Deus me livre de entender o mecanismo da moeda - ninguém o entende, senão não haveria tanta doutrina contraditória, e a diferença entre os especialistas e os leigos é que os segundos estão conscientes da própria ignorância.
Os bancos podem emprestar, e emprestam, o dinheiro confiado à sua guarda; e só isto mostra que o lubrificante desta máquina enigmática é a confiança, mesmo que não emprestassem mais do que a soma do seu capital com os depósitos.
Confiança, então, em que os depósitos não se vão esfumar por os empréstimos que o banco com eles fez (mais os empréstimos que fez com outros recursos alheios) serão tempestivamente reembolsados; e que, se assim não for, a mesma entidade que é responsável pela emissão de moeda, e que castiga com tradicional severidade quem a falsifique - o Estado - responderá, nem que para isso tenha que imprimir dinheiro, punindo de caminho os responsáveis, em caso de dolo ou desrespeito das regras da arte.
Se admitimos que a actividade bancária seja privada (e admitimo-lo porque não há economias de mercado em que a actividade bancária esteja vedada aos privados e porque a banca, se fosse toda pública, seria clientelar por definição, enquanto a privada o é - espera-se - por excepção), então temos o direito de exigir que o Estado não tenha menos cuidado na supervisão do que o que dedica à vigilância e repressão do crime de moeda falsa.
Sucede porém que, na nebulosa história do BES, o BdP não se limitou a não ver o que se passava, sob pretexto de que os criminosos ou imprudentes, se o eram, não tiveram a delicadeza de chamar a atenção para os seus crimes ou comportamento suicidário; induziu em erro milhares de pequenos accionistas com anúncios tranquilizadores.
Os bancos não podem viver sem depositantes, mas também não podem viver sem accionistas. E na engenhosa solução encontrada a mensagem que passa são duas certezas e uma dúvida, por esta ordem: investir em bancos é o mesmo que investir na Fábrica de Sabões Nova Esperança ou na start-up Informática Conimbricense; o BdP é uma delegação do Banco Central Europeu; e os contribuintes não vão encostar a barriga ao balcão.
Tenho poucas esperanças que algum dia se venha a saber o que exactamente se passou, porque haverá demasiada gente que só pode falar verdade incriminando-se ou, no mínimo, saindo mal na fotografia.
Mas sei que a solução foi cozinhada em Frankfurt; que a burocracia europeia não está preocupada com outra coisa que não seja o ideal europeu; e que a quebra de confiança nas instituições - os bancos são instituições, não são empresas - de uma distante província do Império parecerá um pequeno preço a pagar pela estabilidade.
Razões por que, de todos os palpites, este me parece o mais razoável.
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