Na sua primeira iniciativa legislativa nesta legislatura o Bloco de Esquerda conseguiu mobilizar a maioria de esquerda para extinguir em Novembro de 2015 a taxa moderadora de 7,75 € para o aborto que tinha sido aprovada nesse Verão e entrado em vigor na semana imediatamente anterior às eleições de 6 de Outubro.
Os agregados familiares com rendimento per capita superior a 631,98 euros, os de rendimento inferior a este limite estão isentos de todas as taxas moderadoras, deixaram de ser sujeitos a este pesado castigo e obstáculo à sua liberdade de escolha que se manteve apenas para consultas de medicina geral ou de especialidade no centro de saúde, no hospital ou no domicílio, ou mesmo sem a presença do utente, consultas de enfermagem, recurso às urgências hospitalares e meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Ou seja, apenas para os doentes.
Que a imposição de uma taxa moderadora de 7,75 €, igual à de uma consulta de especialidade no Serviço Nacional de Saúde, entretanto reduzida para 7 €, às mulheres de agregados familiares com rendimento per capita superior a 631,98 € que abortavam fosse um retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos ou uma punição para as mulheres que recorrem ao aborto, como tinham defendido os bloquistas e os comunistas durante a discussão da proposta do CDS para a instituir, ou que empurrasse as mulheres para o aborto clandestino, como avisou a Sociedade Portuguesa da Contracepção, chega a parecer quase delirante.
Por ter que pagar por um aborto 7,75 €, mais ou menos o que gastam no quiosque semanalmente se ela comprar a revista Cristina e ele o jornal Expresso, ou vice-versa se for um casal que rasga com os estereotipos de género, uma mulher de um casal com um filho em que ela e o marido tenham um salário mensal de pelo menos mil euros cada um predisposta a abortar desistiria de o fazer, ou ponderaria recorrer ao aborto clandestino, cujas tabelas de preços não conheço mas admito que não sejam muito diferentes deste valor multiplicado por cem? Eu acho que as médicas e os médicos da Sociedade Portuguesa da Contracepção deviam ir ao médico para lhes investigar a origem da sua manifesta falta de bom-senso, das deputadas e deputados bloquistas e comunistas já tenho o diagnóstico feito há muito tempo, que não é o mesmo para os dois grupos, e confirma-se a cada novo exame. Ou seja, a resposta é não, por causa de uma taxa moderadora de 7,75 € ela não desistiria de abortar nem recorreria ao aborto clandestino.
É defensável no plano da justiça social sujeitar a taxas moderadoras os doentes, que por vezes são portadoras de doenças provocadas pela sua falta de cuidado com a saúde, por exemplo por terem fumado cigarros ou comido croquetes ou bebido laranjadas, mas muitas vezes não decorrem de nenhuma falta de cuidado mas de fatalidades genéticas que nenhum cuidado pode evitar, mas isentar delas as mulheres que querem abortar, e é sempre por falta de cuidado que elas engravidam sem o desejar? Não é defensável coisa nenhuma.
Mas pronto, vivemos em democracia e eles mandam em nós porque ganharam as aleições, apesar de as terem perdido, e até a lei ser de novo alterada o aborto vai continuar a ser isento de taxas moderadoras.
No entanto, estudos científicos recentemente publicados detectaram um novo retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos e punição para as mulheres que recorrem ao aborto.
O estudo elaborado pela Escola de Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa detectou que, mais do que por causa das taxas moderadoras, os utentes do Serviço Nacional de Saúde desistem de ir a consultas, tratamentos e episódios de urgência por causa do custo dos transportes para se deslocarem aos locais onde esses cuidados de saúde são prestados. Em 2016, 539.824 utentes desistiram de consultas hospitalares por este motivo, contra apenas 260.905 pelo efeito conjugado do custo dos transportes a das taxas moderadoras. Mais do dobro.
Removido, pelo menos naquelas cabecinhas, o grande obstáculo à liberdade de escolha das mulheres que pretendem abortar em condições de higiene e segurança adequadas, a taxa moderadora de 7 €, emerge um obstáculo ainda mais grave, o custo do transporte para se deslocarem ao estabelecimento hospitalar para o fazer.
