O vice-chanceler austríaco Heinz-Christian Strache, do Partido da Liberdade considerado populista de extrema-direita, demitiu-se, ou foi forçado a demitir-se, todos sabemos como os cordões sanitários são importantes na política, por ter sido apanhado numa gravação a propôr a um investidor russo a garantia de adjudicações de obras públicas desde que ele se disponibilizasse para adquirir o controlo accionista de um jornal e lhe alterasse a linha editorial para passar a apoiar o governo e "build a media landscape like Orban".
E a primeira dificuldade em sair deste primeiro parágrafo é a renitência de alguns, mais especificamente dos populistas de extrema-direita, em aceitar a classificação de populistas de extrema-direita. Enquanto extremistas como, por exemplo, os comunistas, se orgulham da sua orientação ideológica, e para muitos não há mesmo maior honra do que ser sepultado com a bandeira do Partido a cobrir o caixão, os populistas de extrema-direita parecem ter vergonha e ressentem-se de serem classificados assim, e estão normalmente dispostos a encetar discussões infindáveis para desmentir a classificação, que passam sempre pelo argumento que para os socialistas qualquer posição que não esteja de acordo com a deles é populista de extrema-direita.
A parte do populismo é de facto fácil de pôr em dúvida, porque qualquer definição de populismo passa pelo menos, para além da denúncia das elites corruptas instaladas no sistema, pela sua assumpção como um movimento de revolta das bases contra as elites, e os populismos são esmagadoramente liderados por clãs. Os Trump, os Bolsonaro, os Le Pen. Curiosamente, como os comunismos. Os Kim, os Castro, os dos Santos.
Mas abstraindo esse detalhe que põe em causa que os populismos liderados por elites sejam mesmo movimentos de bases, os populismos são fáceis de identificar, e toda a gente os identifica bem desde que não se perca a discutir a definição.
Já a parte da extrema-direita, que os revolta ainda mais por se considerarem a eles próprios no centro, no meio do povo, é mais fácil de demonstrar, até geometricamente. Se alguém considera todos os outros de esquerda está obrigatoriamente a olhar para eles da extremidade direita. Se um português vê socialistas em, para além dos partidos da extrema-esquerda incluindo o BE, do comunismo clássico do PCP, do socialismo dito democrático do PS, também na social-democracia mais ou menos liberal do PSD e do conservadorismo mais ou menos centrista do CDS, só pode estar à direita deles todos, só pode estar na extrema-direita.
O termo "populismo de extrema-direita" tem ainda uma vantagem apreciável que favorece a sua utilização, pelo menos coloquial. Independentemente de descrever fielmente ou não as características de quem refere, identifica muito bem quem refere. Quando se fala de populistas de extrema-direita toda a gente percebe de quem se está a falar, pelo que, independentemente de eles serem ou não populistas de extrema-direita, o termo tem precisão quanto baste para ser útil para os identificar.
Resignemo-nos então ao incómodo que lhes causa serem identificados como populistas de extrema-direita, e continuemos.
O que têm então de diferente os populistas de extrema-direita austríacos que foram apanhados em flagrante a propôr um esquema de corrupção a investidores russos dos populistas de extrema-direita franceses que não foram?
O exercício de funções executivas e o consequente acesso ao desvio de dinheiros públicos para benefício próprio. Os Le Pen estão na política há décadas, são talvez dos políticos franceses que estão há mais tempo instalados na política, mas nunca tiveram oportunidade, também pela exigência do sistema eleitoral francês, de ocupar funções executivas. Estão há décadas em todos os tipos de parlamento, dos locais ao europeu, mas nunca estiveram em maioria nem governaram.
Porque o sentido de ética, esse, foi sendo aferido ao longo da carreira política do clã, à medida das oportunidades que lhe foram sendo colocadas. Se nunca esteve em posição de adjudicar obras públicas, já esteve em posição de contratar assessores parlamentares ou de votar estando ausente do parlamento. E nunca se desviou de um padrão bem definido. Marine Le Pen contratou como assistentes parlamentares com o salário pago pelo Parlamento Europeu, ou pelos contribuintes europeus, que o Parlamento Europeu não dispõe de dinheiro que não seja deles, funcionários do partido a fazer trabalho para o partido, e por isso foi condenada pelo Tribunal Europeu ao reembolso de €298,497.87. O pai Jean-Marie Le Pen, e um clã é um clã, foi por seu lado condenado a pagar mais de 320 mil € pelos mesmos motivos. Quem sai aos seus não degenera. Marine Le Pen foi também apanhada num esquema de falsificação de votações no Parlamento Europeu onde depois de ela se ausentar o seu voto foi usado pelo colega de bancada holandês Marcel de Graaff.
