É uma pena as escolhas políticas terem consequências nas vidas das pessoas. Porque, não fosse isso, e os tempos que vivemos seriam, pelo seu lado burlesco, bastante divertidos.
O discurso de Paulo Portas capturou bem o ar do tempo aquando da apresentação do programa do governo, uma recauchutagem do socratismo com piso novo comunista, a decapar na primeira curva. Tanto que é pena que os mimos com que a barrica Costa, o primeiro-ministro, vírgula, mas não o primeiro-ministro que o povo escolheu, foi brindada não se possam continuar a usar.
As pessoas querem é saber do futuro, e que medidas vai o governo tomar para resolver os problemas concretos dos portugueses, e este mantra singelo, de que todo o comentador lança mão quando quer fingir lucidez e disfarçar o incómodo do golpe - é infelizmente verdadeiro.
Portanto do que cumpre falar agora é das medidas. E pode dizer-se que o novo governo começou de forma cómica: a anulação da sobretaxa sobre o IRS, grande bandeira das esquerdas, representa, para 68% dos agregados, 67 cêntimos por ano. Este valor foi logo comparado ao de um café - um café por ano - e o lado grotesco da medida só não mereceu gargalhada geral porque, possivelmente, a constatação carece de rigor - ainda há troco, 7 cêntimos.
Claro que representa: o governo cessante, pela mão inepta de Vítor Gaspar, e com a cobardia e a cegueira que levaram a que se tivesse desperdiçado a oportunidade para reformar o Estado, emagrecendo-o, começou a resolver o problema do défice sobretudo pelo lado da receita; e o mesmo medo do eleitor que levou a que não tivesse havido extinção significativa de serviços, e programas massivos de despedimento, levou também a que os cortes fossem transversais, e com os aumentos de impostos poupando sistematicamente os contribuintes de mais baixos recursos - porque são os mais numerosos.
Isto descobrir-se-á em relação a quaisquer outras reversões que se queiram fazer. E como para o governo social-comunista as únicas reformas necessárias do Estado são as que implicam mais despesa resta que as promessas que Centeno fez só poderão cumprir-se se o equilíbrio for obtido pelo aumento da receita.
Centeno, e os outros centenos todos que fervilham na Academia, contam com um aumento natural da receita, induzido pelo crescimento que virá dos fundos europeus, da rotativa do BCE, e do dinamismo empresarial que resultará das iniciativas de vultos como Caldeira Cabral ou Vieira da Silva. Mas, na dúvida, não deixarão todos de concordar que os escalões do IRS bem podem suportar uma revisão. E ao menos nisso terão o apoio do sofrido Jerónimo, que sempre achou que acabando com os ricos se acaba com as dívidas, a curto prazo, e com os pobres, a médio - ou ao contrário.
Nada disto vai correr bem: os ricos que não podem fugir são, na realidade, remediados; não há nada que um governo dirigido por um malabarista de politiquices possa fazer para por a máquina da economia, que não entende nem sabe que não entende, a funcionar; o tal Centeno, se for esperto, dará à sola quando a coisa ameaçar dar para o torto, ou deixar-se-á ficar, se for tão imbecil como parece, à semelhança do malogrado Teixeira dos Santos.
E se nada disto, como desejo, nos tirar o sono, não é com certeza mais um café por ano que o há-de fazer.
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