No momento em que escrevo não se sabe se realmente o parlamento grego vai engolir esta pílula amarga e, em caso afirmativo, se a populaça vai partir montras e queimar carros em quantidade recorde.
O meu palpite é que sim, vai engolir, e não, as manifestações não serão daquelas de entupir a praça Syntagma: pode haver uns quantos desacatos, mas as massas ficarão resignadamente em casa - é um governo de esquerda, man, e os governos de esquerda fazem, quando podem, o bem, e o mal apenas quando não têm outro remédio, caso em que a culpa é dos imperialistas, dos inimigos de classe, dos plutocratas, dos americanos, dos fássistas e do carago, em suma, dos outros.
Pode não ser assim. A política grega é de tal modo extravagante que prever os seus desenvolvimentos é como adivinhar o tempo que fará no próximo mês de Setembro: há-de estar calor, excepto se fizer frio.
O absurdo de fazer aos eleitores uma pergunta prolixa, mas que se resumia a saber se aceitavam ou não a austeridade imposta pela tróica pelas instituições, recomendando o não, para de imediato agir como se a resposta tivesse sido o sim, desafia a imaginação.
Tanto que as teorias conspirativas fervem: o medo de Putin, o secreto desejo de que a resposta ao referendo tivesse sido o contrário da que foi, as instruções de Obama a Merkel, um acordo tácito de que o programa não é para cumprir, tudo serve para explicar o volte-face.
Nesta entrevista, que se não for do próprio será de alguém muito próximo de Varoufakis, o Gato das Motas, encontra-se, creio, a chave da irracionalidade. Nela se reconhece que as autoridades sirízicas “underestimated” o poder de Schäuble, Dijsselbloem e de todos os outros. E confessa-se uma grande estranheza por os credores estarem preocupados com os seus bancos e os seus créditos, e nada com a legitimidade do governo grego, as suas credenciais democráticas, os direitos humanos: "... the Eurozone is completely undemocratic, an almost neo-fascist euro dictatorship".
Pois subestimaram. E, salvo melhor opinião, ao eleitorado grego, como a eleitorado nenhum, convém que o seu governo subestime seja o que for, muito menos num assunto de tão transcendente importância. Nem se admite, senão a motards beatniks, que imaginem que, por apresentarem como reféns filas de velhos nas ATM, possam decidir o que fazer com o dinheiro dos outros.
Como diz o entrevistado: "We went to a war thinking we had the same weapons as them". Não tinham, claro. E também não tinham, nem têm, juízo: "If he could negotiate with one at a time for an hour, the deal would be struck in a day". Varoufakis, Yanis, até pode ser que, de teoria dos jogos, saibas alguma coisa. De conselhos de administração não entendes nada: os votos não são por cabeça, são por quotas. E quem não quiser tem um bom caminho: sai da sociedade.
Era o que eu faria, se fosse grego.
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