Sexta-feira, 22 de Setembro de 2017

Family guy

2017-09-22 PNR.png

Ontem, em mais uma acção de rua da campanha eleitoral da candidatura que integro, em que paramos para conversar com todas as pessoas que conversam connosco quando as cumprimentamos e lhes distribuimos um prospecto informativo da candidatura ou simplesmente quando vêem que estamos a fazer uma campanha eleitoral e nos interpelam espontaneamente, veio à conversa connosco um eleitor habitual do PNR.

[Para os que não sabem, filiei-me no PSD a seguir às eleições de Outubro de 2015, no dia em que percebi que o golpe constitucional do António Costa com o BE e o PCP seria juridicamente blindado e que sustê-lo forçando um governo formado por quem ganhou as eleições seria politicamente insustentável, com chumbos no parlamento que paralizariam a governação, e quando fui convidado por pessoas íntegras, trabalhadoras e capazes para integrar a lista de candidatos da coligação PSD/CDS à Junta de Freguesia da Venteira, concelho da Amadora, não fui nem seria capaz de dizer que não.]

Não é nenhum cabeça rapada dos que vão para o Bairro Alto agredir africanos pacíficos. É um pai de família, deve andar por volta dos quarenta, trabalhador que se pode designar de operário especializado, com um discurso de conservador, de pessoa que respeita princípios como o trabalho a família e a decência, chamemos-lhe assim porque honra é um termo em desuso. E é natural de Rio Maior, se bem que more e vote na Amadora, e, sendo demasiado jovem para ter vivido o PREC em Rio Maior, tem bem presentes os testemunhos da família sobre o que fizeram, e para resistir a quê, os Riomaiorenses.

E anda chateado.

Anda chateado com o milagre da reposição de rendimentos a quem nunca os chegou a perder, porque nunca teve sequer que se interrogar se num fim de mês qualquer chegaria a receber o salário, ele, que nunca chegou a perder o emprego mas, no pico da crise, chegou a estar três meses sem receber porque a empresa para quem trabalha não tinha dinheiro para pagar salários.

E sobre políticas de rendimentos tem ideias tão claras e cristalinas como qualquer catedrático de Economia que mereça o título que detém. Tem bem claro que austeridade não é uma opção que se toma para fazer mal às pessoas, mas o estado natural quando se acaba o dinheiro. Tem bem claro que a austeridade em Portugal não resultou da má vontade das autoridades europeias, mas do facto de o governo anterior ter estoirado o dinheiro até ao fim e de nos ter colocado à mercê das condições impostas por quem esteve disposto a resolver-nos esse problema emprestando-nos dinheiro que mais ninguém emprestava. Tem bem claro que os cortes de rendimentos resguardaram na medida do possível as pessoas de rendimentos mais baixos e foram violentos essencialmente para pessoas de rendimentos altos ou muito altos, mas de emprego e rendimento garantido todos os fins de mês, e tem bem claro que são estes os maiores beneficiários da reposição de rendimentos. Se um dia houver uma subscrição pública para financiar a construção de uma estátua ao Pedro Passos Coelho pelo modo como salvou Portugal da bancarrota, ele contribuirá na medida das suas possibilidades sem a mais pequena dúvida.

Anda chateado com os grevistas da Autoeuropa que, usufruindo de salários e regalias que mais nenhuns operários usufruem em Portugal, a começar por ele próprio, e acomodados a usufruirem deles em toda a segurança apenas por lá estarem e sem terem que dar o litro para os merecerem, querem recusar adaptar os seus horários de trabalho às necessidades de sucesso e mesmo de sobrevivência futura da empresa, mesmo que essa adaptação implique receberem substancialmente mais sem aumentarem o horário de trabalho.

Anda chateado com o CDS, o seu partido natural de voto alternativo ao PNR, por ter desfeito a coligação em Loures por causa de o candidato do PSD André Ventura ter feito afirmações que ele considera de mera constatação da realidade e de apelo ao cumprimento da lei, ele e a maioria das pessoas, até eleitores do BE, inquiridas numa sondagem de opinião.

Anda chateado por ver perseguidas pelas autoridades e mesmo criminalizadas opiniões que ele tem e que considera tão legítimas e respeitáveis como as opiniões opostas que tendencialmente têm vindo a ganhar terreno como únicas o obrigatórias, como, por exemplo, as do comentador que disse que não queria as bloquistas para casar, nem dadas, ou as do André Ventura sobre a impunidade de facto que é tolerada aos membros da comunidade cigana que não cumprem a lei.

