Cavalgando o milagre económico que o Governo António Costa trouxe a Portugal, mesmo que a alguns reaças suscite algum cepticismo o facto de o crescimento de 0,3% da economia portuguesa durante o segundo trimestre deste ano já ter sido o mais baixo da zona Euro, o secretário-geral da CGTP já estabeleceu um valor de referência para os aumentos de salários para o próximo ano: nada menos de 4%.
Este valor parece exagerado nos tempos que correm, em que praticamente só os vencimentos dos membros de Comissão de Remunerações da Caixa Geral dos Depósitos conseguem aumentos de dois dígitos, e é. Além de exagerado e potencialmente catastrófico para a economia a que coloca sérios riscos de fazer regressar a uma trajectória de recessão, é pantomineiro. A CGTP propõe-o propositadamente alto para fazer crer aos seus associados que luta pelos direitos deles enfrentando o governo, fingindo que o enfrenta, sendo que acabará por aceitar quaisquer restos que o governo lhe dê, o que por seu lado oferece a este a oportunidade de montar outra pantomina, a de ser um hábil negociador que até consegue fazer a CGTP aceitar valores muito mais modestos do que reivindicou sem perturbar a paz social, montando ambos em conjunto a terceira pantomina, a de que na sociedade portuguesa a crispação recessiva foi substituída pelo diálogo expansivo, pantomina que serve para sustentar que a culpa de tudo o que acontece de mal é do Passos Coelho. Vá lá, com a ajuda da Assunção Cristas, se bem que, sendo ela mulher, e sendo eles uns porquinhos portadores dos estereótipos de género que transportam, nem sequer se dignem a pronunciar o nome dela, a quem não concedem mais do que convites para almoçar com eles.
Mas é pena que esta reivindicação seja uma mera pantomina sem possibilidade de chegar a ser concretizada. E para o explicar vou recorrer ao que acontece em mercados cíclicos, como por exemplo o da pasta de papel, a que a Portucel estava exposta quado produzia pasta de papel para vender, em vez de ser para consumir a fabricar papel, como passou a fazer depois de ter integrado a Papéis Inapa e a Soporcel.
Em determinadas circunstâncias de mercado, que não são suficientemente determinísticas para se conseguirem prever com precisão mas normalmente se enquadram em padrões conhecidos, por exemplo, quando se percebe, e no mercado circula informação suficiente para se perceber, que os produtores tiveram aumentos nos seus níveis de existências, ou seja, venderam menos do que fabricaram, cria-se muito rapidamente no mercado a impressão que os preços vão cair, o que por seu lado faz que caiam mesmo, porque os clientes, pensando que vão cair, deferem as suas compras à espera que caiam, agravando o aumento das existências, e os produtores, admitindo que vão cair, preferem vender as suas existências o mais depressa possível em vez de esperar que caiam mesmo, tudo junto criando um efeito de retroacção positiva (eu gosto de evitar usar termos como stocks ou feed-back). E quando isto acontece inicia-se um ciclo que tipicamente dura vários ou até muitos meses e que só acaba quando os produtores já estão a ter prejuízos por vender a preços abaixo dos custos de produção, quando os preços se aproximam dos custos variáveis de produção e suspendem a produção, mesmo continuando a suportar os custos fixos das fábricas paradas. E quando um número suficiente de fábricas suspende a produção, o mercado detecta que as existências começaram a descer e inicia-se uma corrida ao consumo com um efeito de retroacção positiva simétrico do anterior.
Estes ciclos fazem parte da vida das empresas que operam nestes mercados, que vão oscilando entre fases de prejuízos elevados e fases de lucros simpáticos, mas a vida não é fácil durante a fase má do ciclo. E há algumas decisões com que são confrontadas nesta fase. E uma das questões mais interessantes, e importantes, porque está sempre em jogo muito dinheiro ou até a ameaça à sobrevivência das empresas, é a seguinte:
O bom-senso manda um produtor tentar aguentar preços na medida em que lhe seja possível, esforçando-se por negociar as propostas de compra que lhe aparecem. A inteligência sugere-lhe que lidere a queda de preços, aceitando sem discutir propostas a preços mais baixos.
