O caso vem contado aqui e é difícil não o ler sem uma surda suspeita de que alguém fez borrada, assim como os quase vinte anos já decorridos desde que Pedro Vilela nasceu, para chegar a uma decisão judicial quase definitiva (falta o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se os pais tiverem recursos), não podem senão despertar nojo e desprezo pelo nosso sistema judicial.
Não estou em condições de dizer que houve (para além do palpite de que sim, que houve) negligência médica e quem tiver a coragem de ler a sentença - um documento interminável e prolixo com o nº processo 0445/13, data do Acórdão 16-01-2014, descritores HOSPITAL PÚBLICO, PRESUNÇÃO DE CULPA e RESPONSABILIDADE POR ACTO MÉDICO (estas indicações são necessárias para obter a sentença através do motor de busca no site e só disponho delas por causa de um comentador ao post acima referido) - não chegará, creio, a uma conclusão satisfatória.
E isto porque nela se discute não apenas o que se passou no Hospital de S. Marcos, em Braga, há vinte anos, que levou a que Pedro ficasse com uma incapacidade de 100% (não fala, não ouve, não vê), mas também quem tem que fazer a prova da culpa do hospital ou ausência dela. O STA acha, ao contrário das instâncias inferiores, que, tratando-se de um hospital público, esse ónus recai sobre o utente, isto é, na prática, são os pais de Pedro que têm que provar que as lesões decorrem de falhas ocorridas desde que a mãe deu entrada no hospital, às 17H49 do dia 18-12-1994, até às 10H45 do dia seguinte, quando teve lugar o parto por cesariana.
Acha muito mal. E digo-o não por causa da autoridade jurídica que não tenho, mas porque o bordão "dura lex, sed lex", se se justificou historicamente como um progresso em relação à lei não escrita; e se se justifica ainda hoje em nome da segurança jurídica: não pode ofender aquele sentido de Justiça que todas as pessoas bem formadas têm consigo, e que lhes diz que uns pais que têm por filho um vegetal (com perdão da imagem) têm direito a que se não lhes diga que, se fossem a um hospital privado, não teriam que provar o que não podem, nem sabem, mas, como foram a um hospital público, o ónus da prova recai sobre eles.
Assim não o entendeu o Tribunal Constitucional, em sentença que não li (para ver as sentenças é precisa uma inscrição no site do TC e indicar uma password, vá lá o diabo saber porquê) e ficarei assim sem saber por que forma se ignorou o artº 13º da Constituição, que reza:
Quer-me parecer que se num hospital privado não há dúvidas, havendo indícios de más práticas médicas que tenham originado lesões, que o estabelecimento tem que provar que essas práticas ou não existiram ou não originaram aquelas lesões; igual obrigação deve recair sobre um hospital público.
Porque, a entender-se o contrário, os utentes de hospitais públicos têm menos direito de acesso à Justiça do que os utentes dos hospitais privados, quando são, real ou imaginariamente, maltratados.
Não é que eu seja um entusiasta do SNS - não sou. Mas sou um entusiasta da igualdade dos cidadãos perante a Lei.
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