Estes pecadilhos, mesmo assim envolvendo somas consideráveis de dinheiro, são tão graves como a promessa de adjudicação de obras públicas a troco de um favorecimento do partido do governante? Não, nem de perto. Mas podem ser o melhor que se consegue arranjar para um político corrupto que ainda não teve oportunidade de, ocupando funções executivas, subir de divisão para a grande corrupção. São um bom preditor do que fará o ladrão, uma vez lhe seja dada a ocasião.
E isto distingue em alguma coisa populistas de extrema-direita corruptos de políticos do sistema igualmente corruptos que também usaram dinheiro público para comprar jornais e canais de televisão, e também enriqueceram graças a gorjetas generosas por adjudicações de obras públicas? Não. Como a divisão do poder entre membros de clãs não distingue em nada os clãs de familiares de populistas de extrema-direita dos clãs de familiares, colegas de curso e de partido de políticos que já são do sistema. Como a recusa em fornecer informações a entidades de investigação independentes do executivo não distingue o boicote de Donald Trump às investigações às suas finanças pessoais ou às suas ligações com o governo russo do boicote de António Costa a fornecer às comissões parlamentares de inquérito informações sobre os créditos concedidos a amigos pelas gestões socialistas da CGD. Como a tentativa de capturar o controlo do sistema judicial, que pode facilitar tanto a vida a políticos corruptos, não distingue em nada governos populistas de extrema-direita como o de Viktor Orban de governos de partidos do sistema como o de António Costa. Políticos corruptos são políticos corruptos, qualquer que seja a sua orientação ideológica.
Mas este é justamente o ponto. Quando uma força política populista se afirma através da denúncia da falta de ética dos políticos do sistema, e há muitos com falta de ética, insinuando que têm todos falta de ética, já isto é uma falsidade absoluta, há que olhar muito bem para ela para lhe avaliar os sinais do seu próprio sentido de ética, descontar-lhe o facto de nunca ter sido posta à prova com oportunidades de praticar grande corrupção como eles foram, e perceber se tem um percurso de pequena corrupção, ou de suspeitas, ou de nepotismo, ou de recusa de cooperação com investigações independentes, ou de resistência à separação de poderes. Porque há grandes probabilidades de essa força, se acumular algum destes indícios, ser tão corrupta como os mais corruptos dos que já chegaram antes ao sistema e tiveram a oportunidade de demonstrar que são.
A palavra mais discutível no título não é afinal "populismo" nem "extrema-direita". É "ética".
Desde que apresentou a sua candidatura à presidência do PSD, e continuando depois de ter sido eleito, Rui Rio e a sua direcção fizeram da insinuação, sem concretizar, como é próprio da insinuação, que o PSD é um partido de gente desonesta uma das linhas sistemáticas da sua estratégia de comunicação.
Que o partido precisa de um banho de ética, que se há investigações judiciais, aliás desencadeadas por uma denúncia anónima, possivelmente de alguém do próprio partido, a nomeações suspeitas de assessores em autarquias do PS e do PSD, os factos ocorreram durante a direcção de Passos Coelho, que provavelmente há especuladores imobiliários no PSD.
Porque se dedica a fazer insinuações, não identificadas, sobre a falta de ética dos militantes, não identificados, do PSD, só ele saberá a razão, e não podemos mais do que especular para tentar adivinhá-la.
Talvez porque a insinuação recorrente pode induzir o público no engano de acreditar que quem a faz está acima dos comportamentos reprováveis que insinua, numa lógica de o primeiro a apontar o dedo merece imunidade? Talvez. Mas na realidade não está, e a insinuação costuma até ser usada por pessoas desonestas para sujar o nome de pessoas mais honestas do que elas. Há mesmo vários ditados populares para explicar que quem é muito desconfiado por natureza é geralmente desonesto, mas eu não me lembro de nanhum para citar aqui.