Porquê? Por duas razões. A primeira é que, na fase do ciclo em que os preços estão em queda, um carregamento que não seja vendido hoje a um preço mau será vendido na próxima semana a um preço ainda pior. A segunda é que durante uma parte do ciclo de queda, e até se atingirem os níveis de preço que determinam suspensões de produção e a inversão do ciclo, os produtores têm prejuízos violentos, e quanto menos tempo durar esta fase menor será o seu rombo. Tudo junto, é mais vantajoso para as empresas tomarem decisões contra-senso do que decisões de bom-senso.
O que nos traz de volta ao bom do Arménio. Em vez de recorrer ao bom-senso e negociar com ele os aumentos danosos que ele reivindica para procurar minorar os prejuízos que causariam na competitividade das empresas e na economia, talvez fosse mais vantajoso para as empresas e a economia o governo acatar-lhe as reivindicações de modo a acelerar a entrada num novo ciclo recessivo de que uma das consequências mais imediatas será a substituição dos pantomineiros que governam à base da aferição da popularidade através de grupos de discussão e da divulgação selectiva das estatísticas que mais enchem o olho da sociedade, mesmo que sejam enganosas, por gente séria que já nos conseguiu retirar antes da falência para onde tínhamos sido projectados pelas pantominas dos mesmos pantomineiros que agora governam com estas. Assim eles estejam dispostos a voltar a governar para limpar a porcaria que outros fizeram antes.
Se for assim, quanto mais depressa rebentar, mais depressa se reergue, e melhor para nós.
O Orçamento de Estado de 2017 é responsável e sustentável.
Em vez de cair na tentação populista de começar a distribuir aumentos e ofertas logo no início do ano, com custos insustentáveis para os contribuintes, resiste a essa tentação para os distribuir apenas lá mais para o Verão, em Agosto ou Setembro, reduzindo o seu peso no erário público aos últimos meses do ano. E dos anos seguintes, vá lá...
É verdade que esta decisão responsável que contribui para, ao mesmo tempo, aliviar a carga fiscal que recai sobre os contribuintes, e garantir o cumprimento dos nossos compromissos financeiros com os parceiros comunitários, se deve a motivos de força maior ou circunstanciais, e não ao facto de haver Eleições Autárquicas em Outubro de 2017.
O aumento de 10 euros por mês nas pensões mais baixas só será possível em Agosto por causa das adaptações que será necessário fazer aos sistemas informáticos para o conseguir processar. E, não sendo possível dá-lo antes, não se podia dar antes, por mais generosa que fosse a intenção do governo. Ganham os contribuintes, que só têm esse sobrecusto durante 5 dos 12 meses do ano, pelo que o aumento de 10 euros lhes sai pelo custo a que sairia um aumento de 4,17 euros em Janeiro. É verdade que também que vão ficar de fora do aumento os pensionistas com pensões mínimas que já tinham sido aumentadas pelo governo anterior, medida mais do que justa porque, com pensões de 202, 201 ou mesmo 263 euros por mês, esses pensionistas não tinham propriamente necessidade de serem mais uma vez aumentados, nem seria desejável estimular-lhes ainda mais os maus hábitos consumistas cada vez mais prejudiciais à saúde. Outro ganho para os contribuintes. O governo insere ainda outra medida de salvaguarda dos contribuintes, ao deduzir aos 10 euros por mês o aumento para compensar a inflação que lhes vai dar em Janeiro, que não se pode habituar esses pensionistas a receberem aumentos sobre aumentos.
Mas tudo isto são mesquinhices e o que interessa mesmo é que os pensionistas vão receber em 2017 um aumento de 10 euros por mês e em Outubro estarão felizes por terem sido aumentados.