Se eu soubesse que estas linhas só são lidas por neoliberais como eu era capaz de deixar aqui ao Bloco de Esquerda a sugestão irónica de tomar uma iniciativa legislativa de tornar os transportes públicos gratuitos para as mulheres que pretendem abortar, com uma provisão para as reembolsar do custo do taxi ou da ambulância quando não há disponibilidade de transporte público para realizar as deslocações entre a casa e o hospital.
Mas como tenho receio que haja bloquistas a lê-las, regular ou ocasionalmente, para recarregarem as suas baterias de indignação com e de dispensa de ódio ao neoliberalismo, e iniciativas legislativas disparatadas já eles têm que chegue espontaneamente, mesmo sem a minha colaboração com sugestões construtivas, não o faço.
Hoje calhou-me a mim a vez da coluna de crítica radiofónica no Gremlin Literário.
Ontem vinha a ouvir no autorádio a Antena 1, a rádio paga pela Taxa de Radiofusão incluída na nossa conta da luz, e passou um programa humorístico, de sua graça o "Mata-bicho", apresentado pelo humorista Bruno Nogueira (o alto), que se dedica a dizer graças na rádio e televisão, e com textos da autoria do autor João Quadros (o baixo), que se dedica a chamar putas nas redes sociais às mulheres que não são da sua área política, a esquerda.
O humor do programa é uma merda, que ficou bem evidente na piada de abertura, "A melhor invenção do século XXI é o topless como forma de protesto ... porque quanto mais injusto for o mundo, mais hipóteses há de podermos ver mamas [risos]". O que não é motivo suficiente para criticar os autores, porque, se é verdade que o humor é o retrato mais fiel da inteligência, da educação e da cultura do humorista, o humor de um cagalhão não pode ser muito diferente de humor de merda.
Depois, o programa prosseguiu com o prato principal, que era ridicularizar a Juventude Centrista (que não é o meu partido) por ter, a propósito do propósito da maioria de apoio ao governo de introduzir nos programas para o segundo ciclo do ensino básico, para alunos dos dez aos doze anos, a educação para o aborto, sugerido, não sei se a sério? ou com um propósito de ironia? a hipótese da educação para a abstinência.
[Já vos tinha dito que todos os programas do Mata-bicho partilham com todas as crónicas do Nicolau Santos o facto de se dedicarem a criticar, não consigo perceber qual deles mais dentro do domínio do humor, qual mais no da análise económica? a oposição, sendo programas na forma pretensamente humorísticos, mas no conteudo de orientação política óbvia, numa linha bastante popular para a actual tutela política da comunicação social pública que o próprio primeiro-ministro procura, com a inteligência, a educação e a cultura que Deus lhe deu, praticar no parlamento, e que é reconhecido que o primeiro-ministro não é nada sovina com os agentes culturais que o apoiam, nomeadamente facultando-lhes espaço mediático público para exporem a sua arte? Se ainda não tinha dito, fica dito, e a verdade é que estes lá chegaram à avença na RDP]
Passaram pela crítica ao modo de vestir dos jovens centristas, enumerando as marcas da roupa condenáveis, para chegarem ao que interessava, a melhor forma de promover a abstinência sexual é andar com uma foto da Zita Seabra na carteira, porque quando os jovens sentem tesão por uma colega de turma do Bloco de Esquerda basta olharem para a foto da Zita Seabra e passa-lhes a tesão, dito por mais palavras, incluindo metáforas e silogismos, para preencher os 3 minutos contratuais do programa. Um momento radiofónico bonito. Se fossem mesmo humoristas a sério, dos que desafiam os códigos [eu não sei bem o que é que significa desafiar os códigos, mas pareceu-me que fazer crítica radiofónica sem dizer "desafiam os códigos" seria pobre], teriam feito a piada com as mães deles, em vez de a fazerem com a mãe de outros, os filhos dela. Mas eles não estão lá para desafiar os códigos, estão para fazer activismo político-partidário em nome de quem os contrata, e com a mães deles não resultaria tão bem.
Estou a dar a impressão de parecer um bocadinho crítico relativamente à ordinarice destes asnos?
Nada disso! Imbuído pelo espírito da quadra natalícia, estou até disposto a retribuir o bom humor deles com uma sugestão para incluirem num próximo programa uma piada engraçada como esta, desta vez sobre a Educação para o Aborto:
Bem hajam e um santo Natal para todos.
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