Mais uma sessão do nosso MBA rápido para jovens socialistas que pretendam vir a assumir a pasta da Finanças em governos socialistas, os homens novos do tempo novo, desenvolvido em parceria entre a Universidade de Harvard e a Universidade de Verão do Partido Socialista.
Hoje vou dar uma aula extra-curricular, subordinada a um dos temas mais interessantes que a governação socialista enfrenta sempre, e especialmente no momento actual:
A questão é tanto mais actual quanto o governo e a maioria que o apoia têm accionado todas as alavancas certas para promover o investimento, a criação de emprego e o crescimento económico:
Todas estas políticas são as mais eficazes para promover o investimento, porque toda a gente sabe que trabalhadores mais bem pagos, com mais tempo para o lazer e o consumo, e confiando aos sindicatos a defesa dos seus interesses e dos serviços que prestam ao público conseguem atingir produtividades mais elevadas, sendo mesmo provável que, se recebessem salários equivalentes aos dos trabalhadores alemães e trabalhassem tão poucas horas e tão poucos dias como eles, os trabalhadores portugueses a cozer sapatos seriam tão produtivos como os alemães a fabricar motores de avião. E que, com um ambiente de investimento tão estimulante, os investidores nem se ralam de pagar mais impostos, tamanhos os lucros que terão à mão de semear se investirem.
Só mesmo os neoliberais mais insensíveis são capazes de ter a mesquinhez de duvidar da eficácia destas medidas, com o pretexto de aumentarem os custos de produção unitários e tornarem a nossa economia menos competitiva, destruindo emprego e desincentivando a criação de novos empregos, assim como de aumentarem os riscos de negócio decorrentes da imprevisibilidade da legislação que modela o ambiente de negócios no país, nomeadamente a fiscal ou laboral. Mas o neoliberalismo é apenas um caso de polícia, e não devemos perder o precioso tempo lectivo de uma universidade de elite socialista a discutir as invejas dos neoliberais.
Acresce um factor ainda mais importante e ainda mais estimulante do investimento. Apesar de o caminho para o socialismo estar inscrito há mais de 40 anos na nossa Constituição, temos sido um bocado calões, talvez por culpa do Mário Soares que meteu o socialismo na gaveta, talvez por ter feito as contas, ou alguém que as soubesse fazer as ter feito por ele, e chegado à conclusão que não havia dinheiro para o socialismo, e só desde Novembro último é que estamos finalmente no caminho para o socialismo onde países como, por exemplo, a Venezuela, já chegaram.
Ora, e finalmente chegamos ao problema que pretendemos resolver nesta sessão, com esperança de acessoriamente contribuir para tranquilizar o meu companheiro João Pereira da Silva, a grande questão que temos pela frente é.
E a resposta não podia deixar de ser:
É claro que todos os jovens socialistas deram a resposta certa e estão dispensados de exame. Até à próxima.
Acho - a sério que acho - a maior parte dos meus concidadãos um bom feixe de totós: qualquer óbvio parlapatão, como Sócrates ou Costa, para referir apenas dois dos mais recentes, lhes come as papas na cabeça, um e outro apoiados contra ventos, marés e a evidência, até ao ponto em que a porca realidade bate à porta, o que sucederá também com a segunda destas personagens; caso em que mudam de cavalo, em geral para um tipo dito de direita que vai colar os cacos, após o que regressa outro socialista que embrulha a mesma velha receita numa nova girândola de promessas e facilidades.
Quando, volta e meia, a direita chega ao poder, faz o que pode para não hostilizar nenhum grupo dos que quarenta anos de democracia dependuraram no Estado, ao mesmo tempo que introduz um módico de racionalidade nas contas. Receita infalível para nem as equilibrar duradouramente, nem segurar o eleitorado, nem introduzir qualquer dinâmica permanente de crescimento económico: porque o que faz, no esforço impossível de conservar o Estado Social como o desenharam os seus numerosos pais, é aumentar os impostos dos ricos (na realidade a classe média, que ricos verdadeiros já não há nem em quantidade nem em volume) e fazer cortes - poucos e a eito, que distribuindo-os pelo maior número impactam menos.
As coisas pareceram diferentes nos consulados cavaquistas, que ao mesmo tempo deram a impressão de enterrar o PREC, promover o crescimento, expandir o Estado e afastar os demónios da esquerdização do país - um milagre que a cornucópia dos milhões da CEE e um módico de realismo na gestão do erário público, depois de mais de dez anos de loucura, engendraram.