O desconto no passe social para os estudantes que não são abrangidos pelos dois primeiros escalões da Acção Social Escolar justificar-se-ia, se mais motivos não houvesse, pela possibilidade de encurtar frases como esta, reduzindo-as a desconto no passe social para estudantes. Mas tem outras virtudes, não sendo a menos importante a redução das desigualdades que proporciona, ao estender aos estudantes de famílias ricas o mesmo abatimento no preço que o governo anterior só reservava como um privilégio iníquo aos de famílias pobres. Redução das desigualdades que se sobreporá a qualquer preocupação mesquinha com o facto de os impostos pagos pelos pobres e pelos ricos serem usados também para transferir riqueza para os que já são ricos. Mas toda a gente sabe que seria uma aberração iniciar este desconto logo em Janeiro, perturbando, por lhe introduzir instabilidade, o ano lectivo que se deseja que corra estável e imperturbado. A circunstância própria para iniciar o desconto é pois o início do próximo ano lectivo, em Setembro. Assim se protegem os interesses dos contribuintes, que só suportarão este custo durante 4 meses em vez de 12, e dos estudantes.
Mas tudo isto são mesquinhices e o que interessa mesmo é que os estudantes vão ter em 2017 um desconto de 25% no passe social e em Outubro estarão felizes por terem tido esse desconto.
E assim se prova com argumentos cristalinos e indesmentíveis que os aumentos e ofertas do governo ao longo de 2017 obedecerão a uma calendarização rigorosa que defende os interesses dos contribuintes, dos pensionistas e dos estudantes e não tem nada a ver com o facto de haver Eleições Autárquicas em Outubro de 2017.
Ao contrário de Portugal, cujo governo persiste em ignorar teimosamente as sugestões construtivas do Bloco de Esquerda e aumentou o salário mínimo em apenas 5%, deixando inquietas as pessoas que "sentem que a sua experiência, a sua competência, a sua responsabilidade é completamente desconsiderada", o governo da Venezuela acabou de aumentar o salário mínimo em 30%.
Não é só por má vontade. É também porque o governo português, apesar de socialista, está agarradinho pelas grilhetas do euro. Ao contrário, o governo socialista venezuelano pode imprimir, enquanto tiver dinheiro para papel e tinta, notas de bolívar.
Também é verdade que a inflação na Venezuela anda pelos 700%. O que significa que, para comprar o que um bolívar conseguia comprar há um ano, agora são necesssários oito. Como os venezuelanos foram aumentados 30%, agora ganham 1,30 bolívares por cada bolívar que ganhavam há um ano. Recebem mais, a vantagem de serem aumentados por um governo socialista bolivariano. Mas o que recebem vale seis vezes menos do que valia o que recebiam há um ano, ou seja, quem tinha dinheiro para comprar um quilo de carne há um ano, agora tem dinheiro para comprar um quilo de arroz. O que não chega sequer a ser um problema, porque já não há carne nem arroz nas lojas. Enfim, tudo junto resulta naquilo que os assessores do Podemos ensinaram, a troco de modestíssimos honorários, o governo venezuelano a designar pela "Suprema Felicidad Socialista".
Como chegar então ao ambicionado patamar da suprema felicidade socialista em Portugal? Uma solução prometedora seria marimbarmo-nos para o pagamento da dívida, lançar a bomba atómica e deixar o banqueiro alemão com as pernas a tremer. Mas as palavras terão sido fortes, com uma imagética excessiva, e o próprio proponente hoje em dia esmoreceu o ímpeto reformista da cruzada. A melhor alternativa parece ser sairmos do euro e retomarmos a impressão de escudos, com que podemos pagar salários cada vez mais elevados, até deixarmos de ter dinheiro para imprimir mais dinheiro.
É verdade que, sem o euro e a senhora Merkel (a senhora Merkel é doutorada em Química quântica, mas nem por isso deixa de ser senhora) e o senhor Schäuble a tomarem conta dele, governos de demagogos irresponsáveis poderão devolver livremente os rendimentos aos portugueses aumentando os salários para cima de uns trinta por cento à custa de desvalorizar a moeda para um oitavo do valor que tinha. Mas o que é isso comparado com a suprema felicidade socialista de voltar a ter aumentos, contratos colectivos de trabalho, e lojas vazias, mas com a felicidade de poder atribuir a responsabilidade de estarem vazias aos especuladores e inimigos da revolução?
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