Talvez por ter esperança que as insinuações o beneficiem por lançar suspeitas sobre os seus adversários políticos? Se for por este motivo, não parece particularmente inteligente. Porque se no interior do PSD as insinuações o podem beneficiar relativamente aos alvos delas, que por não serem concretizados podem ser potencialmente todos os outros militantes do partido, com alguma habilidade comunicacional podendo sugerir a excepção dos que o rodeiam, no exterior do partido as insinuações apenas lançam suspeitas sobre o PSD e desse modo apenas beneficiam os outros partidos. Estes partidos não precisam de ter génios do tacticismo político, e alguns deles têm figuras muito competentes em tacticismo político, a começar pelo primeiro-ministro, para transformarem o "banho de ética" numa autocrítica ao PSD, o comentário sobre a investigação aos assessores numa crítica ao PSD de Passos Coelho, neutralizando o facto de a investigação também abranger autarquias do PS, e a admissão de que também pode haver especuladores imobiliários no PSD uma neutralização da pressão mediática sobre os especuladores imobiliários do BE, deixando a ideia de que são equivalentes aos do PSD.
Na boca do presidente Rui Rio e da sua direcção o PSD é, pois, um partido de gente desonesta. Incluindo-me a mim, que ao longo dos meus 61 anos de vida acumulei na política uma fortuna de 128,24€ (cento e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos) em sete senhas de presença na Assembleia de Freguesia da Venteira para que fui eleito em 2017.
Há no entanto uma hipótese alternativa para explicar esta insinuação sistemática sobre a falta de ética no PSD. A de ser, não uma estratégia de comunicação, mas acidental.
Quando admitiu que pode haver casos como o de Ricardo Robles no PSD Rui Rio pode apenas ter caído ingenuamente na armadilha infantil que lhe foi estendida pela jornalista para lhe sacar um título sensacionalista quando lhe perguntou "Pode garantir que algum vereador do PSD ou deputado não faz fortuna à conta da especulação imobiliária?". A pergunta tem erros de sintaxe, mas a armadilha é bem visível. E em vez de lhe ter respondido, como podia e devia, algo que desviasse o foco da questão de no PSD se fazer especulação imobiliária como o bloquista foi apanhado a fazer, fazendo do PSD uma coisa semelhante ao BE, para o facto de, se alguém do PSD fizesse especulação imobiliária não estaria a violar hipocritamente em privado, como o bloquista esteve, os princípios morais e políticas que prega, porque a especulação imobiliária não é reprovável à luz dos princípios em que acredita e que prega quem acredita na economia de mercado, Rui Rio caiu na armadilha e admitiu que no PSD também pode haver especuladores imobiliários.
Se tiver acontecido isto Rui Rio errou, não por ter apontado os seus tiros ao próprio partido, mas por não ter a competência para comunicar que alguém com a ambição e na circunstância de um dia poder chegar a primeiro-ministro precisa de ter.
Não é melhor nem pior, é mau na mesma.
E eu não tenho meios de avaliar nem posso mais do que especular se Rui Rio tem um discurso que prejudica o PSD por intenção ou falta de preparação.
Uma explicação alternativa é a de ele ter conhecimento de casos de fazer fortuna dentro do seu círculo mais chegado de apoiantes e não ter sido capaz de não o reconhecer?
Venha o Diabo e escolha.
O Mário Soares tinha todos os defeitos do mundo, e algumas qualidades. E tinha ainda características que podiam ser classificadas em ambas as categorias. Uma delas era a lealdade aos amigos. Era capaz de visitar ostensivamente um amigo condenado por um crime infame como a corrupção, ou mesmo preso, para lhe manifestar a sua amizade e a sua solidariedade, sem olhar a inconveniências nem custos de imagem. E relativamente a eles não se escondia atrás da presunção de inocência, mantinha, sim, uma convicta presunção de culpa sobre quem os acusava. O último de visitou nestas condições foi José Sócrates, quando cumpria a "pena" de prisão preventiva em Évora.
Mas o Mário Soares morreu, e sucedeu-lhe um partido liderado por gente com qualidades diferentes das dele e com uma dimensão, para o bem e para o mal, muito diferente da dele.