Depois veio o Euro. E como nada mudou profundamente nem nas convicções do eleitorado, nem nas práticas de governo, nem nas clientelas e dependentes do Estado, e a tudo se somou o crédito fácil porque a dívida externa havia deixado de ser, na esclarecida opinião de, entre muitos outros, o celebrado Vítor Constâncio, um problema, aterramos na falência de 2011 - que só não teve lugar mais cedo porque as instâncias europeias estavam elas próprias, como ainda estão hoje, enxundiadas de constâncios de vária forma e feitio.
O país ficou desde então esquizofrénico: de um lado a esquerda comunista, a genuína e a do facelift, a primeira a defender a saída do Euro, sempre sem explicar de que forma é que o país se financiaria depois, decerto porque tem uma solução à la Ceausescu, e a segunda a dizer umas coisas ternas que implicam que os países credores passem a ser governados por gente da estirpe de frei Anacleto; no meio, a esquerda socialista a defender precisamente as mesmas políticas que conduziram ao desastre, numa versão mais palatável para os credores, e confiante em que os países do Sul acabem por impôr ao Norte a política do gaste agora e pague num dos próximos séculos; e do outro a direita, confiante em que as instâncias europeias exijam ao eleitorado português o juízo que este não tem, porque o dinheiro é deles, e nosso é apenas um modo de vida que não temos meios para sustentar.
É neste caldo que cai a notícia do Brexit. E, pelas razões erradas, uns se confessam a favor e outros contra. Isto na opinião publicada, que a pública está naturalmente preocupada com as verdadeiras condições físicas de Moutinho, o estado de espírito de Ronaldo e a possibilidade de tirar uma selfie com Marcelo.
A esquerda comunista gosta, oficialmente porque o povo falou e, desta vez, falou bem, na realidade porque a UE capitalista sai enfraquecida e se quebrou o tabu da irreversibilidade da permanência.
A esquerda socialista detesta: o fonds de commerce do PS sempre foi o Serviço Nacional de Saúde, o sistema de pensões, a obra pública, o Estado pletórico, o Euro, o crédito barato, os fundos de coesão, os boys, a retórica (e os proveitos) da Europa Connosco, e a esperança de que um dia nos Estados Unidos da Europa houvesse um mecanismo permanente de transferência dos ricos para os pobres, com o louvável propósito de ficarem estes igualmente ricos e, entretanto, se sustentarem todos estes avanços civilizacionais. Isto para não falar dos prémios de carreira oferecidos pelo Parlamento Europeu a políticos particularmente dotados, dos excelentes lugares que a burocracia reserva a gente empreendedora albardada de diplomas, das numerosas oportunidades de lobbying, e das avenidas abertas por fundos públicos para as mais diversas, e generosas, oportunidades de corrupção e negociatas. O Brexit estraga este suave arranjo, por pôr a nu o facto incontornável de, algures numa Europa unsufferably variada, haver eleitorados que prezam ideias ultrapassadas como quererem responsabilizar os seus eleitos directos pelas decisões que tomam, não admitirem escolhas, tomadas por estrangeiros, que afectem as suas vidas, não aceitarem a prevalência do direito comunitário, quererem ter uma palavra decisiva sobre política externa, acordos comerciais, fiscalidade, banca, tratamento a reservar para imigrantes, comidas e comportamentos, incluindo a capacidade dos autoclismos e a vida de todos os dias - que os técnicos do Estado Central Bruxelense regulam de forma superiormente competente, decerto, mas em obediência ao estúpido princípio de que one size fits all.
O PSD, suposto que haja apenas um (o que é discutível: o de Passos Coelho não é certamente o mesmo partido que o de Manuela Ferreira Leite ou do intelectual Pacheco, o qual pouco terá a ver com o Presidente dos afectos) diverge muito do PS sobre o que fazer na ordem interna, mas no que toca às relações com a UE a divergência reduz-se à escolha do método para espremer a teta europeia: o PSD quer ser um bom aluno e o PS um aluno aldrabão, mas muito temperamental e simpático. No PSD, portanto, o Brexit não caiu bem: não há por lá falta de federalistas, que entendem estarem as instâncias europeias recheadas de cérebros das melhores extracções, que no Parlamento Europeu se reúne a fina flor dos democratas europeus, e que aquela parte, de resto infelizmente crescente, de eleitores xenófobos, retrógrados e reaccionários, em vários países, é apenas uma vaga passageira, assustada com os imigrantes, a globalização e a modernidade, que se pode conter com algumas cedências, à espera que morram ou diminuam - são sobretudo velhos, desempregados, desapossados e gente sem formação.
