Quarta-feira, 3 de Junho de 2015

Pensões e casas de passe

 

Maria Luís Albuquerque teve um momento de fraqueza, e de franqueza, e confessou que há um buraco na segurança social, para o próximo ano, de 600 milhões.

Ninguém contestou o número, não obstante, parece, o buraco ser maior. Parece porque nada, absolutamente nada, nas contas públicas, é líquido: elas dependem sempre não da simples aritmética mas da variedade quântica, que não existe na Matemática (suponho) mas é a disciplina em curso na luta política - isto é, dependem da posição do observador.

O que a senhora foi dizer, em ano eleitoral! Porque os pensionistas e reformados são mais de um terço dos eleitores, e quase dois terços dos votantes. E isto quer dizer que é com o favor deles que se ganham eleições, e com o desfavor que se perdem.

Foi precisamente por as coisas serem assim - para comprar uma clientela cativa de votantes - que se atribuíram direitos a quem não tinha história contributiva; que se permitiram reformas antecipadas sem ser por razões de saúde, e em condições vantajosíssimas; que os cortes, operados à 25ª hora, quando já não havia outra solução, penalizaram, para atingir o montante pretendido, o menor número de pessoas; e que todas as corajosas e definitivas reformas (quatro até agora, salvo erro) que se operaram para garantir a sustentabilidade não garantiram coisa alguma - nem sequer a de Vieira da Silva que, por ser menos cobarde do que as outras, e introduzir um factor de correcção automática, relacionado com a esperança de vida, lhe assegurou um capital de prestígio que o próprio agora desbarata com eructações sobre "os esforços [que a] sociedade e quem governa deviam estar concentrados em orientar [... ] para a recuperação da economia e do emprego", como se a economia e o emprego se recuperassem, num ano, com duas rugas de concentração na testa, e o cenho franzido de quem está na retrete com prisão de ventre.

Costa não perdeu tempo: com o seu partido no poder, "não haverá cortes nas pensões". Que se danem as contas, os défices, a reforma fiscal, os trabalhadores no activo, os jovens, os desempregados e a Europa. Quem é preciso comprar para eu chegar lá, sentando o rabo gordo em S. Bento? São estes? Pois então seja - depois logo se vê.

Claro que se os eleitores, os reformados e os outros, lessem isto, paravam para pensar: a bem ou a mal, a Segurança Social será reformada; e, se não for no ano a seguir às eleições será no outro, ou no outro, ou quando vier outra tróica, se o PS ganhar as eleições e tentar cumprir um décimo do que promete.

A reforma não poderá consistir, como querem os liberais livrescos e ingénuos, num sistema de capitalização puro, porque há o peso da tradição e a mole imensa dos pensionistas actuais; e nem para os recém-chegados ao trabalho, a meu ver, seria desejável confiar no imenso bordel da Finança, porque os que hoje reclamam liberdade seriam os mesmos a reclamar auxílio no futuro longínquo, se a corja de ineptos, parasitas e sanguessugas que constituem a ilustre corporação dos banqueiros, supervisores incluídos, desse a prazo com os burros na água, como fatalmente, tarde ou cedo, aconteceria. Isto, claro, dentro dos limites de uma pensão pequena ou média; porque deveria haver uma pensão pública máxima, e por conseguinte uma contribuição máxima, que cada um poderia alargar, em complemento, correndo os riscos que entendesse.

A reforma far-se-á, pois, assim ou assado, com consenso ou sem ele, porque a demografia, a emigração, a imigração, o crescimento económico, a esperança de vida, o impõem. E quem tiver juízo e ainda contar trabalhar mais de uma dúzia de anos sabe que, provavelmente, só se reformará aos setenta e que quanto mais tempo passar menor será a percentagem do seu último vencimento que lhe será atribuída como pensão. De resto, não falta quem, mesmo dentro da lógica actual, sugira soluções ("a Segurança Social pode limitar-se a especificar que a pensão média paga a cada momento é exactamente igual ao montante de receitas a dividir pelo número de pensionistas"), embora seja de prever que uma tal disposição só poderia contar com a boa vontade dos senhores juízes do TC se se traduzisse em aumentos.

Sucede que sempre as coisas serão melhores ou piores consoante a economia cresça ou não; e que, por muito que a actual maioria tenha desgostado os que, como eu, a elegeram, é preciso evitar que o PS chegue lá. Costa, e a camarilha que o rodeia, nunca tiraram da bancarrota as lições que ela comportava; e persistem em crer que, não fosse a crise de 2008, a trajectória do crescimento a meio por cento ao ano e de aumento demencial da dívida externa haveria de desembocar, logo que frutificassem todas as apostas na educação, nas Novas Oportunidades, nos carrinhos eléctricos, nas ventoinhas mata-pássaros, no Magalhães, nas parcerias, no Parque Escolar, no TGV, e em todas as outras loucuras dos dirigentes que não sabem gerir um mini-mercado mas sabem o que convém às empresas, num país novo.