[Nesta cena de "Feios, porcos e maus", a família Mazzatella conspira para assassinar Giacinto organizando um almoço de reconciliação, ele tinha levado para casa uma nova namorada, a menina Iside, uma prostituta de peito felliniano e modos delicados de princesa, acalmando-lhe a apreensão sobre a reacção da mulher com a explicação que a mulher era muito compreensiva, bastanto bater-lhe, e explicando à mulher que a levava para viver com ele e dormir com eles, em que lhe serviram um delicioso macarrão confeccionado pela mulher Gaetana, temperado com os ingredientes que ela lhe enumera e a avó complementa com quatro pacotes de veneno para ratos todos no prato dele, comprados ao vendedor de banha da cobra Cesaretto, que ele desconfia que é amante da mulher e mesmo pai de uma das filhas, como revela numa frase lapidar "non è figlia mia, é figlia di puttana". Giacinto foge e sobrevive ao envenenamento aplicando a si próprio uma lavagem ao estômago na borda do rio com uma bomba de bicicleta, após o que incendeia a barraca e trepa a uma árvore para assistir ao incêndio a tocar metaforicamente cítara, na cena de salvamento da avó de que vos falei antes, e depois vende a barraca a uma família de ciganos tão numerosa como a dele, formalizando a venda num documento. Quando os ciganos se apresentam na barraca para tomar posse e mostram o documento, o documento desaparece e o diferendo sobre a propriedade do imóvel derime-se à pancada entre as famílias. Na penúltima cena do filme, e a última da comédia, chega a manhã à barraca, agora ocupada pelas duas famílias. A última cena conhecem todos, é a da Maria Libera a ir à fonte, já engolida pelo sistema, que foi mostrada na publicação anterior].
Depois de dois anos e meio a gerir com o instinto de sobrevivência que já é lendário o equilíbrio instável de ter o antecessor acusado de actos gravíssimos, e cada vez menos disfarçáveis, de corrupção, recorrendo até agora ao tradicional princípio de separação dos poderes, à política o que é da política, à justiça o que é da justiça, e ao inocente até prova em contrário, para escapar a tomar uma posição clara sobre os aspectos éticos em questão, para não falar na sua participação directa nesse governo, o primeiro-ministro, talvez aconselhado por algum focus-group que lhe disse que a partir de agora, com a informação pública já acumulada sobre as façanhas do anterior primeiro-ministro e do seu ministro da Economia, manter a neutralidade começaria a ter custos políticos, decidiu quebrar a neutralidade, e com estrondo.
Aproveitando a saída para uma visita de 4 dias ao Canadá, e saiba-se lá o que pode justificar uma visita de Estado de 4 dias do primeiro-ministro ao Canadá? borrifou-se no inocente até prova em contrário e largou-lhes às canelas os mais ferozes dos seus jagunços, o presidente do partido Carlos César e o trauliteiro João Galamba, que manifestaram, à vez, a sua indignação, primeiro com o antigo ministro Manuel Pinho, e depois, para tornar a coisa mais clara, com o antigo primeiro-ministro José Sócrates, cobrindo com pazadas de terra o caixão onde já estão sepultados. E ele próprio acabou por, no Canadá, simular indignação com eventuais casos de corrupção na era Sócrates, completando com as suas pazadas a terra que faltava para cobrir a cova. Passou de se manter em equilíbrio na corda bamba para evitar uma queda que lhe poderia causar danos políticos, a montar um cordão sanitário à volta dele e do seu inner circle para se imunizar e os imunizar contra os danos do fim cada vez mais expectável deste caso de polícia. Mandou-lhes dar veneno para os ratos para saírem de circulação, politicamente falando.
Convenhamos que nenhum deles é uma referência de ética, nem os assassinados, nem o padrinho e os esbirros, pelo que a condenação destes não é propriamente infamante, podendo até ser vista por alguns como um indício de virtude. Mas a reviravolta de dependentes, a apoiantes convictos, a observadores independentes, a carrascos, é certamente uma prova inequívoca do carácter deles.
Dos assassinados deixemos a justiça tratar, porque já o está a fazer. Da ética dos assassinos, do António Costa já tenho aqui falado, mais resumida ou mais detalhadamente, e muito mais haveria para dizer mas não vale a pena continuar, até por questões de higiene, a reputação que precede o Carlos César dispensa qualquer acréscimo de detalhes, e o João Galamba também já tem um caminho percorrido nas divisões secundárias que comprova talento e lhe assegura futuro na modalidade.