Uma parte do CDS gostaria de ser independentista, e outra não morre de amores pela Europa socialista, nem por quaisquer socialismos de toda a pinta, mas o país deixou há muito de ter até mesmo aquele pequeno grau de autonomia que podem ter os pequenos países, se não dependerem de credores. E vai por isso mantendo a chama acesa de algum conservadorismo em questões sociais, à espera de melhores dias, almejando no intervalo chegar ao Poder com o recente parceiro, cuja ocasional deriva socialista quer moderar.
Temos então que o país oficial não vê o Brexit com bons olhos. E os meus concidadãos, dos quais falava a princípio? A minha suspeita é que se estão nas tintas: há muito tempo que o reformado se preocupa com a sua pensão, o funcionário público com o seu lugar, o empregado com o seu emprego, o doente com a data da consulta ou da operação, alguns pobres ou ciganos com o RSI, os desempregados com o tempo que falta para acabar o subsídio, os empresários com as empresas, o sem-abrigo com a próxima refeição e todos com o Campeonato Europeu. Intuem confusamente, com razão, que o que conta para o país não se decide cá, que na dúvida é melhor apoiar quem lhes põe alguns euros no bolso, mesmo que poucos, e que entre uma gente sorridente que lhes promete um futuro radioso em que não acreditam e outra sombria que lhes promete sangue, suor e lágrimas já a seguir, mais vale ir pelos primeiros - pode ser que dure. Quando for preciso virar o bico ao prego, cá estarão: ninguém votou no eng.º Sócrates, não é verdade?
Com o que se passa nas Ilhas Britânicas preocupam-se os emigrantes lá, que supõem que o fim da livre circulação de trabalhadores os pode prejudicar. Pode, de facto, se as autoridades locais resolverem auto infligir-se danos. Há sinais disso? Não vejo. E também não vejo que nas negociações de saída não seja possível salvaguardar os interesses dos trabalhadores portugueses - já lá vamos.
Restam aquelas pessoas que se dão ao trabalho de pensar a UE, o nosso país e o futuro. Deixemos de lado os comunistas, e o arco-íris do BE - essa gente não conta, por muito barulho que faça e muito espaço que ocupe na comunicação social: uns comem consabidamente crianças ao pequeno-almoço e outros são uns espécimes suspeitos que nem têm a competência que o eleitor imagina ao PS para gerir o Estado Social nem a do PC para revolucionar. Se a uns acabarem com a chupice dos sindicalistas e a clientela das câmaras do Alentejo e a outros fecharem os cineclubes, as cervejarias, as manifestações gay e contra os toiros de lide - apagam-se.
Deixemos de lado também a gente enfarinhada nos restantes partidos: conquistar e conservar o eleitorado e defender ao mesmo tempo ideias escorreitas é tarefa que em Portugal é ainda menos possível do que noutros lugares: o dr. Medina Carreira andou anos a dizer que o país ia bater na parede, como bateu, e a verberar a classe política por não dizer a verdade, sempre lhe tendo escapado o detalhe óbvio de que, se fosse candidato a alguma coisa, a verdade dele teria ainda menos votos do que os recolhidos pelo seu amigo Henrique Neto nas presidenciais. O que diz a gente dos partidos é o que cada partido acha, em nome da táctica eleitoral, que se deve dizer - e está bem assim porque um partido não é uma associação de suicidas nem um grupo de escuteiros.
Mas a quem não é de esquerda, não papagueia linhas de partidos, e não é federalista, tenho ouvido coisas extraordinárias: que a saída do Reino Unido implica a secessão da Escócia, e talvez do País de Gales; que o Reino Unido, sozinho, perderá influência no mundo; e que foram os velhos, e não os jovens ambiciosos, modernos, aguerridos e desempoeirados, os responsáveis pela vitória do Brexit.
