Portugal faz parte da ONU, juntamente com mais de 190 países, dos quais a maioria não tem regimes democráticos.
A ONU tem membros de primeira, que são os 5 do Conselho de Segurança, e de segunda, que são os outros. Destes, 10, que vão variando, têm a oportunidade, de 2 em 2 anos, de fingir que não são de segunda, privilégio de que já gozamos em 2011 e 2012 e ao qual voltaremos possivelmente ainda antes de ganhar o Campeonato do Mundo de Futebol.
E faz também parte da NATO, juntamente com mais 26 países, incluindo a Albânia e a Turquia, dois países com credenciais democráticas absolutamente irrepreensíveis. Aliás, Portugal é membro fundador, além de outros 11 países, que decerto não se aperceberam então (em 1949) da natureza antidemocrática do regime que à época e ainda por mais um quarto de século foi o nosso.
A Commonwealth conta 53 membros (54, presumivelmente, quando Mugabe for fazer reformas agrárias nos campos do Inferno, o que não deve tardar, e o Zimbabwe for governado por pessoas). Um dos membros é o Brunei, um sultanato petrolífero que se distingue por viver ainda nos tempos do califado, mas com telemóveis e uma área do tamanho do Algarve, e outro é o nosso, da CPLP, Moçambique.
Todas estas, e muitas outras, organizações internacionais se regem por estatutos que são alegremente ignorados por muitos dos seus membros. A Commonwealth, por exemplo, tem como objectivos "the promotion of democracy, human rights, good governance, the rule of law, individual liberty, egalitarianism, free trade, multilateralism, and world peace" - é para que saibam.
Semelhante facto não parece incomodar ninguém, e em geral quem pertence a um organismo internacional não quer sair. No caso da ONU há inclusive um país que gostaria de entrar mas não pode porque já lá está - é a República da China, cujos eleitores são representados na ONU não por quem democraticamente os governa mas por chineses continentais que ninguém elegeu.
É neste pano de fundo que a CPLP, um organismo inteiramente inútil, salvo para diplomatas e poetas da língua e da lusitanidade, saltou para os meios de comunicação social, por um país que fala espanhol a ela ter requerido a adesão, entusiasticamente patrocinada, parece, por Angola e pelo Brasil.
A Guiné Equatorial é governada por um Bokassa local, como acontece a tantos países saídos da descolonização; e tem petróleo, muito. Quem tem muito dinheiro quer investi-lo; e para investir requer-se alguma respeitabilidade, porque o dinheiro dantes não tinha cor mas agora a força das opiniões públicas faz com que, às vezes, tenha.
Os outros países perceberam imediatamente o que estava em jogo, e deram as boas vindas ao novo membro, pagando o preço menor de apertar a mão corrupta e sanguinária de Obiang.
Os nossos líderes também. Mas gente que não aprecio por aí além comentou sardonicamente que a Comunidade passaria a ser a dos Países de Líquido Petrolífero; e gente que aprecio muito declarou que preferia "pagar o preço da desintegração da CPLP a ver Obiang na mesa de honra da organização".
Em nome de princípios, já estivemos orgulhosamente sós; em nome do amor de companhias supostamente desinteressadas, já fomos os bons alunos da Europa.
Peço licença para achar que Paris vale bem uma missa
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