Quarta-feira, 21 de Setembro de 2016

A desigualdade em Portugal NÃO aumentou durante o ajustamento

Todos gostaríamos de viver num país onde a desigualdade na distribuição de rendimentos é baixa, como a Suécia, abstraindo o clima e as pessoas para quem prefere o português e os portugueses, se bem que nem todos gostassemos de viver num país de desigualdade igualmente baixa, como a Ucrânia. Mas, para níveis de produção de riqueza semelhantes, é melhor um país com menos desigualdades, nomeadamente no domínio da igualdade de oportunidades que permite aos mais capazes e competentes contribuirem para o progresso colectivo sem serem impedidos, empobrecendo a sociedade, por origens sociais desfavoráveis.

Desde que se iniciou o ajustamento, e podemos, para abreviar sem desgastar a conversa com discussões sobre quem conduziu Portugal à circunstância de, em última instância, emitir um pedido de assistência financeira internacional, nem de quem negociou e formulou com os parceiros internacionais o programa de assistência, porque não vale a pena discutir questões de Fé com quem crê que o ajustamento foi obra da vontade de quem o implementou, considerar que o ajustamento se iniciou quando entrou em funções o primeiro governo de coligação PSD-CDS presidido pelo Pedro Passos Coelho em 2011, e se desencadeou a grave crise económica e social que sempre acompanha os ajustamentos, e também não vale a pena gastar tinta, porque também é uma questão de Fé, a discutir se a crise foi da responsabilidade do governo que conduziu Portugal ao ajustamento, ou do que o tirou da crise ao longo do, e graças ao, ajustamento, que o governo foi acusado de aumentar as desigualdades, sacrificando os pobres para beneficiar os ricos.

A observação das medidas mais significativas que afectaram o rendimento, nomeadamente os cortes nos salários da função pública e nas pensões públicas, não sugere intuitivamente que a desigualdade tendesse a aumentar, nomeadamente por todos os cortes terem salvaguardado os funcionários e pensionistas com rendimentos mais baixos, ainda que com limites de salvaguarda tristemente baixos, nécessité oblige, e terem sido fortemente progressivos com os rendimentos, nomeadamente nas pensões, em que os cortes atingiram 25% na parte que excede 4.611 e 50% na parte que excede os 7.000 euros por mês, sendo que os cortes nos salários da função pública, que atingiram 10% nos salários superiores a 4.200 euros, já vinham, nem toda a gente gosta de se lembrar, do tempo do governo socialista anterior, do José Sócrates.

Mas a esmagadora maioria dos observatórios, centros de investigação, académicos, partidos de esquerda, proto-partidos de esquerda, organizadores de manifestações de esquerda, para não falar no braço armado da esquerda na comunicação social, os jornalistas, e da sua tropa de elite, os comentadores, desataram a berrar, e ainda não se calaram, que as desigualdades aumentaram de modo gritante durante o ajustamento, com o complemento implícito ou explicitado que aumentaram por vontade do governo, por razões ideológicas de neoliberalismo, provavelmente para oferecerem uma mão-de-obra aflita e barata à exploração capitalista que permitisse aos capitalistas uma maior acumulação de riqueza. Tudo ilustrado com fotografias de gente a dormir nas ruas, nem todas tiradas em Portugal. A agitprop do costume.

2016-09-21 desigualdade FFMS.jpg

Ainda há poucos dias foi lançado pela insuspeita Fundação Francisco Manuel dos Santos, anteriormente liderada pelo menos insuspeito, porque reconhecidamente mais crítico do governo anterior e nada crítico do actual, académico Nuno Garoupa, mais um relatório, o "Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal: 2009-2014", resultado do projecto Portugal Desigual, coordenado pelo académico Carlos Farinha Rodrigues, um "especialista" em desigualdades, coordenador científico do Observatório das Desigualdades do ISCTE-IUL, e visita frequente do esquerda.net, que afirma que a desigualdade aumentou em Portugal durante o ajustamento, e que os mais pobres foram mais afectados pelo ajustamento que os mais ricos.

Uma vez o relatório apresentado, e dada a tradicional competência dos jornalistas portugueses para sintetizarem um relatório nas palavras de ordem proferidas pelos seus apresentadores, passou a ser universalmente aceite que

Mas terá aumentado?

O Índice de Gini é o indicador universalmente considerado mais representativo para quantificar a desigualdade na distribuição dos rendimentos de uma população, nomeadamente por entrar em conta com os rendimentos de toda a população, e não apenas com amostras, ou uma parte, ou os extremos da distribuição.

2016-09-21 Gini Portugal 2006-2014.jpg

Em Portugal, durante o ajustamento de 2011-2014, a desigualdade teve pequenas oscilações de reduzido significado estatístico para se situar em 2014 num patamar historicamente baixo, com excepção do único ano de 2009 em que tinha tido um valor mais baixo que em 2014.

  • A desigualdade não aumentou durante o ajustamento.

O relatório agora publicado até menciona o Índice de Gini, que no entanto varreu para debaixo do tapete através da escolha do único ano de início que permitia sugerir que aumentou, ainda que ligeiramente, até 2014...

  • "...o índice de Gini, a medida mais utilizada na avaliação da desigualdade, sofreu ligeiras alterações ao longo deste período parecendo sugerir que, para o conjunto dos rendimentos familiares, não se registaram variações significativas ou, quando muito, terá havido uma ligeira subida. Entre 2009 e 2014, este índice aumentou de 33,7% para 34,0%...".