Anda chateado porque sente que a sociedade, empurrada por uma pequeníssima elite minoritária que sempre teve tudo sem conquistar nada e é desproporcionalmente acolhida, acarinhada e exibida na comunicação social, e com uma capacidade de intervenção política ainda ampliada pela configuração actual da base de sustentação do governo, anda a ignorar, encurralar e perseguir gente como ele que, em bom Português, se pode designar como a regular, decent, working, God believing, family guy.

Anda chateado, e com razão.

Da conversa connosco resultou ele ter acabado por afirmar que votaria na coligação PSD/CDS nas eleições autárquicas do dia 1 de Outubro, ficando cá nesse fim-de-semana em de o ir passar à sua amada terra. Não por ter assumido que estava a falar com racistas, xenófobos, sexistas, homofóbicos, nacionalistas ou adeptos da ditadura, os lugares-comuns que a opinião pública dominante politicamente correcta cola automaticamente a qualquer eleitor habitual do PNR sem sequer procurar saber o que ele pensa, mas simplesmente por ter sido escutado com atenção e respeito, e acordo naquilo que suscitou acordo em quem falou com ele.

E da conversa com ele resultou também uma certeza. Gente mais do que normal que se anda a sentir ignorada, encurralada e mesmo perseguida por uma sociedade manipulada por elites minoritárias com quem a esmagadora maioria da sociedade nem sequer se identifica, se não se vir minimamente escutada e respeitada pelos partidos do sistema, quer por lhes ignorarem as preocupações, quer por simplesmente os ambicionarem erradicar, vira-se para os partidos dos extremismos, que se apercebem da sua existência e do seu descontentamento, quando não medo, e se posicionam com oportunismo em posição de o canalizar para conquistarem um poder que depois não têm competência nem capacidade para exercer. Gente mais do que normal, repito.

E eu, que não sou trumpófilo, nem sequer moderado, gostava que a estupidez dos extremistas do politicamente correcto que, por trás de uma fachada de luta pelo direito à diferença andam de facto a lutar pela imposição de ser igual, fosse moderada, em vez de encorajada por oportunismo político, pelo bom-senso dos moderados, pelo menos dos que o têm, que no PS parecem escassear cada vez mais, mas no PSD e no CDS deviam ser mais assertivos do que têm sido, para não parecerem menos representativos do que são.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 13:50
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Segunda-feira, 19 de Setembro de 2016

O socialismo científico

Desta vez o Partido Socialista não adormeceu na fila e apresentou-se a eleições com mais do que a habitual retórica de primeiro as pessoas, da modernidade, da economia digital, ou da economia verde, que desta vez complementou com o Cenário Macroeconómico preparado por uma equipa de doze sábios que garantiu a fundamentação científica do seu programa eleitoral. Crescimento, desemprego, deficit, dívida, tudo garantido com base em científicas folhas de cálculo preparadas em Word. Como garantida ficou a possibilidade substituir a austeridade pelo crescimento económico. Multiplicador do retorno de cada euro de rendimento devolvido aos portugueses em receita fiscal resultante do crescimento económico proporcionado por esse euro? Quatro. Quatro euros de retorno fiscal por cada euro devolvido aos portugueses. Não me venham falar do milagre dos pães, nem da Rainha Santa! Pela primeira vez em Portugal, estamos, não ainda a caminho do socialismo, mas já no verdadeiro Socialismo Científico.

Chegados aqui, vale a pena fazermos a título de parêntesis uma breve reflexão sobre o Socialismo Científico, uma coisa leve que não lhe questione demasiado o rigor analítico e ético nem chateie os apontadores de herejes. Nunca ninguém conseguirá perceber o que é realmente o socialismo científico sem ver este extraordinário e encantador filme cubano sobre Cuba, que mostra como é que a coisa funciona na prática, além de fazer a comparação entre o ensino do Socialismo Científico e o da Economia de Mercado. Mil vezes, recomendo.

Posto isto, passemos ao caso português do Socialismo Científico.

A receita?

Só que o mundo continuou a andar à roda e, para atalhar razões, devolveram-se os rendimentos aos portugueses mas a economia não cresceu. Como anunciou o próprio presidente do partido do governo, "É possível que as nossas previsões não se venham a confirmar". Uma possibilidade remota, mas garantida. Não aconteceu o que o Cenário Macroeconómico tinha garantido que aconteceria. O Socialismo Científico falhou. Num aparte, toda a gente com dois dedos de testa sabia que iria falhar, mas isso agora não vem ao caso.

