Terça-feira, 25 de Novembro de 2014

Respice post te! Hominem te memento!

Na noite da detenção festejei no Feice com uma quantidade adequada de piadas, umas de mau gosto, outras foleiras - tenho um amor imoderado por estas duas variedades. Os meus amigos feicebuquianos, um ramalhete que não é representativo da população at large por escassearem socialistas, trocaram brindes retóricos e abraços; e era palpável um imenso sentimento de alívio - o troca-tintas, afinal, bateu na parede, a tradição da impunidade dos donos da democracia levou um rombo, e ficou exposto o equívoco daqueles dois milhões e meio de portugueses que nele votaram em 2005 e destes, mais ainda, o dos mais de dois milhões que confirmaram a asneira em 2009.

Havia no ar - há - a esperança de que uma parte do eleitorado tenha aprendido alguma coisa e não entronize a ambição do edil Costa, o qual é, sem a mancha da desonestidade e com um estilo mais senatorial, um Sócrates igual ao genuíno. É disso prova o estatuto de número dois que foi longamente o seu (pode-se ter sido número dois de Stalin, com perdão da comparação, sem ser comunista?), o apoio que sempre deu, e aliás não renega, à longa lista de desmandos que puseram o país de joelhos, e a desvalorização e desprezo a que votou todos os que, no espaço público, sempre chamaram a atenção para os sucessivos escândalos socratianos.

Uma boa semana, portanto, para a salubridade da vida pública e as perspectivas da maioria, ainda que esta talvez não merecesse o inesperado prémio, por ser apenas menos má do que a alternativa. Resta porém um espinho:

Os socialistas de todos os bordos refugiaram-se nas fugas ao segredo de justiça, no circo mediático (qual circo, já agora: o de uns jornalistas encolhidos de frio a debitarem inanidades à espera de umas carrinhas que passavam fugazmente, no meio do nevoeiro?), na duração excessiva da detenção e, finalmente, na falta de fundamentação pública da decisão de prisão preventiva para desvalorizarem a seriedade, e a credibilidade, das acusações a Sócrates, aproveitando para fazer passar a tese de que a democracia, as instituições, a Justiça, e a puta que os pariu, estão em risco desde que se toque num deles. Isto no preciso momento em que tudo isso leva uma poderosa refrescadela - a máquina emperrada que nunca, para desespero das pessoas comuns, parece funcionar, desta vez funcionou.

Mas se toda a gente percebeu que a majestade da Democracia não unge necessariamente a acção de um eleito, o reflexo condicionado do meu lado do espectro político parece tê-lo feito esquecer que a majestade da Justiça não cobre quanta asneira um juiz decida fazer em nome dela.

O juiz Alexandre andou mal, muito mal, ao produzir um anúncio grotesco cheio de minúcias irrelevantes sem dizer uma palavra sobre os fundamentos da sua decisão, que suponho apenas reservou para as partes.

Sucede que nós somos parte, não apenas no sentido abstracto de os juízes decidirem em nosso nome, mas também porque os eleitores têm o direito de saber com que fundamentos se retira a liberdade a uma pessoa na qual confiaram a ponto de se deixarem pastorear por ela durante alguns anos. É porque, com o homem solto, as investigações podem ser prejudicadas? Pois então explica, Alexandre; e, já agora, explica também, ainda que sumariamente, por que razão as investigações não foram feitas antes - afinal o alegado engenheiro já largou os fasces vai para mais de três anos, e mesmo que o tempo da Justiça não seja de pressas cabe não ter excessivo respeito por uma investigação que só o sabe ser se o objecto dela estiver preso.

É que um erro neste processo não tem as mesmas consequências que um erro noutro processo qualquer. Ambos podem ser corrigidos pelas instâncias de recurso; mas neste a parte ofendida podemos ser - e seremos, se houver erros - nós.

Razões por que veementemente desejo que Alexandre saiba o que anda a fazer. Começou mal, não por ter decidido o que decidiu - isso, precisamente, ficamos impedidos de avaliar - mas por achar que tem apenas que dar contas às partes e à sua consciência.

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publicado por José Meireles Graça às 17:47
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4 comentários:
De PC a 26 de Novembro de 2014 às 20:34
As diligências começaram quando houve uma queixa, da CGD, sobre movimentações estranhas. Por isso não começaram antes e assim se justifica a parte temporal.

