Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno.
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou cagando ao vento.
Não era bem isto que eu queria dizer.
Já fui magro, mas há uns dez anos que deixei de ser. Os olhos nunca foram escuros, mas azuis também nunca foram, mas sim de um tom meio indefinido entre o castanho e o verde. E o carão é tão branco como o de uma donzela de mil oitocentos o picos. E, para ser sincero, dou mais crédito a quem me acha bonito do que a quem acha que faço figuras tristes. Ou que sou triste de figura. Sou talvez metido comigo, mas quando interajo com as outras pessoas até me tomo por cortês e simpático. O nariz não é alto no meio, mas também não é pequeno.
Os pés, bate certo.
A altura agora, que a juventude cresce sem parar por causa das farinhas que lhes misturam no leite, até é meã, mas quando cheguei à idade adulta era um bocado acima da média. Tive até ao bilhete de identidade que tive que fazer após o casamento actual aos trinta e nove anos um metro e setenta e nove, o que já não era pouco, e quando o renovava o funcionário ou funcionária do Arquivo de Identificação não se dava ao incómodo de me voltar a medir, confiante que já tinha parado de crescer, mas este funcionário que mo fez depois do casamento, ou por desconfiar que podia não ter parado de crescer, ou por outro motivo qualquer, mediu-me de novo e atribuiu-me finalmente a marca de um metro e oitenta, que nos meus tempos de criança era tão mítica como os dez segundos nos cem metros.
O mais propenso ao furor do que à ternura é um boato que circula nas redes sociais. Os meus detractores acusam-me de ser convencido, com a mania que sei tudo e que os outros são tapadinhos, um arrogante insuportável, para resumir. E o facto de ser confessadamente neoliberal não me ajuda a limar esta imagem tão angulosa. Os que não desengraçam comigo mas não me conhecem pessoalmente agarram-se a indicadores estatísticos para atribuírem uma probabilidade não negligenciável à hipótese de eu ter mau feitio e ser conflituoso. Que bloqueio muita gente no Facebook, e normalmente em público, ou que sou bloqueado, é verdade que por vezes chego a ser desbloqueado por quem me bloqueara antes, mas atribuo isso mais às boas referências que os mais tolerantes dão de mim do que a qualidades intrínsecas que desaconselhem a continuação do bloqueio. Eu não estou completamente de acordo com estas apreciações, acho que sou até bastante tolerante e cordato, chego a considerar-me encantador, tenho é a fatalidade de, por razões que nunca cheguei a perceber, atrair chatos, que confesso que até tenho algum gosto por chatear, e que tomam por objectivo na vida indignarem-se com as minhas opiniões e exteriorizarem essa indignação, o que muito me honra, mas no meu mural, e eu acho que têm toda a legitimidade para fazer as peixeiradas que quiserem na casa deles, mas na minha não estou para as aturar e acabo por lhes fechar a porta. Em resumo, eu até acho que, além de bonito e inteligente, sou encantador.
À insinuação das mil moças só tenho que responder que a gentleman never tells, de modo que cada um que faça a fantasia que lhe apetecer, mas de mim nunca vai ter nem uma confirmação nem um desmentido.
E a de só amar os frades no altar é uma generalização abusiva da minha falta de capacidade de ter Fé, porque não sinto geralmente animosidade para com quem a tem, nem um apelo irresistível de fazer da sociedade mais laica do que a medida certa, nem também o de escorraçar os fiéis de algumas confissões religiosas minoritárias porque alguns dos seus seguidores são pouco recomendáveis.
A parte do talento é discutível, pelo que não vou abrir uma frente de discussão a propósito dela, as verdades que deixei aqui são mesmo verdades, e o resto também deixo à imaginação dos leitores.
Na série "Nunca aceitarei um convite para fazer parte de um clube que aceite pessoas como eu", mas a verdade é que já não vou para novo, e sou um bocado mais vaidoso do que tento parecer, aceitei logo, e as razões para aceitar é que me disseram que eu escrevo com lucidez e independência, o que não interessa ao menino Jesus, e num Português adequado, e eu, que tive 10 a Português na última vez que tive Português, no 3º período do 5º ano, e foi o único 10 que tive em todo o liceu, mas a culpa não foi minha, é que eram turmas de 36 alunos e eu não tinha o acompanhamento que necessitava para aprender melhor, felizmente nunca tive que fazer exames porque dispensei sempre, e assim pude crescer feliz, e ainda sou, mas não queiram que eu vos faça uma cirurgia, porque desmaio à vista de sangue, fico inchado de vaidade quando me elogiam o Português, podem-me dizer que sou bonito e inteligente, o que até é verdade, mas os elogios ao meu Português é que me desarmam, e aceitei.
Vou começar a escrever em Português adequado no Gremlin Literário. Uma cambada de neoliberais. Mas que escrevem com lucidez e inteligência, e num bom Português. Bem hajam (e não digo bem hajam por ser um blogue de direita, mas para chatear os leitores que se chateiam quando se diz bem hajam) por me terem convidado.
Para a próxima vou tentar controlar melhor o auto-elogio e escrever sobre outro tema que não sobre mim próprio. Mas hoje tinha que aproveitar a oportunidade, caraças (caraças não é como se diz no Minho, já vos disse que sou um minhoto de Lisboa? mas eu decidi adoptar uma terminologia mais gender neutral, que eu sou um neoliberal de esquerda)!
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