Falhada a primeira receita, qual é a nova receita?

A receita parece a mesma, mas é completamente diferente. Devolver rendimentos aos portugueses era a receita do Socialismo Científico, enquanto devolver rendimentos aos portugueses é a receita do Humanismo Socialista.

A sério? Não sejamos parvos. A receita é a mesma, e será sempre a mesma, e o seu verdadeiro desígnio é.

  • Devolver rendimentos aos portugueses para caçar votos.

Por enquanto tem resultado bem. Quando a factura aparecer aos portugueses, porque os multiplicadores são negativos e são eles que a vão pagar, logo se verá?

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 23:46
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Segunda-feira, 5 de Setembro de 2016

Quem perde os três uma vez, perde-os mais duas ou três *

* Reza um ditado milenar do Alto Minho, ou, se não reza, podia perfeitamente rezar.

Apesar de o ter precedido de mais de um ano, toda a gente sabe que a austeridade foi a receita neoliberal inventada pelo governo do PSD e do CDS para destruir o estado social e os direitos de cidadania, aumentar as desigualdades e, de uma maneira geral, fazer sofrer as pessoas, nomeadamente as mais fracas e desprotegidas, incluindo os funcionários públicos com salários mais elevados e os reformados com pensões superiores a 4.611 euros por mês. Nem as subvenções vitalícias dos políticos, merecidamente conquistadas em longas carreiras contributivas de 8 ou 12 anos, escaparam às suas garras.

Por mais que os responsáveis desse governo balbuciem hoje em dia desculpas esfarrapadas, chegando mesmo a dizer que se viram forçados a cumprir um programa da autoria do governo do PS negociado e contratualizado com as instituições internacionais que impediram in-extremis a falência do país concedendo-lhe crédito que mais ninguém concedia, ou que fizeram o que foi necessário e possível com o dinheiro que não tinham para reerguer um país arrasado pela ruína financeira a que o governo socialista anterior o conduziu, ou, mais demagógico ainda, que a austeridade é a condição natural de quem não tem dinheiro para mais e melhor, basta ouvir as palavras sábias de políticos e comentadores como o João Galamba e o Carlos César, ou o Pacheco Pereira e a Manuela Ferreira Leite, ou a Catarina Martins e as manas Mortágua, para não falar no Daniel Oliveira, no Nicolau Santos e no Pedro Marques Lopes, para ficar a saber que a austeridade em Portugal foi obra do governo do PSD e do CDS.

O PS já fez a reconstrução do hímen, recuperou a virgindade neste domínio e já não tem nada a ver com a austeridade passada. Leiloou a sua virgindade renovada nas eleições de Outubro e, apesar de as ter perdido, ganhou o leilão. Está o António Costa, pois, a substituir a austeridade pelo crescimento que os planos macroeconómicos e respectivas folhas de cálculo nos garantem, ou prometem, dirão alguns cépticos ou invejosos.

O problema é que, quem perde a virgindade uma vez distribuindo dinheiro pelos portugueses, e algum por si próprio e pelos amigos, que quem parte e reparte e para si não deixa a melhor parte ou é burro ou não tem arte, habitua-se à brincadeira e tende a perdê-la mais vezes. Foi o caso da Miss Bumbum Brasil 2014, Indianara Carvalho de sua graça. Se assim for, o PS voltará a espatifar Portugal e a levar-nos de regresso à austeridade, que outros mais malvados se encarregarão de ministrar com o sadismo conhecido.

Não é necessariamente um problema. A Miss Bumbum continuou a refazer o hímen e a leiloar a virgindade recuperada, repetidamente. Há sempre algum milionário mais sensível ao verdadeiro amor. Veremos se o PS consegue repetir a façanha mais uma vez com os eleitores, ou se eles acabarão por se desencantar do amor e começarão a ligar mais à carteira?

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 17:03
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Sexta-feira, 19 de Abril de 2013

Um sobre-endividado é um escravo da sua dívida.

Ora contemplem o mapa abaixo que mostra as previsões de crescimento mundiais para 2013 a partir do último relatório do FMI. Reparem como o  mundo desenvolvido europeu e norte americano, inclusive os país do G7, tem crescimento previsto de menos que zero, a um por cento.

 

Os crescimentistas argumentam que a escolha da austeridade implica o baixo cresimento e que a folha de Excel em que Rogoff e Reinhardt cometeram erros é responsável por aquela escolha pois serviu de fundamento a decisões políticas favoráveis à redução de gastos dos estado e a aumentos de imposto. O erro está explicado aqui e a resposta de Rogoff-Reinhardt aqui.