A prisão preventiva justificar-se-à pelos mesmos motivos que a sua não explicação: perigo de interferência no processo e manutenção da ordem pública. Tal como alguém disse, creio que hoje, quem acredita que JS ficaria calado e não falaria sobre o processo se não estivesse preso? Aliás, mesmo preso, parece-me que soares não terá inventado aquela "narrativa".
De José Meireles Graça a 26 de Novembro de 2014 às 21:31
O trem de vida de Sócrates e a evidente contradição com os seus recursos conhecidos era há muito denunciada, não apenas no frufru das redes sociais, que vale o que vale, mas também em peças consistentes. Percebo o seu argumento, mas prefiro acreditar que a diferença está na nova PGR e chefia do DCIAP, e não na "queixa" da CGD (que aliás não existiu enquanto tal, trata-se de informação obrigatória). A ordem pública não ficaria abalada, pelo contrário, por conhecer os fundamentos da decisão. A ideia de que se deve prender um indiciado para que não fale - rejeito. E rejeito também a ideia de que é essencial prender as pessoas para as poder investigar. O que tal prática protege é a incompetência, preguiça, falta de meios ou o que seja de quem investiga, e a inépcia de quem dirige a investigação. E a tal ordem pública como fica se a decisão pela prisão preventiva for anulada pela Relação, ou até por um habeas corpus? Hoje o juiz Alexandre goza de prestígio. Seria bom que o pudesse manter, e confesso que, do pouco que sei dele, inclino-me a suspeitar, sem certezas e menos ainda provas, que pode bem ser um pateta com a mania que é justiceiro. Nunca nenhum ordenamento jurídico conseguiu garantir que maníacos e idiotas não cheguem a juízes. Espero, sinceramente espero, não ter nenhuma razão nas minhas suspeitas. Quanto a Soares, PC, leva-o a sério? O homem está chéché: aquilo são desabafos de inimputável.
De Terry Malloy a 27 de Novembro de 2014 às 00:33
1. Não é prender um indiciado para que não fale - e para que a investigação seja mais cómoda. Uma medida de coacção é um acto de condicionamento de um suspeito perante o perigo de x, em determinada fase do processo. V.g., o perigo de um suspeito que tenha adquirido conhecimento ilícito da investigação que contra si corre (por violação do segredo de justiça, servido em forma de repasto ou outra), possa manipular/obstruir/sabotar a mesma, condicionando, coagindo ou subornando testemunhas, enviando primos para mosteiros shaolin, patrocinando prestimosamente apoio jurídico a delatores que aparecem filmados a chamá-lo corrupto em inglês e que depois alteram o seu depoimento, e, last but not least, almoçando ou jantando em salas reservadas com as mais importantes figuras do regime instituído ou pedindo a outros que vão "procurar o Guerra".
Nem todos temos as mesmas possibilidades efectivas de condicionar clandestina e ilicitamente um processo-crime.

2. Quanto ao juiz Carlos Alexandre ser um pateta justiceiro, há uma pequena prova negativa que talvez permita uma inferência distinta, mesmo para quem dela nada sabe: é que ele está no TCIC há dez anos (desde 2004), tendo como "clientes" os indivíduos mais poderosos do país, representados pelos mais influentes e maiores escritórios de advogados, nos processos da maior complexidade (e volume) - é verificar a taxa de sucesso dos recursos das suas decisões, ou mesmo as ocasiões em que lhe tenham sido publicamente apontados erros técnicos em despacho.
De José Meireles Graça a 27 de Novembro de 2014 às 01:30
Bons argumentos os seus, Terry Malloy. E preciosa a informação sobre CA. Mas é que eu (que não sou oficial desse ofício, ao contrário possivelmente do meu amigo), não acho que, salvo casos extremos, a privação da liberdade deva servir como uma ferramenta auxiliar da investigação, para a proteger da reacção ilícita do indiciado. E neste caso menos ainda, por facilitar uma estratégia de vitimização. A mim a prisão sem condenação causa-me engulhos, ainda antes de todos os raciocínios e utilitarismos. E não chego nunca a perceber por que razão o edifício da acusação não pode ser construído até uma fase muito mais adiantada. Mas enfim, admito que não esteja a abarcar suficientemente todas as exigêngias de uma investigação deste tipo. Estaremos cá para ver o resultado.

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