Têmo-los então a simular estupefacção e indignação se, e apenas se, se vierem a confirmar os delitos cometidos no tempo da governação de que eles próprios também fizeram parte como governantes nacionais ou regionais, dirigentes partidários ou membros a soldo de claques organizadas, fazendo parte da simulação o pressuposto que à época não deram por nada, como se fossem ingénuos apesar da evidência de serem espertalhões, tudo isto procurando delimitar os danos do caso aos que foram apanhados nas malhas da justiça, para não os atingirem a eles, que não foram, até agora. Têmo-los a assassinar o Manuel Pinho e o José Sócrates para se safarem sem mácula.
O BE e o PCP, que andam a explorar todas as oportunidades que lhes aparecem de se desmarcarem do governo PS para defenderem junto dos seus eleitores que, em vez de meras muletas que o sustentam, são imprescindíveis para o manter na linha correcta através de críticas e exigências, não vão eles ponderar que se é para sustentar governos socialistas podem antes votar no PS como já fizeram muitos eleitores do PCP nas eleições autárquicas de 2017, também trataram de se desmarcar mediaticamente deste pântano de corrupção que foi o anterior governo socialista. Foram até menos duros que os socialistas, porque tanto o BE como o PCP defenderam um alargamento do âmbito das investigações a outros governos e a outras empresas, diluindo o enfoque nos casos já em investigação até as investigações assumirem proporções impossíveis de gerir e chegar a conclusões.
Percebe-se que dediquem um grande empenho a desmarcarem-se do governo socialista, não só, mas também, por causa do pântano moral que parece alagar o chão que os socialistas pisam e a que eles não querem ficar associados.
Mas a demarcação não passa de uma farsa. Se hoje em dia Portugal é gerido por um bando de socialistas de que a maior parte, a começar pelo primeiro-ministro, já fazia parte do pântano do José Sócrates, é apenas por trinta e sete razões. E as trinta e sete razões são Carlos Matias, Catarina Martins, Ernesto Ferraz, Heitor de Sousa, Isabel Pires, Joana Mortágua, João Vasconcelos, Jorge Campos, Jorge Costa, Jorge Falcato, José Manuel Pureza, José Soeiro, Luís Monteiro, Maria Manuel de Almeida Rola, Mariana Mortágua, Moisés Ferreira, Pedro Filipe Soares, Pedro Soares e Sandra Cunha, do BE, Ana Mesquita, Ana Virgínia Pereira, António Filipe, Bruno Dias, Carla Cruz, Diana Ferreira, Francisco Lopes, Jerónimo de Sousa, João Dias, João Oliveira, Jorge Machado, Miguel Tiago, Paula Santos, Paulo Sá e Rita Rato, do PCP, Heloísa Apolónia e José Luís Ferreira do PEV, e André Silva do PAN. São os trinta e sete deputados que derrubaram no parlamento o governo da coligação que ganhou as eleições para o substituir pelo do partido que as perdeu, pelos governantes que estiveram no pântano José Sócrates e agora estão neste, e agora o sustentam sempre que a sua continuidade vai a votos, mesmo se o criticam nos discursos. É a estes trinta e sete que há-que pedir contas quando se fizerem as contas desta legislatura pantanosa.
Esta é a imagem, e cada um é livre de usar os critérios que entende e com que se identifique melhor, e podem ser diferentes dos meus, mais violenta da história do cinema.
O filme é, estão a reconhecer, "Feios, Porcos e Maus", de Ettore Scola.
Podia ser um filme violento que retrata sem dó nem piedade a miséria abjecta a que são sujeitos os habitantes de um bairro de lata romano nos anos 70.
Mas não é. Em vez de olhar para eles numa óptica neorealista de vítimas da sociedade que os exclui, contrapõe-lhe a óptica alternativa de os mostrar como os carrascos que os encarceram a si próprios na sua miséria, tais como um Giacinto Mazzatella capaz de vazar um olho para receber o dinheiro do seguro, e não vale a pena puxarem das calculadoras, um milhão de liras eram cem contos, quinhentos euros actuais, e compra uma caçadeira para defender o dinheiro da indemnização da cobiça da numerosa família que coabita com ela na barraca, gente que se desqualifica permanentemente, que se agride mutuamente sem dó nem piedade, a tiro, se preciso for, mas se o agressor e a vítima trocassem de circunstâncias trocariam também de papéis e agredir-se-iam exactamente na mesma medida, que se rouba mutuamente se e sempre que tiver oportunidade, que abusa sexualmente de quem puder, através da chantagem ou da violência quando o piropo não chega a ser eficaz, gente que abandona a avó na barraca a arder até se lembrar da ser necessária a presença dela para lhe levantar a pensão e a salvar in-extremis com a roupa e o cabelo meio ardidos, em resumo, gente tão miserável moralmente que vive no meio daquela miséria material como peixe na água, e a merece, e por isso não nos desperta a mais pequena ponta de empatia pelo sofrimento por que passa.