Vejamos o senso comum:  um estado endividado quanto mais paga de serviço de dívida, menos tem disponível para políticas de crescimento, apoios sociais e fomento económico. Quando dispõe de moeda própria pode imprimir dinheiro, desvalorizar a dívida, subir a inflacção, baixar salários reais e aumentá-los nominalmente, de facto empobrecendo os cidadãos, enquanto alguns se convencem que são mais ricos por ganharem 120 em vez de 100. Evidentemente que com os novos 120 apenas compram 80% do que compravam com os anteriores 100, mas há alguns que pensam que a emissão de moeda para financiar défices é vantajosa. Nada a fazer nestes casos patológicos.

 

A Zona Euro, enquanto quiser uma moeda única em que entre a Alemanha, não pode emitir moeda e desvalorizar o câmbio como gostariam os países a Sul, em graves dificuldades por acumulação de défices excessivos e dívidas públicas e privadas demasiado caras e insutentáveis.

 

Os EUA têm uma dívida astronómica de 17 triliões de dólares e esta continua a subir. Vejam aqui a impressionante progressão. O Quantitative Easing (emissão de moeda) é usado sem parcimónia e os EUA continuam a crescer pouco. Até quando crescerão pouco e quando começarão políticas restritivas? Provavelmente muito em breve.

 

A austeridade é uma opção? Que capricho, levará os governos de economias que têm graves problemas de competitividade com os países emergentes, matérias primas cada vez mais caras, graves dificuldades populacionais com os sistemas de segurança social, gastos tremendos com estados sociais e, genericamente, estruturas de custos de produção muito mais caras que os países competidores, a escolher a redução de gastos e o aumento de impostos? Porque não se faz diferente? Há como? Nem os mais imaginativos dos crescimentistas são capazes de propor alternativas. Limitam-se a apontar erros no Excel,a dizer que a austeridade é mázinha e que o Estado Social não pode ser sacrificado.  

 

Para Paul Krugman que faz 365 artigos por ano, apenas no New York Times, a solução é única e sempre a mesma: imprimir mais dinheiro o que significa apenas, empobrecimento por via da inflação.  

 

 

publicado por João Pereira da Silva às 09:20
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Sábado, 13 de Abril de 2013

Do sofrimento humano e da sua necessidade


A Letónia, que em 2008 iniciou um processo de ajustamento, vulgo austeridade, duríssimo, em 2013, já recuperou a economia aos níveis de 2008 e o futuro sorri. Diferença face ao nosso ajustamento, diga-se austeridade? Eles decidiram não tomar o caminho fácil de contemporizar com as falências da banca e proteger os sectores cancerígenos. Em suma, decidiram "bite the bullet" com força e aguentar um período mais curto de dor aguda e sanearam efectivamente a economia.

Em Portugal, optou-se pela via do aumento dos impostos, pela protecção de bancos falidos, pela negociação de condições de trabalho e salários com a função pública mantendo-lhe os privilégios e regime de excepção, não se reformou a administração pública e a administração local, não se privatizou o prometido, enfim, escolheu-se, ou os partidos foram incapazes de fazer diferente, uma austeridade ou ajustamento versão lusa, mansa e suave que se arrisca ser "para inglês ver" se o segundo resgate aterrar em Lisboa e for preciso um período ainda mais longo de ajustamento. 

Passados dois anos, com a deterioração profunda da situação económica, com o défice de estado ainda não controlado, com a dívida pública em níveis recordes, temos ainda pouco para mostrar de ajustamento feito. O balanço destes últimos dois anos? Ainda é cedo e não sou economista suficiente para o fazer bem, mas parece-me que ao escolhermos a versão soft cometemos o erro que pode ser fatal, de não ajustarmos o suficiente para nos conseguirmos manter no euro sem sermos mais uma região coitadinha, pobrezinha e dependente da solidariedade europeia. 

Em breve a realidade se encarregará de invalidar qualquer balanço se aterrarem de novo os senhores troikanos no Terreiro do Paço com mais medidas draconianas segundo o novo template cipriota (muito mais duro).