Comecemos pelo fim: a ideia de que os jovens, e nunca os velhos, têm razão, filia-se não sei em que estranha análise sociológica. Acaso foram velhos que levaram o partido Nazi, ou Mussolini, ou os Bolcheviques, ao Poder? Aquele jovem com aspecto de tísico que lidera o Podemos é mais lúcido do que Rajoy, cuja barba está semeada de brancas? E não está entre nós a bancada do BE estrelada com umas jovens, e uns moços, dos quais é legítimo suspeitar que têm, entre as orelhas, uma forte corrente de ar, e não foi sobretudo gente nova urbana que os escolheu?
O Reino Unido foi sempre, nas instâncias europeias, a pain in the ass, e sempre negociou cedências e excepções. Mesmo assim, e para quem não puder com Nigel Farage (um político que em Portugal é tão conhecido, e tão divulgado, como o governador do Delaware, não obstante as suas frequentes intervenções no Parlamento Europeu, o tal que os europeus conhecem e os representa) basta acompanhar Daniel Hannan para perceber as razões de queixa que pode ter quem não tem para com o seu país a mesma atitude de desdém que nós justificadamente temos para com o nosso.
Sobre a influência do Reino Unido no mundo talvez seja útil lembrar que a União Europeia se tem distinguido, precisamente, por não a ter: nenhuma guerra começou ou acabou, dentro e fora da Europa, por causa da UE; assim de repente não sou capaz de dizer como se chama a senhora ministra dos Negócios Estrangeiros da UE, se é que ainda é uma senhora; e nem o problema dos refugiados (os autênticos, não os imigrantes económicos) a UE consegue resolver, porque para a solução das guerras que lhes deram origem a UE contribui com declarações, mas não com o Exército que não tem nem, salvo na cabeça de alguns alucinados, virá a ter.
E não será despiciendo lembrar o que o Reino Unido pode ganhar comercialmente não estando na UE, já que não falta quem enumere o que pode perder. Ver aqui.
Resta a secessão. O argumento segundo o qual seria necessária a unanimidade dos 27 países para admitir na UE uma Escócia independente, e que a Espanha nunca concordará, por causa da Catalunha, é pouco convincente. Uma UE vingativa decerto encontraria formas imaginativas de punir o eleitorado inglês pelo atrevimento, contornando a objecção espanhola. E por isso cabe perguntar: deve a UE ser vingativa, como por esta desastrada iniciativa se percebe, ou pela grotesca ideia de eliminar o inglês das línguas de trabalho (a benefício, supõe-se, do esperanto), ou pelas insolentes declarações de Juncker, o liliputiano apparatchick europeu que já conseguiu o prodígio de fazer Durão Barroso parecer um estadista?
Não, não deve - punir eleitores pelas escolhas democráticas que fazem é coisa que pertence ao destino, se as escolhas forem erradas, não é castigo que uns eleitos (mesmo que o fossem: a legitimidade de Juncker, Tusk e Schultz é uma construção ficcional) possam impôr a outros, porque não existem uns de primeira e outros de segunda: os totós a que me refiro no início deste post são-no de facto, na minha opinião, mas não têm menos legitimidade do que a minha na hora de votar.
A vingança é má conselheira, e é-o mesmo do ponto de vista dos interesses de quem a exerce: a liberdade de circulação de bens, capitais e pessoas (pessoas, entenda-se, originárias e naturais do espaço europeu, e liberdade de circulação, não liberdade de aproveitamento de benefícios sociais), que devia ser a pedra angular da UE, não foi a razão pela qual tantos ingleses votaram pelo Brexit - mas sim o furor legislativo, anti-identitário e supra-nacional. E o acordo de saída a que se vier a chegar deveria assim, pelo menos, não apenas ser semelhante ao que regula as relações com a Noruega ou a Suiça, mas mais europeísta, na medida que o governo inglês o deseje e entenda ser do seu interesse. O argumento segundo o qual os ingleses não podem ter os benefícios do mercado único sem terem os custos é, além de repugnante, estúpido: a liberdade de comércio, bem como quaisquer outras liberdades mutuamente reconhecidas, funciona a benefício das partes.
É porém duvidoso que venha a acontecer: os europeístas foram sempre, como todos os construtores de impérios, uma malta arrogante, fiados na superioridade das suas crenças e na inevitabilidade da realização das suas engenharias de pátrias; ao mesmo tempo que os eurocépticos foram sempre uma tropa prudente, desconfiada de avanços bruscos em nome de ideias redentoras e de terraplanagens de passados históricos, que não existem menos por serem mal conhecidos e mal interpretados.