O equivalente na política de hoje em dia a um primeiro-ministro que enquanto governante no passado tivesse fechado os olhos à corrupção praticada pelo primeiro-ministro que o tinha escolhido para vice, que enquanto presidente de câmara tivesse acumulado o salário de autarca a tempo inteiro com um salário milionário de comentador na televisão, que tivesse declarado este como rendimento de direitos de autor para o poder acumular legalmente com aquele e ainda ter uma redução substancial no IRS, que tivesse habitado um misterioso duplex de luxo na Avenida da Liberdade detido por um misterioso proprietário a quem a câmara tivesse concedido uma misteriosa licença de ampliação do imóvel que incluiu justamente o duplex que ele habitou, que tivesse o dom da trafulhice e o golpe de rins para conseguir chegar a governar apesar de ter perdido as eleições, que se tivesse rodeado de uma equipa onde sobressaísse um presidente de partido lendário por ter dado emprego público a toda uma família mais extensa que os Mazzatella, ou por ter atribuído bolsas de estudo para tirar o brevet a filhos de colegas do governo regional que liderou, ou um presidente da Assembleia da República que uns anos antes tivesse conspirado com ele e o Presidente da República de então para subtrair um camarada de partido à acção da justiça, ou um governo e instituições tuteladas pelo governo todos preenchidos com amigos e familiares de amigos e amigos de familiares, incluindo quase todos os que tinham participado com ele no anterior governo corrupto, que emblematicamente tivesse escolhido para a sua primeira nomeação política como governante o traidor mais notório e notável da liderança do partido que governava antes e passou à oposição com a ascensão dele ao governo, se Roma não paga a traidores o Giacinto paga, que tivesse colocado o seu melhor amigo a representar o Estado numa negociação onde a empresa para que ele trabalhava tinha interesses e esses interesses acabassem por ser efectivamente atendidos, que tivesse sistematicamente mentido em acordos de cavalheiros em que enganou os cavalheiros que cairam no erro de fazer acordos com ele, que tivessem da ética a percepção colectiva que é tudo o que não seja ilegal.
É preciso conceder que ética é um daqueles conceitos que é mais fácil perceber do que definir, e a definição que ao longo da vida me pareceu mais razoável, ético é aquilo que fazemos em privado e não teríamos vergonha que fosse tornado público, tem como limite de aplicação justamente os Giacinto Mazzatella deste mundo que, por não terem vergonha nenhuma, tudo lhes parece ético. Eles e os Carlos César e os António Costa.
O filme é pois um desfilar de misérias, de traições, de sacanices, tem tudo para ser uma tragédia que nos indigne, mas como todas são cometidas sem vergonha nem remorsos e todas são merecidas por todas as vítimas acaba por ser uma comédia que nos desperta gargalhadas da primeira à penúltima cena.
À penúltima, mas não à última, porque há um ser humano tão normal e decente como qualquer um de nós no meio daquela gente doida. A Maria Libera é uma pré-adolescente de 12 anos da família, que vive com a família na barraca, e é a menina que recolhe as crianças do bairro no mais que se pode assemelhar a um jardim de infância, um recinto fechado por uma rede em que ficam durante o dia encarceradas mas ao abrigo de toda a espécie de acidentes ou tragédias que lhes poderiam provavelmente acontecer naquele bairro ameaçador, antes de ir para a cidade trabalhar a dias ou quando há uma zaragata no bairro que as possa ameaçar, e há-as habitualmente, uma menina que não se mete nas confusões nem nas trafulhices nem nas zaragatas dos outros todos, uma menina que é como se não existisse para eles nem ali, mas apenas para nós. Mas ali.
