Há um princípio na fiscalidade que costuma ser mascarado por outro princípio, virtuoso, o de tributar o vício para o desincentivar, mas que é apenas perverso, porque tem por objectivo real sacar aos contribuintes o mais que se consegue,
porque o seu consumo não é significativamente afectado pelo aumento do preço e a base tributária não se reduz com a introdução ou aumento da taxação.
É por isto, e não por causar danos na saúde, que o consumo de tabaco é tributado tão pesadamente. E o de combustíveis, mesmo que a tributação seja justificada com a necessidade de reduzir a dependência dos países de governos delinquentes a quem importamos petróleo, ou mais recentemente pela necessidade de descarbonização da economia, e esperem para ver como a fiscalidade se vai atirar ao automóvel eléctrico, que agora é tax-free, assim que atingir uma dimensão, e uma dependência de consumidores, fiscalmente apetecível. Assim como a habitação e os rendimentos de trabalho, coisas de que os contribuintes não podem prescindir a não ser que considerem a hipótese de, ou as circunstâncias da vida os tenham levado a, viver na miséria e debaixo da ponte. E seria o comércio de drogas, se fosse legal, caso em que a renda proporcionada pela inelasticidade procura-preço poderia ser apropriada pelos Estados em impostos, em vez de ficar nas mãos dos traficantes e da economia da lavagem do seu dinheiro, incluindo a distribuição de parte dela pela corrupção, talvez o verdadeiro motivo, que nunca o pretexto, que é sempre virtuoso, proteger a saúde dos consumidores, para impedir a sua legalização?
É também a elasticidade procura-preço que determina que portagens aumentam, e quanto, e que portagens não, num processo de negociação anual das concessionárias com o governo que devia reflectir o princípio estipulado nos contratos de concessão de o aumento das portagens ser determinado pela inflação, mas de que resulta sempre que algumas são sujeitas a aumentos superiores à inflação e outras não são aumentadas, processo em que o arredondamento para múltiplos de cinco tostões, como se as portagens fossem essencialmente pagas em moeditas e não por meios electrónicos, dá uma ajuda preciosa.
Porque se o concessionário de uma das auto-estradas fantasma que foram mandadas construir pelos governos socialistas em locais onde não eram necessárias nem são utilizadas, fosse para enganar os eleitores com uma ilusão de desafogo e modernidade, fosse para proporcionar bons negócios aos amigos da construção civil que até os retribuem generosamente, e sempre devidamente desorçamentadas pelo recurso a Parcerias Publico-Privadas para a despesa ser feita sem se perceber em devido tempo o preço e quem o paga e a dívida ficar escondida para pagar mais tarde pelas gerações futuras, lhe aumentasse a portagem, não cobraria grande coisa aos poucos carros que por lá passam, e passariam a passar ainda menos, e ainda menos cobraria. Aliás, para os concessionários dessas auto-estradas deficitárias a receita de portagem é igual ao litro, porque eles acabam sempre por receber a mesma receita mínima garantida no contrato de concessão através da indemnização compensatória paga pelo Estado, ou seja, pelos contribuintes. Já os aumentos na portagem da Ponte sobre o Tejo são receita garantida para eles, que quem a usa não tem como fugir a usá-la, a não ser que se desempregue e passe a ficar na outra banda em vez de vir para o trabalho.
Pelo que se organiza todos os anos um processo negocial em que os concessionários propõem ao governo um programa de aumentos de todas as suas portagens que, ponderados com os ponderadores adequados, resultam num aumento global idêntico à inflação esperada, que este ano é de 1,5% (não confundir com a dos aumentos das reformas baixas de 0,5%), em que, como negociantes de gado competentes, eles conseguem convencer o governo a permitir-lhes fazer aumentos superiores à inflação nas portagens inelásticas dando em troca a manutenção dos preços anteriores nas elásticas.
A portagem da Ponte sobre o Tejo nunca falha, aumenta sempre o mais que eles conseguirem. Este ano o aumento é de 3%, o dobro da inflação esperada, o sêxtuplo do aumento das reformas baixas, os tais 5 tostões para facilitar os trocos.
Felizmente para eles e para o governo o gado anda manso, longe vão os tempos em que os aumentos de portagem resultavam em buzinões e bloqueios da ponte, e até talvez tivessem constituído um dos factores mais determinantes para a mudança do ciclo político mais longo, estável, e próspero da democracia portuguesa, e os feitores não correm o perigo de levar uma cornada na virilha. Que no entanto se esforçam todos os dias por não desmerecer.
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