"Isto é uma mudança de paradigma relativamente ao que a magistratura tem vindo a fazer nestes últimos anos". Mudança de paradigma?! Começam muito mal - de palavreado oco a armar ao intelectual já estamos servidos.
Depois, os Meritíssimos que me perdoem mas a linguagem jurídica não existe por acaso, mas por necessidade: um advogado experiente pode entender um despacho, uma pronúncia, uma sentença precisa, em termos precisos, por economia de meios e rigor conceptual, mas já terá dificuldades acrescidas em recorrer de uma sentença em linguagem corrente, que se presta mais, muitíssimo mais, a dúvidas de interpretação - para os advogados, que têm que explicar a sentença a quem nisso tenha interesse e dela recorrer, se for o caso, e para os magistrados da instância de recurso, que têm que a apreciar.
A menos que os juízes tenham que lavrar duas sentenças: uma para os autos, a verdadeira, a da Bayer; e outra para a Internet, não vá o Povo, em cujo nome o juiz julga, imaginar que os pobres magistrados não trabalham que se matam. Se for este o caso, temos a burra nas couves: por um lado, nada garante que o mesmo juiz que lavra uma excelente sentença, impecável na sua fundamentação, sólida na apreciação da prova, indestrutível no enquadramento do caso no direito aplicável, tenha dotes de jornalista, ou escritor, para "aproveitar as novas tecnologias de informação para dar conhecimento público das suas decisões, descodificando a linguagem jurídica quando necessário"; por outro, do que o Povo sobretudo se queixa, com razão, é que a Justiça não funciona, e este acréscimo de trabalho inútil pode talvez esclarecer muito jornalista incapaz de interpretar despachos e sentenças mas não acelera a máquina - trava-a.
"Os magistrados pretendem ainda dar justificações públicas dos seus atrasos processuais e ver divulgados os inquéritos disciplinares aplicados à classe, no sentido de ficar esclarecido por que é que um determinado juiz foi inspecionado e qual o conteúdo da decisão de quem o fiscalizou."
É fatal como o destino que o magistrado que vier dar explicações públicas dirá uma de duas coisas, ou ambas: i) Não tenho meios; ii) A legislação está mal feita. E o responsável pelos meios dirá que não senhor não falta nada, ou falta mas não há caroço, enquanto o legislador confessará que esse aspecto vai ser tido em conta na próxima reforma, ou não será porque o senhor juiz, valha-o Deus, não sabe o que diz. Da publicidade dos inquéritos a juízes nem falemos, que, salvo nos casos de aposentação compulsiva, ou outro afastamento, o juiz ficará com um ferrete público que, no regresso ao serviço, o acompanhará.
Bem sei que há para aí advogados que não sabem escrever, jornalistas que não sabem ler, e cidadãos que não sabem pensar. Mas dos juízes espera-se contenção, reserva e ponderação - tudo o que não existe na rua. E estas iniciativas, se levadas à prática, o que farão não será nem acelerar o funcionamento da Justiça, nem melhorar a qualidade das decisões, mas criar, em torno dos tribunais, discussão e arruaça.
"O maior número de juízes de sempre", declarou José Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que organizou o encontro. Bem, este cidadão acha que sindicatos de juízes são uma contradição nos termos; e também que, desde que se aceitou o princípio, não ficou melhor a justiça do Povo - mas ficamos mais perto da justiça popular.
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