Mas os reformados não leem o Observador, leem o Crime e o Record, quando leem alguma coisa; e na televisão veem os concursos, a bola, as telenovelas e a sangueira ou o escândalo do dia, a abrir o telejornal. Do que se fala sobre pensões, porém, sabem, porque lhes interessa. E o que sabem, para já, é que este gajo não corta.

Este gajo. E os outros? Bem, os outros, dum lado e doutro, pedem consenso com o PS.

Consenso?! Mas que consenso o quê, em plena campanha eleitoral - isso é conversa para boi dormir. O negócio agora é, peço perdão, de casa de putas - entra quem pagar o consumo mínimo. E, portanto, das duas uma: ou a maioria é convincente a garantir que não vai fazer cortes nas pensões ou corre o risco de ir, cheia de razão, lamber as feridas para a oposição. As pessoas que, como Medina Carreira, afirmam que em dizendo a verdade aos eleitores estes compreendem e aceitam esquecem que há muitas verdades, desde logo a do PC, a do BE, a do PS e a da comunicação social, sendo que esta última costuma amplificar a das outras três. Medina, se concorresse, mesmo que com o mesmo tempo de antena, perdia - mas isto ele não sabe, nem acredita.

Dizer, portanto, que cortes só com acordo não chega - justa ou injustamente, a maioria tem a firme reputação de ser pelos cortes e o PS pelos pobrezinhos.

Ocorre que nem os mais férreos apoiantes do que, com manifesto exagero, se chama a direita, acham que, em matéria de reforma do Estado, se fez o suficiente. E portanto do que se faz mister é encontrar 600 milhões de cortes alternativos na despesa do Estado. Por exemplo, os 150 milhões de contribuição audiovisual bem podiam mudar de nome para contribuição de sustentabilidade, desde que a RTP fosse privatizada, indo ao ar do mesmo passo parte gorda da indemnização compensatória - aí 80 milhões, se a memória não me falha. O Conselho Permanente de Concertação Social, e as respectivas subvenções às centrais sindicais, fazem tanta falta como uma viola num enterro; a Provedoria de Justiça, um organismo que se dedica ao apoio psicológico às vítimas dos abusos do Estado, emprega 136 pessoas, soube ontem por acaso; a AICEP, e as outras agências que promovem o futuro da economia, poderiam ser reduzidas na exacta medida do necessário para continuar a receber subsídios da UE, na hipótese de esta não aceitar o uso dos fundos que distribui para abater à dívida; as fundações estão, mas não deviam estar, postas em sossego; nem é preciso sair da blogosfera para encontrar por onde fazer cortes; os Municípios não foram, e não se entende, ou entende-se bem demais, reformados; o Manifesto da defunta troica, bem escabichado, tem por lá medidas de corte da despesa que nunca viram a luz do dia; e o recurso extensivo à consultadoria externa, em vez de servir para redigir leis, bem podia ser utilizado para as revogar, juntamente com os serviços que as justificam.

Quem quer encontrar, encontra; quem não procura - não.

publicado por José Meireles Graça às 00:47
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16 comentários:
De Amadeu Oliveira a 3 de Junho de 2015 às 21:08
Boa tarde Sr. José Meireles Graça.
É um gosto, sempre renovado, ler os seus textos.
Pergunto-me: porque não fui eu a escrever isto?
Respondo-me: porque jamais pensarei/escreverei tão conciso e tão lúcido.
Cumprimentos.

