Sem, felizmente, o conhecer pessoalmente, detesto Fernando Ulrich - acho desde logo que bem podia consertar os dentes e aprender a falar Português (passa a vida a falar de percas, sem todavia se estar a referir a percídeos), duas coisas absolutamente essenciais para quem com tanta frequência aparece no espaço público a expectorar opiniões.
Detesto-o porque fui durante mais de duas décadas cliente do BPI (verdadeiro cliente, daqueles que pedem dinheiro emprestado e pagam, além do que lhes é exigível a título de reembolsos, juros, spread e alcavalas sortidas, o almoço quando recebem a visita de representantes do Banco), até ao dia em que um fogo originou um incumprimento. Contei nessa altura com a compreensão de outros bancos; e a intransigência estúpida, obstinada e arrogante do BPI, que somou ao sinistro de causas fortuitas um de causas ulrichianas - era "a cultura do BPI".
Paguei tudo o que devia àquela "instituição", com língua de palmo, e, improvavelmente, sobrevivi. E não obstante achar que todos os bancos devem ser salvos, e que o BES também o devia ter sido, porque são, ou deviam ser, depositários da mesma fé pública que atribuímos ao dinheiro em papel - que não é mais do que uma promessa de valor emitida por um banco central - abro uma excepção para a sigla BPI, que gostaria de ver desaparecer, e para o celebrado engenheiro, que apreciaria sumisse de vez.
Não sou portanto suspeito de concordar, por mera simpatia, com o estrepitoso ex-jornalista, reciclado em banqueiro. Mas, de tudo o que tenho ouvido ou lido sobre a débâcle do BES; dos aldrabões, calculistas, vigaristas que vão passando pela Comissão de Inquérito; dos governantes que se escudam na suposta independência do Banco de Portugal e na alegada autoridade do BCE para defenderem a opção tomada, que o foi, sobretudo, para não dar argumentos eleitorais à Esquerda; da própria Esquerda, que quer condenar a propriedade privada dos bancos, dê por onde der, num caso, e associar o Governo ao desastre, noutro; do patético Governador do BdP, que se escuda no comportamento ilícito de Salgado para não ter visto nada, feito nada, impedido nada, e corrigido nada, senão à 25ª hora, e mal; dos liberais livrescos, que acham que os bancos devem ser deixados falir, como se fossem meras empresas; e da UE, que impudentemente resolveu dar uma lição, e fazer uma experiência com os porquinhos-da-Índia portugueses, a ver se encontraram o ovo de colombo da solução para os banqueiros kamikaze:
Fernando Ulrich ainda foi o que disse coisas mais razoáveis. Que disse ele então?
"O Banco de Portugal devia ter actuado 'com mais força' e 'mais cedo”. Pois devia, Fernando, pois devia. E já agora, não fosse seres farinha do mesmo saco dos poderes que estão, podias ter acrescentado: E como isso é evidente, o Governador devia ter sido imediatamente demitido. Porque nesta história virá a haver, talvez, presos; muita gente ficou com as carreiras arruinadas; milhares ficaram sem as poupanças, ou o que legitimamente lhes pertencia; e os danos à confiança no sistema bancário, que não se podem medir, só por si justificavam que rolasse a cabeça de quem o fiscaliza, se não fosse por mais nada em nome da responsabilidade objectiva.
“Eu não consigo aceitar que isto foi tudo ao lado do Governo e que foi o Banco de Portugal (BdP) que fez tudo sozinho”. Boa, Fernando, eu também não. Quer dizer que nenhum de nós anda por aí com uma par de asas nas costas, apesar de quererem fazer de nós anjinhos.
"...não compreender porque é que o Banco Central Europeu não deu mais tempo para o BES cumprir os rácios mínimos de capital". É pouco provável que venhamos a saber - os inimputáveis não dão explicações, mesmo que saibam dá-las, a menos que o inefável Constâncio publique um livro de memórias, a ver se com ele lhe atribuem o doutoramento que lhe falta no currículo.
"A solução foi imprudente da forma como foi construída”. Foi, Fernando. E agora, se tudo correr bem, teremos um grande banco, estrangeiro (Deus permita que não seja o BPI), herdeiro do pouco lombo que sobrou do BES, que os ossos ficaram para os ingénuos, os pombos que acreditaram no Governador Costa e no Presidente Cavaco, e os azarados.
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