Assunção Cristas, perguntada sobre em quem votaria se fosse brasileira, respondeu que não votaria … porque não seria capaz de escolher entre um partido que "destruiu o sistema democrático brasileiro" e um candidato de "extremismos" em que não se revê.
Respondeu mal. Porque um candidato ao lugar de primeiro-ministro deveria dizer algo do género: não tenho de, nem devo, pronunciar-me sobre preferências eleitorais em países amigos.
Deixemos de lado o detalhe de Assunção, se fosse brasileira, e tendo menos de 70 anos, ter de votar, sob pena de multa. E dêmos-lhe o benefício exculpatório de hoje todo o responsável, de Trump a Juncker passando pelo incontinente e irrelevante Marcelo, comentar sem rebuço a vida política de estados terceiros.
Não deveria comentar porquê? Por várias razões: i) Portugal, país pequeno e dependente, não precisa de inimigos. E mesmo que as relações pessoais, de amizade ou inimizade, contem menos do que os interesses, não é um bom ponto de partida que em Brasília venha a morar quem gratuitamente se hostilizou. Nem em Brasília, nem em Luanda, nem em Pequim, nem em Washington, nem em qualquer outro lugar; ii) Os cidadãos portugueses que se interessam por algo mais do que o destino da selecção e o valor exacto da sua pensão ou ordenado não precisam que os dirigentes políticos lhes digam o que pensar sobre os sucessos noutras terras que não a nossa, excepto se e quando algum interesse nacional corra o risco de ser afectado. Não precisam porque estão abundantemente servidos de comentadores, mesmo que na comunicação social haja, como há, uma superabundância de comentadores de esquerda, e uma não negligenciável dos que se dizem de direita mas não se distinguem substancialmente dos primeiros; iii) O CDS é há mais de 40 anos uma espécie de reserva da república para quando o país ganhar juízo ou as circunstâncias o forçarem a tê-lo. E tendo várias capelas (a católica, a europeísta, a negocista, a nacionalista, a liberal, a conservadora, fora as misturas e as oscilações tácticas) sempre teve o cuidado de praticar a tolerância interna, quando não há muito seria o MRPP da direita. Declarações que impliquem divisão são inevitáveis quando se trate de estabelecer um rumo necessário, porque agradar a todos é o caminho mais seguro para a inoperância e para não agradar a ninguém. Mas a gente cá em baixo não precisa de ajudas para se zangar por questões alheias.
Sucede que nas redes logo se estabeleceram duas correntes, uma a favor da abstenção, que concorda com Cristas, e outra a favor de Bolsonaro, que não concorda. E já havia os que votariam Haddad porque são de esquerda, ou porque não são fascistas, e os que votariam Bolsonaro porque são de direita, ou não são comunistas, para não falar em José Manuel Fernandes, que não sabe se votaria num ou noutro porque, votando em branco, dependeria de quem lá pusesse a cruzinha.
Tenho-me divertido a acompanhar a polémica, sem me comprometer. Instintivamente, as minhas simpatias vão para Bolsonaro, mas não faltam declarações do candidato num sentido autoritário, troglodita e primário, que fazem com que, em levando a sério o que o homem diz, se fuja a sete pés. Evidenciar simpatia pela tortura e pelos torturadores do tempo da ditadura militar, por exemplo, já seria suficiente, em tempos normais, para esperar que o autor se refugie num qualquer grupo ultra-minoritário onde os membros se confortem uns aos outros nos seus ódios medievais e nas suas certezas de selvagens.
Os tempos, no Brasil, porém, não são normais. O PT pode não ter instaurado uma ditadura comuno-bolivariana como na Venezuela, e ter preservado os mecanismos da democracia. Mas criou uma vasta clientela de dependentes do Estado que sufocam a economia exangue pelo fim da alta dos preços das matérias primas que o país exporta e pelo intervencionismo dirigista, ao mesmo tempo que promoveu a corrupção a níveis intoleráveis.
Pergunta-se: Haddad tem condições para redimir o Brasil? Não, não tem, absolutamente nada no seu programa, no seu passado e nas suas declarações, na parte em que são credíveis, permite pensar que o PT aprendeu alguma coisa e remediará alguma coisa. Pelo contrário: os lulistas raivosos, de lá e de cá, acrescentariam à gestão inerentemente inepta da economia o revanchismo contra o sistema judicial. E este, que deu provas de ser um baluarte contra o Estado clientelar, passaria a vítima, e com ele o Estado de Direito. O que significaria que, se o Brasil com o PT ficou de joelhos mas não se venezuelizou, desta vez bem correria esse risco.
Então, se eu fosse brasileiro e católico, faria o sinal da cruz e votava Bolsonaro; e, se fosse agnóstico, substituía o sinal da cruz por figas.
Haddad é que nunca, em que pese aos meus amigos bem-pensantes, como o Adolfo Mesquita Nunes, o Alexandre Homem Cristo, o Bruno Alves, a Maria João Marques (esta amiga a 50%, porque a aprecio sem que retribua), outros muitos ainda aos quais escapa o que está em jogo no Brasil, como lhes escapou o que estava em jogo nos EUA.
É aliás o mal das posições ao centro: costuma ser o lugar geométrico de coisa nenhuma. Mas isso fica para outra maré.
"Surpreendente" coisa nenhuma, seus sonsos, seus jornalistas dissimulados de meia tijela. Andaram a entrevistar imigrados brasileiros para as vossas reportagens, votavam todos na Gilma, um par deles na escaravelha, nenhum no Aécio. Nem um único, que eu tivesse visto, é curioso.
Aécio Neves, em território português, ficou no 1º lugar (por extenso, e devagarinho: PRI-MEI-RO). Embrulhem.
Ponham uma cara menos amarela. São "surpresas" que acontecem quando o trabalho é mal feito, baseado em sondagens marteladas e entrevistas a pessoas escolhidas a dedo pelos pindéricos das vossas redacções.
O Telejornal da RTP 1 apresentou esta figura de alcagoita numa lamúria pelo "grande esforço para se alfabetizar" aos 16 anos, e outras bravuras, como ter-se tornado ecologista fanática, que ela desfia chorosa, ao colinho das reportagens, gemendo a sua pobreza e a bondade do seu coração à misericórdia dos brasileiros para os convencer a votar nela, coitadinha, tão esforçada, tão triste, uma espécie de anja do sertão, precisa que lhe peguem na mãozinha e a sentem na Presidência da República.
Se calhar consegue. E se calhar, mais dia menos dia, calha-nos uma destas.
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