Leiam este artigo de Carlos Guimarães Pinto para entender melhor o que é uma má recessão. Realço o que ele diz a certa altura sobre o "sofrimento humano" que tudo isto implica. Em Portugal arriscamos ter feito sofrer muita gente, inutilmente.

publicado por João Pereira da Silva às 15:04
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Terça-feira, 30 de Outubro de 2012

Marie Antoinette

 

 

Se os milhares de empresas que têm caído como tordos tivessem acesso a financiamento das instâncias europeias garantido pelo Estado (quer dizer, por nós), para reforço do seu capital; se tivessem um fornecedor incansável de matéria-prima (o BCE) para revenda a cliente certo e seguro (nós - a compra de dívida pública pelos bancos não é outra coisa); se a falência não fosse possível por a comunidade achar isso uma grande desgraça, evitável a todo o transe; e se comercializassem um bem que, por representar todos os bens, tem uma procura só limitada pela capacidade dos clientes para pagarem:

 

Haveria tantas falências?

 

Não, não haveria, a lógica não é uma batata. Mas os administradores, gerentes, sócios dessas empresas, pertencentes a uma casta privilegiada, andariam por aí de peito estufado, a produzir opiniões pesporrentas, dislates sortidos, e insolências várias, esfregando no focinho da turba miserável a sua suficiência de falidos inimputáveis?

 

Claro que não andariam. Porque não são bancários.

 

publicado por José Meireles Graça às 20:08
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Segunda-feira, 15 de Outubro de 2012

Temos para onde ir?

 

(*) 

 

Hoje é dia de orçamento, o documento que, via fugas, antes de o ser já o era.


É um documento trágico: quase ninguém acredita que a pauperização da classe média seja caminho para lado algum. Não porque seja possível pagar dívidas sem apertar o cinto, mas porque o violento esbulho do rendimento ainda disponível é feito em nome de uma inevitabilidade sem outra esperança que não seja os credores abrirem os olhos a tempo de verem que nem para eles estão a ser bons.


Entendamo-nos: o caminho que alguma esquerda defende (renegociar a dívida sem reforma séria do Estado, sem diminuir as despesas sociais, e sem nenhuma receita para o crescimento que não seja o consumo) esbarra na incredulidade dos credores e no senso comum. E a ideia de que se pode dizer aos mercados que para já não pagamos, mas que o crédito deve continuar a fluir para importarmos combustíveis, alimentos, matérias-primas para a indústria e o mais que mantém o país de pé - ou decorre de ignorância, ou ingenuidade, ou má-fé.


Nas circunstâncias a que nos deixamos chegar o Governo que temos teve uma curta oportunidade de reformar o Estado, se tivesse concentrado todos os seus esforços na correcção do défice pelo lado da despesa e não hesitasse no tratamento a dar aos poderes fácticos do sector financeiro, dos plutocratas, dos sindicatos, das associações patronais e das opiniões estatistas, que são quase todas. Não foi assim e agora é tarde. Haveria convulsões, a popularidade ficaria num frangalho, o ambiente social não seria muito diferente do que é, a berrata das esquerdas seria, se possível, ainda mais estrídula, quando houvesse eleições perdê-las-ia - mas nem a queda do produto seria tão grande, nem a perspectiva de recuperação tão distante, nem a autoridade para discutir com os credores tão enfraquecida.


Numa palavra, preferiu-se a água choca do diálogo social, dos panos quentes, das reformazinhas, dos cortezinhos e das medidinhas. Quando, numa reforma do instituto das fundações, se faz um corte de apenas 30% à Fundação Mário Soares, um monumento dispendioso ao ego daquele heróico fóssil; quando se tratam com panos quentes os empresários de retorno garantido das PPPs e a banca que está por detrás; quando se deixa em paz o sorvedouro da RTP; ou quando se deixa cair a reforma dos municípios, para não perturbar as doces sinecuras dos senhores autarcas treteiros e sempre grávidos do próximo melhoramento - está tudo dito.


Alguma coisa ficará, muito mais do que ficaria se fôssemos pastoreados por um Seguro, ou um Costa, ou qualquer outro da longa lista de criadores de riqueza via Decreto-Lei e dinamismos públicos sortidos. Mas será pouco.

 

Para quem defende o que eu defendo, e que agora me dispenso de repetir, um pouco de cinismo autorizaria que pensasse: quanto pior, melhor. Nada disso: pena-me que o Governo mais à direita em quase 40 anos deixe de si a imagem de ter querido fazer tarde o que não teve coragem de fazer cedo; de ter sido forte com os fracos, por ter que ser, sem ter sido forte com os fortes, como devia; e que em momento algum tenha parado para pensar que futuro sem Euro e que, se não acredita já no caminho que os credores apontam, deveria ter o carácter de dizer: não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí.

 

____________

  

* Fotografia: Margarida Bentes Penedo

 

publicado por José Meireles Graça às 17:28
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