível assegurar a sustentabilidade da dívida, quanto mais vigoroso for o nosso empenho colectivo no aproveitamento das oportunidades abertas pela reestruturação no sentido de promover esse novo padrão de crescimento."
Baloney, treta, conversa para boi dormir. Porque o alguma coisa - e há alguma coisa - a que se podem aplicar estes palavrões (qualidade, inovação e patati e patata) tem sido feito pelos empresários que não assinam manifestos, não são conhecidos, não frequentam workshops nem fingem representar ninguém, como o patético patrão dos patrões Saraiva, e do Estado querem apenas subsídios, se houver, e distância, que infelizmente escasseia, no demais.
Eu não sei se, e quando, a dívida será reduzida para os míticos 60% do PIB; não sei se o recente e renascido dinamismo não será abafado pelo impacto no consumo que novos cortes terão; e certamente, se perguntado, iria por um caminho que quase ninguém quer, estudiosos, inteligentes sortidos, governantes, candidatos a governantes e governados.
Mas sei que esta brigada de próceres não alcança mais do que as estafadas receitas da chupice europeísta, o despesismo estatal e as apostas - agora é na "continuidade de acção", "especializações competitivas", "coerência de estratégias" e o catano. Tudo, absolutamente tudo, o que seja necessário, mesmo com o preço de anular temporariamente as diferenças enormes entre os subscritores e abalar o módico de confiança que se começa a desenhar, para substituir os que estão no poleiro e ir fazer o mesmo - com menos autoridade, menos convicção, mais juros e mais palavreado.
Não há seriedade nisto.
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