Quinta-feira, 3 de Dezembro de 2015

Quando a inveja se torna moral

Quando o imoral se torna banal, diz ela, e ao dizer aquece os corações de todos quantos, da nova maioria a Stiglitz, julgam que a forma de acabar com a pobreza, o desemprego e outras misérias, é taxar os ricos, com isso resolvendo ao mesmo tempo dois problemas: produzir o céu na terra, sonho de todos os reformadores sociais, e embrulhar a inveja e a cobiça, que milhões sentem, na compaixão que acreditam sentir.

 

Claro está que, sem desigualdade, não teríamos catedrais, nem palácios, nem castelos, nem monumentos, nem outra Arte que não fosse popular, nem estradas que não fossem vicinais. Sempre quem mandou fazer todas essas e muitas outras coisas foi um explorador, assentando a sua legitimidade no nascimento, na classe, na conquista, no direito divino; e sempre, na quase ausência de progresso científico e tecnológico, a maneira de engordar os nossos cabedais foi espremer os dos vizinhos.

 

Depois veio a Revolução Industrial, e inventou-se a maneira de criar riqueza nova sem apropriar a dos outros - chama-se crescimento económico.

 

Mas as coisas mudam muito e as pessoas pouco. E os quadros mentais permaneceram os mesmos: se há ricos é porque há pobres e a riqueza de alguns é a pobreza de muitos. Nisso, mais a crença irracional de que a igualdade é um bem, e a desigualdade um mal que urge combater, assentam ainda hoje as ideologias de esquerda.

 

E não adianta ter formação em Economia, como Mariana tem, nem um mínimo de conhecimentos históricos, que talvez tenha: como para crescer é preciso investir, basta acreditar que o investimento público é igual, na sua eficiência, ao privado, para ao mesmo tempo defender a igualdade e o progresso, isto é, que os ricos não têm utilidade social. Claro que estas coisas são escritas num computador e partilhadas nas redes sociais, e nem um nem outras existiriam sem o maldito sistema capitalista - ainda sou do tempo em que os yuppies de Wall Street eram gozados por se passearem com telemóveis do tamanho de tijolos, que só podiam pagar por ganharem fortunas; e o luxo, a segurança e a multidão de gadgets que hoje um automóvel utilitário tem só existe porque houve quem pudesse comprar automóveis caríssimos onde essas coisas foram inovação.

 

É deste quadro mental que vem a superioridade moral: "provocações, "trafulhice generalizada" são os mimos com que são brindadas aquelas empresas que fazem planeamento fiscal, pagando o mínimo de IRC, e novas descidas neste imposto cavam "uma desigualdade - entre trabalho e capital - que ninguém parece querer encarar".

 

Fosse eu a falar e também referiria, a este propósito, a desigualdade - entre as empresas que podem e as que não podem fazer "planeamento", que são a maioria. E para resolver esse problema reduziria o imposto para níveis aos quais não valeria a pena fazer engenharias, ganhando na igualdade da competição, no investimento produtivo e, talvez, nas receitas.

 

O dinheiro assim liberto para as empresas poderia servir para reforçar os seus capitais, e portanto a sua solidez; evitar o recurso a endividamento, e portanto reduzir os custos para investir ou para financiar a actividade; e reduzir os prazos de pagamento.

 

Só coisas boas? Não: os donos ou accionistas das empresas ficariam mais ricos. Ora ricos mais ricos não pode ser, desde logo porque decerto nem tudo seria para aforrar ou investir - uma parte haveria de servir para comprar aquelas coisas que alguns podem ter e outros não, mesmo que os accionistas tivessem, como de facto têm, que pagar imposto sobre lucros distribuídos - um detalhe que costuma ser omisso nestes discursos virtuosos.

 

Omitido et pour cause: se nos lembrarmos que a empresa paga primeiro imposto sobre os lucros, e depois os accionistas imposto sobre o que sobrou e foi distribuído, percebe-se que fica prejudicada a comparação entre o que paga a empresa e o cidadão.

 

As empresas que fogem fazem muito bem, estão-se a defender a elas e à comunidade. Que dinheiro para pôr nas mãos das Marianinhas deste mundo investirem em projectos lunáticos e distribuírem como se não houvesse amanhã - que evite quem puder.

 

Não porque Marianinha não tenha bom coração e genuína preocupação com os pobres; mas porque estes são mais bem defendidos se quem decide usar pouco aquela víscera e muito a cabeça.

publicado por José Meireles Graça às 12:02
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