Segunda-feira, 9 de Fevereiro de 2015

Por quem os sinos dobram

Juntando todos os dados, é razoável concluir-se que a zona euro dedicou mais de um terço da sua vida a um ajustamento desequilibrado, que empobreceu toda a zona. Os custos desse ajustamento recaíram quase exclusivamente sobre os países mais pobres, empobrecendo-os ainda mais e aumentando o seu desnível para com os mais ricos.

 

Tudo isto porque, apesar de toda a atenção dedicada ao problema e ao seu ajustamento se ter concentrado praticamente nas finanças públicas e nas dívidas soberanas, o problema da zona euro foi, acima de tudo, um problema típico de desequilíbrios das balanças de pagamentos de vários países pertencentes a um regime que funciona como sendo de câmbios fixos e dentro de uma área económica que, não sendo fechada, transacciona sobretudo dentro de si própria. 

 

Uma vez que em regime de câmbios flutuantes, o ajustamento taxas de câmbio envolve uma certa simetria de efeitos – excedentários valorizam, deficitários desvalorizam –, é em regime de câmbios fixos que a assimetria é maior e as suas consequências mais nefastas, tornando os processos de ajustamento recessivos e deflacionários.

 

 

Os Excedentários [Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Finlândia] acabam por ficar a dispor de um excesso de competitividade que é subsidiado pelos sacrifícios dos Deficitários [Estónia, Irlanda, Grécia, Espanha, Chipre, Malta, Portugal, Eslovénia, Eslováquia], obrigados a um ajustamento unilateral. Esta forma de ajustamento tem, portanto, envolvido uma efectiva transferência de bem-estar social (incluindo emprego) dos Deficitários para os Excedentários.

 

Pode-se sempre contar com os economistas para explicarem convincentemente por que razão falharam as políticas económicas que desembocaram em desastre, incluindo as políticas económicas que subscreveram.

 

Se o exercício for feito por um autor competente e hábil, como Vítor Bento indiscutivelmente é, a leitura pode suscitar as perguntas: Como foi possível? Onde estavam com a cabeça?

 

Decerto que num artigo denso e sumarento como este pessoas diferentes verão coisas diferentes. O que eu vi, à revelia do autor, foi um demolidor libelo contra o Euro, sem o qual, a contrario, nenhum dos problemas descritos teria tido lugar. E seria portanto de esperar que quando feito, e bem feito, o diagnóstico, tivéssemos direito à descrição do conjunto de procedimentos para nos livrarmos daquela moeda letal.

 

Que nada: "Como conciliar a necessidade de ajustamento das finanças públicas de cada país com a necessidade de promover a procura interna no conjunto da zona euro? Um começo seria um maior orçamento (redistributivo) federal, com capacidade de endividamento da própria União" - é a conclusão a que temos direito.

 

Ou seja: O Euro nasceu para aprofundar a integração, tornando-a irreversível, e para amarrar a reunificada Alemanha à caranguejola europeia; as regras foram as necessárias para o eleitorado alemão abandonar o querido Marco e engolir a moeda de parte da União; e como o resultado é disfuncional pretende-se agora que os eleitores dos países excedentários encostem a barriga ao balcão em nome de um raciocínio económico subtil, que aliás não é nem pacífico nem susceptível de ser aceite pelas opiniões públicas dos países envolvidos. Tudo isto  sem dizer nada dos países que não estão no Euro, e que teriam também que aumentar a sua contribuição para resolver um problema que não criaram.

 

Talvez a verdadeira loucura tenha sido, e seja ainda, deixar que grandes ideais nos obnubilem o raciocínio: a CEE foi uma história de sucesso; a UE não. Do que se faz mister para vencer a doença é extirpar o vírus - não tratamentos sintomáticos.

 

Não é que Vítor Bento ofereça um catálogo de soluções, a julgar pela amostra, que sejam desprezáveis. É que não há nenhum modelo razoável que assente no princípio de que há Europeus, porque os Europeus só existem geograficamente. Politicamente há Alemães, Ingleses, Franceses, Portugueses, Gregos e muitos outros - Europeus não.

 

Vítor Bento, isto, não sabe. E, não sabendo isto, o que sabe não serve para nada, a não ser para explicar amanhã porque falhou o que defendeu hoje.

publicado por José Meireles Graça às 11:46
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1 comentário:
De Tiro ao Alvo a 9 de Fevereiro de 2015 às 19:48
Pelo meu lado, li no que o VB põe a nu esta evidência: a Grécia nunca deveria ter entrado no Euro e os outros países do sul entraram cedo demais, incluindo Portugal, pois não estavam bem preparados para dar um passo tão exigente. Além disso, com a adesão, esses países mal preparados, beneficiando de taxas muito favoráveis, desataram a aumentar as suas dívidas públicas para níveis insustentáveis, como se viu quando os "mercados" descobriram que estavam a correr riscos muito elevados e as taxas de juro dos países com défice e dívida excessiva, como era o caso de Portugal, subiram em flecha.
É certo que o VB não quis avançar com o seu palpite sobre a forma de resolver este grave problema, com a Grécia aflitinha, com a corda na garganta. Receio é que a receita não passe pela exigência de contas públicas equilibradas e de estatísticas a revelarem a realidade económica desses países, ou seja, receio que apareçam uns sábios a defenderem que o melhor é empurrar com a barriga, como se tem feito nos últimos anos. Com o lamentável resultado que estamos a ver.
Aguardemos.

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