E na última cena, a da fotografia, a Maria Libera está no estado que se vê. Acabou a comédia e ela foi engolida pelo sistema a que parecia estranha e imune e passou de ser uma de nós para ser um deles. E toda a indignação que não sentimos antes pelo sofrimento que era mais do que merecido por eles nos passa a ser impossível de manter ao longe porque desta vez a vítima passou a ser um de nós.
Pelo que a lição que o "Feios, Porcos e Maus" nos ensina, se tivermos a humildade de lhe prestar atenção, é que não é o facto de sermos diferentes deles que nos garante que seremos diferentes deles. No convívio com a corrupção moral, e às vezes não só moral, que vigora actualmente na sociedade portuguesa e naqueles que escolhemos, mesmo não os tendo escolhido, para nos representarem a governar o interesse público, o mero facto de a desaprovar e os desaprovarmos não nos garante imunidade contra ela. Se não corrermos com eles, um dia ver-nos-emos grávidos da miséria moral que eles promovem.
Depois não digam que não vos avisei.
Aproximam-se as eleições, um tema que me é particularmente sensível porque vou, pela primeira vez nos últimos 60 anos, apresentar-me como candidato a um lugar político, mas nem este facto me esmorece a minha natureza solidária que se sobrepõe a qualquer sectarismo, e vou partilhar uma reflexão de grande oportunidade e utilidade para os meus leitores de esquerda, no entanto os meus adversários no combate político que me vai ocupar os próximos dois meses. Eu sou mesmo assim.
Quer fazer uma declaração política?
Não hesite em mentir. Arranje uma figura mediática capaz de sensibilizar o público-alvo, como se faz nos anúncios da televisão das operadoras de telecomunicações ou dos suplementos alimentares, parta de factos reais
"...deixou Portugal em 2011..."
para a mentira ser plausível, omita os detalhes suficientes
"...chegou ao Luxemburgo a 15 de Março de 2011..."
para a conclusão saltar à vista, e seja claro na conclusão
"...foi convidada a sair de Portugal pelo primeiro-ministro Passos Coelho".
Faça-se publicar no jornal Público em tempo de pré-campanha eleitoral. E candidate-se às eleições pelo Bloco.
E se for apanhado na mentira?
Diga que foi um exercício de ironia.
E o jornal Público?
Altere o título da edição online de "Filha de Salgueiro Maia no Luxemburgo depois de convidada a sair por Passos Coelho" para "Filha de Salgueiro Maia emigrou para o Luxemburgo e lembra convite de Passos". Não remove o lixo, mas varre-o para debaixo do tapete.
A definição de ética mais simples e clara de todas as que fui conhecendo ao longo da vida é fazer em privado o mesmo que se faria se fosse tornado público. Por outras palavras, fazer sempre o que não nos envergonha.
Tem limitações. Uma pessoa totalmente destituída de valores, e há-as, não se envergonha de fazer em público coisas que embaraçariam a generalidade das pessoas normais, pelo que, para ela, tudo o que faça é ético no sentido que esta definição dá à ética. Só é aplicável a quem tem vergonha na cara. Mas a generalidade das pessoas têm, pelo menos, alguma. Se cuspirem no chão, dão previamente uma olhadela em redor a ver se ninguém as está a ver. Se lhes for perguntado se cospem no chão numa sondagem de opinião, respondem que não. Um provável, mas não o único, motivo para determinadas sondagens tenderem a fazer previsões que não se confirmam.
Tem ainda uma vantagem não negligenciável para uma definição teórica: é verificável. Quando se altera por ter sido tornada pública uma coisa que se tinha feito em privado verifica-se uma desconformidade a esta definição de ética.
Ontem soube-se pelo Correio da Manhã, é sempre pelo Correio da Manhã, jornal de leitura tão proibida ao leitor sofisticado, informado e progressista quanto O Crime do Padre Amaro ao jovem leigo da Opus Dei, que são tornadas públicas as pequenas misérias humanas com que os jornais mais sofisticados evitam incomodar os seus leitores ocupados a resolver os grandes problemas do mundo, como por exemplo distingir a fumarola da escarreta, que o turco Mustafa Kartal que em Abril enfrentou sozinho com uma faca de kebab o bando de mais de vinte jovens arruaceiros armados que lhe invadiu o restaurante no Cais do Sodré para o desfazer, ao restaurante e ao turco, andava há quatro meses a ser levado pelos serviços da embaixada portuguesa em Ancara com o clássico "Pedem-me um documento, eu entrego e depois dizem-me para esperar. Depois pedem-me outro papel qualquer e a situação repete-se" com que os burocratas desarmam qualquer turco, mesmo dos que enfrentam sozinhos bandos de arruaceiros armados, depois de ter ido à Turquia visitar a família que não lhe cabe no visto.