A ironia triste de tudo isto é que os eurocépticos merecerão, provavelmente, ficar como os verdadeiros europeístas, porque sempre tiveram a ideia de que a Europa que vale a pena tem tantas formas geométricas quantos os graus de harmonização que os países que a integram livremente quiserem; que a liberdade de comércio faz mais pelo entendimento entre os povos do que todos os tratados; e que a interdependência é uma inevitabilidade do acelerar dos meios de comunicação e do progresso tecnológico, não alguma coisa que uns burocratas pagos a peso de ouro possam decidir no silêncio dos gabinetes, presenteando depois os cidadãos com as suas decisões democráticas.
Esta Europa possível, da qual o Reino Unido não se teria evadido, já existiu, e chamava-se CEE. É certo que os “pais fundadores” inscreveram nos tratados a superioridade do direito comunitário, com isso plantando o vírus que destruiria a prazo o edifício. Mas não era inevitável que, sem tanto euro-entusiasta, se tivesse chegado a Maastricht.
Porque Maastricht e o Euro são possivelmente a razão porque o acordo com o Reino Unido não será um bom acordo. Explico: é hoje mais ou menos pacífico que a moeda única implica políticas orçamentais e fiscais unificadas, ou seja, mais integração; a pulsão para essa integração ser extensiva aos países que não estão no Euro será permanente porque não o fazer implica a existência de uma Europa a duas velocidades, uma ideia antipática para o monolitismo da burocracia; um bom acordo com o Reino significa na prática que este ficaria na CEE renascida, 19 no Euro e 8 na UE sem Euro - três europas, portanto. Acresce que o possível sucesso do Brexit sinaliza àqueles que não estão no Euro, e que por isso teriam mais facilidade em sair, que a permanência não será talvez a melhor das escolhas. Isto, por sua vez, reforçaria a convicção de que o Euro é uma espécie de núcleo duro da UE, o que choca com eleitorados crescentemente cépticos e que querem menos, e não mais, integração.
A tentação será assim grande de punir os ingleses, não tanto por eles mas, sobretudo, pelos que ficam, para não lhes dar ideias.
São previsões, hipóteses e lucubrações - a possibilidade de falhar é sempre maior do que a de acertar. De adquirido temos que a face risonha da União Europeia, a versão não-comunista do amanhã cantante, está desfigurada com a falha de um incisivo que caiu, vendo-se agora melhor as cáries que havia lá para trás; que o Euro, uma invenção de economistas patetas e políticos visionários, consegue ser um problema até mesmo para quem nele não participa; e que o cerrar fileiras que a burocracia imperial pode ter a tentação de fazer não deixará de confirmar aos velhos, aos ignorantes, aos retrógrados, aos timoratos, aos xenófobos e a todos que, em vários países, que não o nosso, não são nada disso mas confiam pouco nas ideias que os bem-pensantes propalam, que é sempre possível mudar.
Talvez os assessores do António Costa receiem que a popularidade estratosférica do presidente Marcelo, baseada na sua capacidade de construir "afectos", na simpatia natural e na piada fácil e carregada de inegável sentido de humor, lhe possa vir a fazer sombra se um dia a relação esfriar, e acreditem que a relação há-de esfriar, e talvez lhe tenham aconselhado a ser também afectuoso e engraçado? Talvez lhe tenha saído da sua própria cabecinha que consegue ser engraçado e vale a pena aumentar a sua popularidade à custa do humor que Deus lhe deu?
A verdade é que, de há uns tempos para cá, o primeiro-ministro tem vindo a desempenhar quase diariamente números de stand-up.
Começou pela oferta pública ao presidente, durante o fim-de-semana idílico e cúmplice que mantiveram em Paris, e eles terão sempre Paris, de um postal do quadro "O salto do coelho" do Amadeo de Souza Cardoso, acompanhado da explicação "Há uns que saltam, outros não", não fosse o presidente ser incapaz da atingir sem ajuda a piada da coisa, baseada, e eu presto aos leitores o serviço público de a explicar, na vaca voadora e no apelido do líder da oposição. Coelho, voador. Percebem? As comitivas riram-se, as comitivas riem-se sempre, quanto mais não seja por passarem uns dias a passear em Paris à custa dos contribuintes, mas o presidente não se chegou a rir. Coitado, o preço de manter relações de cumplicidade com morcões é encorajá-los a partilharem as suas anedotas, e ter que as ouvir.