As conclusões do relatório que passaram pacífica e acefalamente para a comunicação social são todas baseadas em indicadores estatísticos parcelares que não representam a desigualdade na distribuição de rendimentos por toda a população portuguesa, mas desigualdades entre segmentos específicos da população, por exemplo, entre os 10% mais pobres e os 10% mais ricos ignorando todos os outros 80%, a esmagadora maioria da população.

(Além de sofrer de vícios metodológicos que podem ser desmontados com explicações fastidiosas que aqui não há espaço para aprofundar, mas de que se pode apontar, a título de exemplo, que o impacte da crise num grupo, por exemplo os 10% mais pobres, não se mede comparando os rendimentos dos 10% mais pobres no início do período com os dos 10% mais pobres no fim do período, que não são os mesmos, mas a evolução ao longo da crise dos rendimentos dos mesmos 10% que eram os mais pobres, ou de qualquer outro grupo para que se deseje medir o impacte, no início do período.)

Qualquer relatório de investigadores ou académicos que, com base noutros indicadores que não o Índice de Gini, e é possível calculá-los de todas as formas e feitios, para todos os gostos, e sustentando todas as conclusões, chegue à conclusão que a desigualdade aumentou em Portugal durante o ajustamento é falso, e é uma análise feita à medida de uma conclusão encomendada previamente, ou seja, um mero caso de desonestidade mental. Dizer que a desigualdade aumenta quando o Índice de Risi diminui é equivalente a dizer que fica mais calor quando a temperatura diminui.

Fica mal à Fundação Francisco Manuel dos Santos, mas é a consequência de dar guarida e palco a académicos mais comprometidos com as suas agendas políticas privadas do que com a ciência, e fica mal aos jornais, mas sobre a competência para informar e isenção destes não vale a pena derramar lágrimas, para não correr o risco de se ficar desidratado.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:57
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Domingo, 11 de Setembro de 2016

Pacheco Pereira ontem, hoje e amanhã

Ao só ter saído da clandestinidade maoista para onde tinha entrado em 1972, não no próprio dia 25 de Abril de 1974, mas apenas depois do 11 de Março de 1975 e de se terem dissipado todas as dúvidas sobre a progressão da revolução portuguesa da democracia burguesa para a ditadura do proletariado, o Pacheco Pereira prometia, e nunca desmereceu a esperança dos que nele a depositaram.

Ontem, ou no tempo do José Sócrates e da Maria de Lurdes Rodrigues a governar, para ser mais preciso, denunciava que...

  • "...as escolas vão estar de novo nas mãos dos sindicatos que só têm obtido vitórias, obteram vitórias contra o PS..."

 

Hoje, ou ontem, para ser mais preciso, explicou o "ajustamento" na sua coluna no Diário do Governo, não como o resultado da falta de dinheiro, como pensam as pessoas normais e menos dotadas para a compreensão das conspirações obscuras que determinam a evolução do mundo, mas como um combate épico entre o bem e o mal, entre a virtude e o vício, entre o pecado e o castigo...

  • "...dizem-nos que o único meio de sair deste passado que nos aprisiona é uma purga nacional, uma espécie de acto punitivo e doloroso, que nos últimos anos se chamou de “ajustamento”. O “ajustamento” destinava-se a fazer voltar o estado, o povo, as elites a um estado natural de “pobreza”, que é o que é Portugal, um país “pobre”, e que foi “desonrado” pelas suas elites, que criaram uma riqueza artificial para o seu próprio usufruto, garantindo assim que, “vivendo acima das suas posses”, o país permanecesse “estagnado”. O “ajustamento” ao restituir a “verdade” à economia e à sociedade, eliminando os sinais dessa falsa riqueza, ou seja cortando nas despesas e prestações sociais, criava um ponto de partida para um recomeço sadio. Esse crescimento não se preocupava em ser distributivo, mas agravava as desigualdades, entendidas como um efeito colateral. A ideia de que o “ajustamento” poderia ser no fundo uma deslocação maciça de recursos de muitos para uma pequena minoria, seria irrelevante. Não por acaso teria que ser um processo longo, de décadas, e não poderia ser afectado pelas escolhas eleitorais, que estragariam tudo, como parece que estragaram. Tinha uma componente punitiva do “mal” e de abertura de oportunidades para os “bons”. Era e é um caminho tendencialmente autoritário, para pôr na ordem os conflitos sociais ...
    ... Aquilo que em Portugal são os grandes interesses económicos ... não fazem parte da elite malfazeja, o que os poria ao lado da CGTP. Excluída dessa elite, está também o “círculo de confiança” do poder económico e político, dos jornalistas “bons” aos advogados de negócios, aos “empreendedores” do Compromisso Portugal, ou seja, essa elite acaba por ser nos dias de hoje o PS, o PCP, o BE, os malvados críticos de Passos Coelho no PSD, a CGTP, os professores da FENPROF, os funcionários públicos e os reformados e pensionistas..."
    .

... devolvendo aos sindicatos, de prévios inimigos dos governos democraticamente eleitos, à condição de inimigos da conspiração neoliberal pró-ajustamento, ou seja, amigos do povo representado pelo PS, pelo PCP e pelo BE, o que pode talvez indiciar que ele, afinal, ainda não chegou a sair completamente da clandestinidade e apenas andava a disfarçar infiltrado como social-democrata na democracia burguesa à espera da oportunidade para relançar a ditadura do proletariado.

E amanhã? Só Deus sabe o que esperar dele, e para onde vão soprar os ventos de Leste. Se calhar, ainda o vamos ver criticar a invasão do Iraque, que, o liberalismo económico, já foi um amanhã que cantou.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:50
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