De manhã foi anunciado pelo Correio da Manhã e, ainda não se tinha posto o Sol, o turco já tinha o visto para regressar a Portugal e ao restaurante cuja gestão estava entregue ao único empregado aflito com a responsabilidade inesperada.
O Ministério dos Negócos estrangeiros teve vergonha. E corrigiu quando foi tornado público aquilo que vinha fazendo em privado. Não teve ética. Mas teve vergonha.
Também há dúvidas sobre a conformidade com a ética do processo de nomeação da administração da Caixa Geral dos Depósitos em que governantes socialistas fizeram em privado aos gestores promessas sem fundamento legal, que depois tentaram sustentar com uma lei à medida, que o presidente promulgou.
Quando o esquema foi tornado público, o presidente descartou para os outros resolverem, o primeiro ministro descartou para os outros resolverem, o Partido Socialista descartou para os outros resolverem, o ministro das finanças descartou para os outros resolverem, toda a gente envolvida descartou para os outros resolverem. Envolvendo os outros sempre o Tribunal Constitucional, para além de alguns dos outros que cada um deixa para trás na corrida para apanhar um lugar no salva-vidas do navio a naufragar. Não houve falta de ética. Simplesmente porque nenhum dos envolvidos tem o nível de vergonha mínimo para a ética ser chamada a participar nas suas decisões. Sem vergonha não há falta de ética, apenas falta de vergonha.
Não se tendo provado desconformidade com a ética, os réus podem seguir em paz. Custas pelo autor.
O chefe de gabinete do secretário de estado do desporto, que tinha sido forçado a substituir o secretário de estado anterior pelo actual por pretender a sua demissão por ter dado informações falsas para o curriculum publicado no Diário da República no despacho da sua nomeação, acabou de se demitir na sequência da revelação pelos jornais da falsidade dessas informações.
Na altura da demissão, o secretário de estado anterior revelou publicamente que se tinha demitido por uma série de motivos, entre os quais "...profundo desacordo com o senhor ministro da educação no que diz respeito ... ao modo de estar no exercício de cargos públicos...", sem especificar, talvez por ser um cavalheiro que se guia pelo princípio a gentleman never tells, talvez por não perceber que esse princípio não deve ser invocado para impedir a denúncia de gente realmente ordinária.
Parece que não é inédito os governantes serem obrigados a aceitar chefes de gabinete, que formalmente são eles a nomear e assinar os despachos de nomeação, sugeridos pelos seus superiores na hierarquia do governo, sejam chefes de gabinete de ministros impostos pelo primeiro-ministro, sejam chefes de gabinete de secretários de estado impostos pelos respectivos ministros. Quando as gentes não são de confiança, sejam os subalternos, sejam os dirigentes, é um modo de lhes colocar um controleiro mesmo no centro do núcleo duro do gabinete.
Neste caso, por muito interessante que tenha sido o papel do chefe de gabinete que aldrabou o curriculum inflacionando as qualificações académicas e acabou por ser descoberto, foi muito mais interessante o papel do ministro que, perante a denúncia do secretário de estado sobre a burla curricular, demitiu o secretário de estado para preservar o chefe de gabinete aldrabão que lhe tinha imposto, e até o voltou a impôr, ou sugerir, ao novo secretário de estado. Chega a dar a impressão que, apesar de ainda moço novo, o ministro terá conseguido atingir o fundo da escala de ética na política.
Engano trágico. O buraco é mais em baixo.
Onde o ministro da educação é ainda um menino de coro, o inner circle do primeiro ministro António Costa, desta vez o Porfírio "Esta historieta é montada por um ex-secretário de estado que sendo responsável por um despacho de nomeação com informação falsa, nunca denunciou essa situação" da Silva, é uma galeria de mestres cantores. Se um dia quiser atingir as profundezas das tocas onde se move o topo da cadeia alimentar dos vermes, o pobre do Tiago Brandão Rodrigues ainda tem muito que escavar.
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