O primeiro-ministro António Costa foi para a Índia pôr a render politicamente as suas raízes étnicas.
O guião consiste em encantar os indianos como o menino prodígio que chegou ao ocidente e se tornou primeiro-ministro, e encantar os portugueses como o primeiro-ministro que trouxe do oriente ouro, incenso e mirra na forma de exportações, investimento, competências tecnológicas e imigração dourada. Tanto uma como a outra parte do guião são ficcionadas, porque ele nem da parte oriental de Lisboa provém, e isto sem entrar na deselegância de comentar o modo como ele ascendeu a primeiro-ministro quando um primeiro-ministro está no estrangeiro em visita de estado, e a Índia está muito longe de precisar de abrir novas portas de entrada no ocidente para a sua economia, actualmente até a Jaguar é uma marca de automóveis pertencente a uma multinacional indiana, mas a ideia de base é boa é um guião inegavelmente bom, e foi a base da superprodução da longa-metragem, de seis-dias-seis de duração, que está neste mesmo momento a ser projectada.
Azar dos azares, mal se iniciou a projecção, faleceu o Mário Soares que, para o bem e para o mal, foi a pessoa mais determinante para o percurso que fizemos nos últimos cinquenta anos da nossa História, e as televisões fizeram zapping da Índia para a superprodução das suas cerimónias fúnebres e foram invadidas por legiões de entertainers a dizerem coisas mais para se fazerem recordar do que para recordar o falecido e a participarem em concursos de disparates onde muitos socialistas e parceiros de percurso se têm distinguido pela sua capacidade ímpar, se bem que já conhecida e reconhecida, de os dizer, pelo que seria injusto destacar nomes. E, entre as reacções iniciais, as cerimónias propriamente ditas, e o rescaldo que se seguirá, os seis dias de antena em que era suposto assistirmos em directo às maravilhas e realizações da visita do António Costa à Índia vão ser ocupados com o funeral do Mário Soares.
Ou por sentir que o dever não lho permitiria, mesmo que vontade não lhe faltasse, ou por mero calculismo político para não deixar fugir a oportunidade de facturar os resultados potenciais da visita à Índia, o António Costa decidiu manter o programa da visita em vez de regressar e protelá-la para outra ocasião ou de a interromper, nem que fosse por um dia, para vir ao funeral. Preferiu manter a sua participação como protagonista na superprodução da visita à Índia que passa no canal Arte, que quase ninguém vê, em vez de aceitar um papel de actor secundário na do funeral do Mário Soares que passa na CM TV, que quase toda a gente vê. Onde aceitou, no entanto, fazer uma breve aparição como artista convidado através do Skype.
Não sei se fez boa escolha. Nem me interessa. Entre os disparates que ele tem uma capacidade inegável de dizer e os que a generalidade dos outros socialistas e compagnons de route têm dito, venha o diabo e escolha. Por mim, até podia ficar na Índia.
Senhora Presidente. Porque a República Indiana é um país independente, com as suas instituições, os seus cidadãos, os seus problemas. E sobre eles, os problemas, eu, se fosse Indiano, faria o que bem entendesse. Mas nem Vossa Excelência, nem nenhum dos meus ilustres colegas, é Indiano.
Sendo cidadão português não estou inibido de dizer o que bem me pareça sobre o que se passa na Índia ou em qualquer outro lugar. Mas a Assembleia a que Vossa Excelência preside representa - melhor, num certo sentido é - o Povo Português. E este não tem que dar conselhos pesporrentos a nações amigas, pronunciar-se sobre incidentes que nada, nem directa nem indirectamente, têm que ver com Portugal, ou tecer considerações sobre os ordenamentos jurídicos de países terceiros.
Depois, o decoro das instituições recomendaria que não se fizessem proclamações pomposas, como é o caso quando o Parlamento se põe em bicos de pés para se atribuir uma relevância que não tem, afirmando sem receio do ridículo "o seu compromisso no combate a todas as formas de violência contra as mulheres", no fraseado da infeliz proposta do BE. Como se o que diz o Parlamento português pudesse ou devesse ter outro eco na Índia que não o da indiferença; e como se a violência no Mundo diminuísse porque uns revolucionários de bairro, empreendedores e mal-vestidos, redigiram umas tretas entre um café e um cigarro.
Se o Parlamento quer combater a violência, terá alguma coisa para fazer entre nós. E se for esse o propósito da moção - defender as mulheres Portuguesas - então junta a injúria à estupidez, por utilizar a trágica história de uma vítima Indiana, ou de centenas de vítimas Indianas, como pretexto para fins que nada têm que ver nem com elas, nem com a Índia, nem com o respeito que é devido à vida interna dos Estados.
Isto eu diria, se fosse Deputado. Felizmente, não sou.
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