Não apetece comentar a actualidade porque o país está um nojo e é difícil reprimir, se as sondagens estiverem certas, uma sensação de desânimo por partilhar o mesmo espaço, e o mesmo destino, que uma maioria de portugueses cavando tranquilamente o buraco em que estão enfiados.
Pode-se ser socialista: basta acreditar que a economia de um país é substancialmente diferente da de cada um porque duramos pouco e os países muito e porque não podemos impôr as nossas dívidas ao nosso concidadão mas o Estado pode, mesmo aos nossos filhos ainda por nascer. Não faltam economistas, incluindo prémios Nobel, a acreditar que a transposição para o Estado das mesmas regras de prudência, probidade e submissão ainda que contrariada às regras de mercado, que regem a conduta dos indivíduos sensatos, é um absurdo; e que ele, com o dinheiro que cobra hoje a uns e pede emprestado a outros, investe com mais lucidez do que os privados fariam com os recursos que lhes são subtraídos com impostos presentes e futuros.
Pode-se ser comunista, embora tal doença crónica só atinja, felizmente, uma minoria da população, tal como as cataratas e a esquizofrenia, afecções que aliás ajudam a entender aquela condição: a esquizofrenia provoca visões conspiratórias do mundo e alucinações e as cataratas têm efeitos deletérios na acuidade visual, tudo sintomas que só com patente má-fé o observador imparcial não reconhece nos comunistas.
Pode-se ser bloquista, exactamente pela mesma razão que uma parte da juventude tem acne: o indivíduo não está completamente formado, os tratamentos conhecidos não têm resultados palpáveis e o comportamento padece daquele conjunto de pulsões e atitudes que associamos à adolescência. Em princípio, o problema desaparece com a idade, tornando-se o paciente socialista.
Pode-se ser tudo isto, e isto tudo faz de momento a maioria do eleitorado. Mas não se pode imaginar que este eleitorado não sabe, ou suspeita, que o país está suspenso de arames (o BCE que garante financiamento, o ISIS que afugenta turistas para cá, as low-cost que dinamizam o turismo, a retoma económica no exterior que arrasta a nossa) e que quando algum ou alguns destes arames se romperem o problema será igual ao das falências anteriores, mas com uma dívida muito maior.
E se o eleitorado geringôncico sabe, então deve achar três coisas: uma é que estes que estão sempre lhe vão dando alguma coisinha (um aumento de pensões a um mês das eleições autárquicas, como sucederá em Agosto a dois milhões de reformados, uma manobra óbvia de compra de votos que o sinistro Vieira da Silva engendrou, por exemplo), mesmo que depois façam umas habilidades que ninguém entende bem para aldrabar aqueles lá de Bruxelas, ao mesmo tempo que reabastecer o carro fica mais caro, mas só para quem o tem, e o serviço do SNS se degrada, mas só para quem lá vai; a outra é que a PàF não faria isto, isto é, não virava a página da austeridade; e a terceira é que a Europa não haverá de querer chatices e, como somos pequeninos, alguma solução se arranjará.
O papel da Oposição é desmontar estas três crenças, e não se pode dizer que o venha fazendo com eficácia, a julgar pelos resultados.
Abstenho-me de dar conselhos nesta matéria, por ignorar quais devessem eles ser. Mas estou certo, do que tenho lido, que a pequena parte do comentariado que não é tida como de esquerda se limita a sugerir pessoas mais capazes para o lugar de Passos sem esclarecer em que consistiriam as diferenças que um novo líder deveria aportar; em explicar, no caso de economistas como Vítor Bento, João César das Neves e muitos outros, a insustentabilidade do nosso trajecto, mas sem que a mensagem converta mais do que convertidos, por haver gente com as mesmas qualificações que diz o oposto; e em refugiar-se, no caso de certos magistrados da opinião, em teses que pairam acima dos partidos, das circunstâncias, do eleitorado em concreto, com o seu perfil atávico de dependente do Estado e agora também da Europa, e que não apontam nenhum caminho, nem nenhuma solução, amalgamando tudo num desgosto geral, que abrange por igual o governo anterior e o actual, como se não houvesse diferenças e elas não merecessem análise.
É que, se não há diferenças, realmente tanto faz, e o eleitorado está cobertinho de razão. Sucede porém que em quarenta anos o país faliu três vezes, e das três pela mesma razão: o Estado estava endividado a um nível que, nas circunstâncias da época, fazia com que os credores não estivessem dispostos a emprestar mais sem meterem o nariz na forma como o país era administrado. E das três vezes, como na quarta quando vier, o papel desempenhado pelos partidos não foi igual, nem parecido, nem é difícil identificar o principal responsável.
Um destes magistrados é António Barreto, que tem farta audiência na direita pelo seu passado como ministro corajoso da Agricultura num momento chave da nossa história recente, homem probo, e intelectual não-alinhado com a ortodoxia do socialismo caseiro, a jigajoga dos poderzinhos de Lisboa e o politicamente correcto. É muito, e por ser muito suscita atenção e interesse. Mas quem procure em Barreto a mais remota ideia sobre o que o país deve fazer, além da reforma das leis eleitorais que imagina são o abre-te Sésamo da regeneração, vê as suas esperanças defraudadas.
Procurarei, em post separado que este já vai longo, analisar a entrevista em detalhe, a ver se de lá se retira algo mais do que as mesmíssimas irrelevâncias com que Barreto nos brinda há anos. E decerto talvez me ficasse melhor entreter-me com alguma das figurinhas da Situação mas, lá está - provocam nojo. Barreto não, desperta estima. E desconsolo. Stay tuned.
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