Um militante do PSD, facção Passos, na versão holandesa, que localmente tem a designação de Partido Socialista Holandês, segundo certos tradutores, e Partido Trabalhista, segundo outros, levou um banho nas recentes eleições: o partido (PvdA) perdeu 29 deputados, passando a ter apenas 9, num parlamento que tem 150. Quem ganhou as eleições foi o CDS, embora tenha perdido 8 lugares, segundo uns; ainda que segundo outros o CDS local não seja o VVD, que ganhou, mas o CDA, que apenas ficou em terceiro, com 19 lugares. O partido de Heloísa Apolónio, que naquelas terras baixas dá pelo nome de Esquerda Verde, ganhou 10 deputados, tendo ficado com 14, um resultado espectacular explicável talvez pelos factos de ser liderado por um senhor que nem é comunista nem fala aos gritos e de o país correr o risco de, se o aquecimento global não for uma aldrabice, ficar, como a Atlântida, debaixo de água.
Em segundo lugar, tendo ganho mais cinco lugares, ficou o PNR indígena, cujo líder se distingue à vista desarmada do português por ser loiro (diz-se que pintado) e conhecido, mas que já se sabe não fará parte do governo, por os potenciais colegas, embora lhe comprem sorrateiramente boa parte das ideias, o acharem pestífero.
Por este bosquejo se vê que a política holandesa é uma grande baralhação. E vê-se também que pouco tem a ver com a portuguesa: as ideias são as mesmas, mas o peso delas é completamente diferente: o espaço da opinião e o do poder não se encontram poluídos, até à surdez, com fósseis como Jerónimo, libelinhas mutantes como Catarina Martins, caloteiros oleosos como Costa, Houdinis do défice como Centeno ou papagaios hiperactivos como Marcelo.
Pois bem: o derrotado do PSD, compreensivelmente nervoso, disse o seguinte numa entrevista: "Na crise do euro, os países do norte da zona euro mostraram-se solidários para com os países em crise. Como social-democrata, considero a solidariedade da maior importância. Porém, quem a exige também tem obrigações. Eu não posso gastar o meu dinheiro todo em aguardente e mulheres e pedir-lhe de seguida a sua ajuda. Este princípio é válido a nível pessoal, local, nacional e até a nível europeu".
Para um leitor mediano, isto é, excluindo a maior parte dos jornalistas, políticos e comentadores, que são analfabetos funcionais quando calha não serem analfabetos tout court, quer dizer que o preço da solidariedade (ou seja, dos empréstimos) é a austeridade. A imagem é pouco feliz? É, mas devemos dar um desconto: Dieselcoiso, assim se chama o político em questão, é holandês e ministro das finanças, da variedade séria. Alimenta-se portanto de batatas e queijo de vaca e queima as pestanas a compulsar o livro do Deve e Haver - não se pode razoavelmente esperar nem que tenha grande sentido de humor, nem sentido diplomático, nem queda para embarcar em fantasias segundo as quais a melhor maneira de emagrecer (a dívida) é alargar o cinto (do consumo).
Caíram-lhe em cima. E por todos Costa, o primeiro-ministro golpista, que se distinguiu, como é a sua marca de água, pela grosseria politicamente correcta: "Numa Europa a sério, o sr. Dijsselbloem já estava demitido. É inaceitável que uma pessoa que tem um comportamento como ele teve, uma visão xenófoba, racista e sexista sobre parte dos países da União Europeia possa exercer funções de presidência de um organismo como o Eurogrupo”.
Por partes:
A "Europa a sério" é uma realidade geográfica e histórica. Já a União Europeia, com a qual Costa a confunde, é uma construção política de 1992, que se pretendeu tornar irreversível e indestrutível com o Euro, o qual começou a circular em 2002. A União vai ser amputada de um dos seus membros em breve; e o Euro já teria acabado se alguém fosse capaz de conceber uma maneira de o liquidar sem que países como Portugal, ou a Itália, comessem terra durante alguns anos, sem que os credores ficassem a arder, e sem que os países que dele beneficiam por ser uma moeda mais fraca do que a que teriam se a tivessem própria, como a Alemanha, ficassem a perder. A "Europa a sério" que Costa defende é apenas um negócio desonesto que consiste nisto: compramos o voto com benesses que damos ao eleitor; os estrangeiros financiam; e a dívida resultante alguém a pagará, em nome da solidariedade, mas nós não.
Quanto à xenofobia, se Jeroen acha que os europeus do sul são diferentes dos europeus do norte, no sentido de terem sobre as mulheres, a aguardente e as contas públicas, comportamentos diferentes, tem razão: os portugueses (os meus conterrâneos conheço, dos outros sulistas não quero falar) gostam com certeza mais das holandesas do que os próprios holandeses; bebem aguardente, ou mais exactamente bagaço, sem dia certo para se emborracharem; e têm uma muito maior generosidade em gastarem o que não lhes pertence do que teriam se tivessem nascido numa sociedade calvinista.
Se isto os faz inferiores ou superiores não sei. O que sei é que, sendo todos os humanos, em média, iguais nas suas capacidades e nos seus impulsos, as circunstâncias históricas, geográficas e culturais fazem os países diferentes, e disso não vem por si mal ao mundo. Tachar todo o reconhecimento das diferenças que felizmente existem de atitude xenófoba é um simplismo. E fazer disso bandeira política é estupidez.
Quanto ao alegado racismo, onde é que ele se vê na constatação de um facto? Jeroen é socialista e acha, e com ele o partido a que pertence, que as contas públicas devem ser equilibradas e a dívida pública diminuída se excessiva, em todos os países; Costa, que é socialista mas de outra galáxia, acha que não pode haver progresso sem défice, e que portanto os contribuintes do norte da Europa devem financiar os do sul, como sucede, quando sucede, dentro de cada país das regiões ricas para as pobres. Entre nós, por exemplo, quando se cortaram apoios da República à Madeira, nem o alucinado Jardim se lembrou de achar o contenente racista. Talvez porque Jardim não era verdadeiramente desonesto - mas Costa é.
Resta o sexismo. Não estou em condições, por falta de trabalhos de campo aos quais tenha tido acesso, de garantir que os portugueses sejam mais inclinados do que os holandeses para se endividarem para agradar a mulheres. Se for porém o caso, a alegação de sexismo parece francamente exagerada: então o pobre diabo arruína-se para agradar e é sexista?
Está visto que Costa, de mulheres, ainda entende menos do que de economia. Resta-nos a consolação de que, se Dijsselbloem cair fora do barco, como merece, não será por causa das declarações da nossa rotundidade primo-ministerial, cujo peso na Europa, ainda que bastante superior ao do primeiro-ministro da Eslovénia, não é suficiente para derrubar ninguém; é porque perdeu as eleições e, ao contrário de Costa, não deve ocupar um lugar que pertence a outros.
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