Só para lembrar que nem todas as Universidades de Verão são escolas de mal dicência,
e que há universidades que, mesmo sem o serem, ainda são mais do que aquelas que são.
Na imagem, o ambiente de consternação vivido na cantina do estabelecimento prisional onde os colegas do Baptista assistiram, na sexta-feira passada, à transmissão do "Expresso da Meia-Noite".
Destaque:
«A ONU defende a renegociação da dívida, senão o ajustamento será devastador para a economia portuguesa. Passos e Gaspar não leem nem ouvem a ONU?»
Texto:
«Artur Baptista da Silva é um ilustre desconhecido para a maioria dos portugueses. Mas não devia ser um ilustre desconhecido para o Governo. Em primeiro lugar, porque coordena a equipa de sete economistas que o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, decidiu criar para estudar o risco geopolítico e social na Europa do Sul como resultado dos programas de ajustamento. E em segundo , porque é ele que ficará encarregado do Observatório Económico e Social das Nações Unidas para a Europa do Sul, a instalar em Portugal a partir de 2013.
Quais são as razões que levam a ONU a estar preocupada com o ajustamento nos países do Sul? Por um lado, a Europa, que tem sido uma grande zona de paz social, está agora a ser confrontada com uma mancha de desconforto no Sul que pode gerar a passagem, "por osmose, dos problemas do Sul para o Norte". E a tal mancha de descontrolo assenta no aparecimento, em países catalogados como ricos, de bolsas de pobreza, que atingem milhões de pessoas. Segundo as contas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em Portugal existem dois milhões de pessoas que vivem com menos de 7 euros por dia, o limiar da indigência. E no limiar da pobreza, menos de 14 euros por dia, estão três milhões de pessoas.
Por outro, os sete economistas passaram, todos eles, por países onde processos de ajustamento semelhantes foram levados a cabo, "com resultados tenebrosos", na opinião de Artur Baptista da Silva.
Tendo por pano de fundo estas razões, a ONU propõe então a renegociação da dívida acumulada pelos países sob intervenção externa e que os está a asfixiar. Neste sentido, os sete economistas analisaram os fundos estruturais a que estes países tiveram acesso, mas que obrigavam a um cofinanciamento nacional, e chegaram à conclusão que 41% do total da dívida soberana portuguesa, que de 1986 a 2011 soma €121 mil milhões, resultam precisamente dessa obrigatoriedade e não de decisões políticas internas ou de políticas económicas erradas. Defendem assim que o Banco Central Europeu refinancie esta parte da dívida a vencer à taxa de 0,25% por um prazo de dez anos, bem como a suspensão do artigo 123 dos estatutos do BCE por uma década para que a instituição possa comprar dívida soberana no mercado primário. Portugal pouparia assim €3,1 mil milhões com esta operação.
A segunda proposta é que a troika aceite um desconto global de 15% sobre o total dos juros a pagar, na casa dos €34,4 mil milhões, pelo empréstimo que nos foi concedido de €78 mil milhões. Este montante de juros é superior a 40% do total do empréstimo, o que "é um absurdo para um fundo que se diz de assistência."
Finalmente, a parte do FMI no empréstimo a Portugal usa os Direitos de Saque Especiais (DSE), que estão indexados à cotação de quatro moedas. A penalização cambial de Portugal entre 2011 e 2015 é estimada em 12%devido à valorização do euro em relação àquelas moedas(dólar, euro, iene e libra esterlina), num total de mais de €2 mil milhões. A ONU propõe a renegociação com o FMI desta penalização cambial.
Conclusão: a ONU, que suponho não não pode ser acusada de estar contra o Governo, defende que Portugal tem de renegociar a sua dívida, pois de outra maneira o processo de ajustamento terá consequências devastadoras para a economia e para a sociedade portuguesas. Será pedir muito a Passos Coelho, Vítor Gaspar e Carlos Moedas que leiam a entrevista que Artur Baptista da Silva deu ao caderno de Economia do Expresso a 15 de dezembro?»
Nicolau Santos, publicado no jornal Expresso, a 22 de Dezembro de 2012
(À data da publicação deste post, o texto foi removido da versão online do jornal.)
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Nota: SOS de apoio ao post "Vigiados por um farsante".
Não sabemos se o nome dele é, de facto, Artur Baptista da Silva. Apresentou-se como Economista, coordenador de um observatório das Nações Unidas, consultor do Banco Mundial, doutorado e docente numa universidade americana que não existe (Milton Wisconsin University?). Bateu à porta de uns sindicatos, onde não lhe deram crédito. João Vieira Lopes, presidente da Confederação de Comércio e Serviços, "recebeu em mão algumas páginas" de um "estudo" sobre a crise em Portugal e convidou-o para ser orador numa conferência no Grémio Literário.
Não chegou de Saturno: aparentemente, o Baptista chegou de um processo na justiça portuguesa, em que foi condenado por burla a uma empresa onde trabalhava nos anos 80. Detalhe que passou despercebido ao cocuruto do nosso jornalismo, que se apressou a consultar as suas opiniões sobre a crise em Portugal (com ênfase nas "consequências sociais" da aplicação do "programa de ajustamento"). Foi entrevistado por vários jornais, rádios, e estações de televisão, e o Baptista transformou-se rapidamente numa referência incontroversa.
Falava sempre em nome da ONU; "nós" isto, "nós" aquilo, e foi assim que Nicolau Santos redigiu fundamentados artigos de opinião que publicou no Expresso, repreendendo o governo português por não saber quem era o Baptista e por não dar a devida atenção aos experimentados "alertas" que o Baptista emitia.
Não satisfeito, Nicolau Santos quis dar a devida projecção ao génio que a ONU lhe mandava entregar em casa, e convidou o Baptista para o "Expresso da Meia-Noite" a fim de que todos os portugueses ficassem cientes daquilo que os seus pastores insistiam em ignorar, na maior irresponsabilidade. Durante cinquenta minutos, Nicolau Santos interrogou o Baptista, concentrou-se no que ele disse, debruçou-se encantado sobre as frases do Baptista, e (segurando o queixo que se lhe soltava de admiração) esclareceu o país.
Emitido o programa, varridos os estúdios da SIC, e resguardadas as suas instalações dos olhares ainda perplexos dos telespectadores, alguém desconfiou. Resolveu fazer uma pesquisa no Google e meia dúzia de telefonemas. Concluiu (e duvido que tenha demorado mais de meia hora) que, tanto na ONU como no Banco Mundial, ninguém tinha ouvido falar no Baptista, o observatório não existia, e nunca tal "estudo" tinha sido feito.
Há muito tempo que o jornalismo "especializado em assuntos económicos" não se recomenda pela sua lucidez e seriedade. Mas dificilmente se esperava que, em menos de 48 horas e pela quadra do Natal, nos fosse oferecida a revelação de um rematado farsante. Não me refiro ao Baptista.
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