Amadeu Oliveira
De José Meireles Graça a 3 de Junho de 2015 às 23:46
Grato, muito grato, Amadeu (deixe lá o "senhor" - nem a quem não me grama exijo isso).
De A. Macedo a 4 de Junho de 2015 às 17:18
Obrigado pelo artigo. Pena que é, este e outros alertas não terem o mesmo impacto na consciência e vontade das pessoas como por ex. um "big brother". Para além de alguns números que mencionou sobre a sustentabilidade da SS, há outras formas de pensar na SS. Quando tivermos a preocupação de pensarmos primeiro no "Ser Humano" e depois no número que ele representa, as coisas mudam de figura e as soluções aparecerão. Há uma coisa que me mete confusão: para que serve, afinal o OE?. Como se financia a Educação, A saúde..? e a Assembleia da Republica? Alguém acredita ser mesmo imprescindível o número elevado de dignos e generosos políticos que lá se sentam? Tanta, mas mesmo tanta coisa é necessária de mudança
De António Santos a 4 de Junho de 2015 às 11:26
Então oh Zé. Diz-me lá a tua idade e que idade tinhas quando começaste a trabalhar. (57 e 15).
É que se continuamos a pensar a SS como se vivêssemos ainda no tempo da revolução industrial, é garantido que não é sustentável. Mas se talvez imaginássemos a vida económica e social daqui a 20 ou 30 anos, está-me cá a parecer que tem de haver outras maneiras de financiar a vida de quem trabalhou e depois deixa de trabalhar mas precisa de guito para viver.
Eu sou defensor da "futura" sociedade da LAZER. O turismo é apenas uma forma. Outra é talvez desempregado ou reformado. Mas se a sociedade criar riqueza (bens necessários a uma vida condigna) para financiar esta sociedade do LAZER e não meter a riqueza gerada nas contas offshore ou não de uma meia dúzia de pessoas que nem sabem o que hão-de fazer com tanto então há solução. O que não pode acontecer é a humanidade ter tanta capacidade e depois não consegui eliminar a miséria.
O ditador MAO TSE TUNG e lider da China fez a revolução que fez porque sendo um tipo da monarquia chinesa fazia-lhe confusão a quantidade de camponeses que morriam à beira de grandes plantações.
Agora o que me espanta é ver pessoas defender a continuação desta coligação que não tem capacidade de criar ESPERANÇA nas pessoas, prometendo mais do mesmo e foi (é) muito mau.
De anA a 4 de Junho de 2015 às 12:45

Deixei de ler aqui, neste paragrafo. Vou ler outra coisa!

"Mas os reformados não leem o Observador, leem o Crime e o Record , quando leem alguma coisa; e na televisão veem os concursos, a bola, as telenovelas e a sangueira ou o escândalo do dia, a abrir o telejornal."
Sinceramente, sou reformada e não gostei.
De José Meireles Graça a 4 de Junho de 2015 às 13:54
anA, há reformados e reformados, claro - referia-me à maioria. Exagero retórico, portanto. Como o seu, quando diz que deixou de ler.
De guy a 4 de Junho de 2015 às 12:58
mete nojo tanta prosápia
De Maria a 31 de Agosto de 2017 às 09:02
Entao para que lê?
De Katy a 4 de Junho de 2015 às 13:21
"os pensionistas e reformados são mais de um terço dos eleitores, e quase dois terços dos votantes." Este é o cerne da questão. Enquanto esta boa gente, votar em CORRUPTOS, sem os penalizar nem lhes pedir contas da forma como gastam os dinheiros públicos, nomeadamente dinheiro da Segurança Social, que serviu para comprar dívida pública, este problema só se agrava. Não votem em corruptos.
http://apodrecetuga.blogspot.pt/
De Teodoro a 4 de Junho de 2015 às 14:48
Balelas!! e disparates com fartura!!
De jabeiteslp a 4 de Junho de 2015 às 14:50
E quem realmente Trabalhou ?
Função Pública ? São os nossos Impostos.

E dos que tanto alardeiam
porque não uma Consulta Popular (Referendo)
num teto de dividendos em Salários e Pensões ?

Por opção fico-me por aqui
antes que alguma das Cigarras proliferantes
deste País
me chupe o sangue numa algazarra de festa.

Feliz fim de semana
de aqui dos calhaus da Serra
De Gorete a 4 de Junho de 2015 às 15:12
Para este tipo o ideal era privatizarse tudo, ficava o problema resolvido - deixava de haver vida pública, ordem social, bem comum. Retirava-se ainda mais, de preferência aos mesmos do costume. Este artigo é essencialmente indigno (sem ofensa para as casas de putas, aonde há bem mais dignidade...)
De Teodoro a 4 de Junho de 2015 às 16:35
lolololol, excelente Gorete
De José Gomes a 4 de Junho de 2015 às 15:21
Sou reformado, presentemente vivo numa aldeia e aquilo que eu reparo é que as pessoas mais iletradas são aquelas que menos vacilam na altura de votarem pois o partido para elas é sagrado, independentemente das asneiras que muitas vezes também as prejudicam
De juromenha a 4 de Junho de 2015 às 19:56
Enquanto houver milhares que ganham milhões, sem descontar tostão, e milhões que ganham milhares, mas que descontam, para encher a "MULA" aos burgueses (politicos) que nada fazem, apenas gastam, ESTE PAÍS NÃO VAI A LADO NENHUM.

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