Seguiu-se, no São João passado no Porto, o remake do lançamento do microfone da CMTV pelo Cristiano Ronaldo, em que o folião do primeiro-ministro pegou, mas não chegou a lançar, o microfone, e explicou, e a explicação ajudou a esclarecer quem não conseguisse atingir sem explicação o alcance da piada, que "Isto afinal lança-se bem, não é preciso muita força", e a comitiva, como não podia deixar de ser, riu-se.
Não se dando ainda por satisfeito com a exibição de tanto humor, ou encorajado pelo sucesso junto da comitiva, chegou às jornadas parlamentares do PS nos Açores e decidiu brincar com o Brexit, desta vez com uma estatística que não teria ficado deslocada ao Américo Tomaz que, no entanto, em parvoíce, estava longe do que se faz hoje em dia, que os tempos eram outros, com a piada "Agora que a Europa vai perder algumas ilhas atlânticas, há 13 ilhas atlânticas que só Portugal pode dar à União Europeia", que desencadeou, naturalmente, risos na comitiva.
Não se sabe se, satisfeito com o sucesso, hoje repetiu a piada em Bruxelas, aos ingleses e aos europeus. Se repetiu, só há uma coisa certa nesta vida: a comitiva riu-se.
Só há uma coisa que os assessores se esqueceram, ou não tiveram coragem, ou tempo, de lhe explicar. É que o exercício do humor exige cultura, inteligência, rapidez de raciocínio, capacidade de contar em simultâneo histórias diferentes se vistas de pontos de vida diferentes, de ironia, de surpreender o receptor. Qualidades que ele, "vamoláver", na sua figurinha de brutamontes que nem consegue articular frases completas em português corrente, não tem. No esforço por acompanhar o palhaço rico, não consegue fazer melhor do que fazer figura de palhaço pobre. Mas está bem assim, que é isso que se quer.
E, do mal o menos. Podia ser bem pior se ele se sobre-entusiasmasse com as competências no bailado, que certamente lhe vêm dos anos no Conservatório. Não percamos a esperança que ele se mantenha no ramo do humor.
"Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador.", disse o presidente Cavaco Silva na Comunicação ao País do dia 22 de Outubro de 2015 em que indigitou como primeiro-ministro o vencedor das eleições de 4 de Outubro Pedro Passos Coelho.
Foram, nos mais de 20 anos de desempenho de funções institucionais ao mais alto nível, como ministro das finanças dos governos da AD, depois como primeiro-ministro de governos de maioria absoluta e com mais de metade dos votos do PSD e, finalmente, como presidente da república, cargos que sempre desempenhou sem ter procurado construir "afectos", nomeadamente com os políticos, jornalistas e comentadores que pensam que fazem a opinião pública, as palavras mais odiadas por todos eles. Até o Pacheco Pereira, zombie que politicamente regressou da clandestinidade anti-fascista ao mundo dos vivos pela mão do cavaquismo, ficou danado e decretou que tudo o que corresse mal a partir daí seria consequência deste discurso. E correu, está a correr, e há-de correr ainda pior.
E odiaram-no porque estava carregado de razão.
As posições antieuropeistas do PCP são demasiado conhecidas e demasiado coerentes com toda a história de luta política do partido para as repetir aqui. O projecto europeu surgiu para travar a expansão do comunismo através da democracia e da prosperidade, e eles sabem disso, e nós sabemos que eles sabem.
Já o BE, apesar das origens na esquerda mais radical inspirada em modelos de sociedade como os da China maoista ou da Albânia enverhoxhista, quando não do Camboja khmer, que para se distinguirem do revisionismo soviético elevaram a extremos a barbárie baseada no fanatismo ideológico, vestiu como o Podemos, ou o Pacheco Pereira, a pele de "social-democrata", e tem sempre afirmado que todas as posições de defesa de confronto com as instituições europeias as toma em nome de uma Europa melhor e mais democrática. Ou, por outras palavras, enquanto a UE nos pagar para termos a ilusão de sermos mais ricos do que realmente somos, o BE é europeísta. Mas Convenção do BE decorreu debaixo de uma forte euforia, provocada pela conjugação do referendo do Brexit, que o BE tem esperança de constituir um passo determinante para a desagregação da UE, e das encuestas espanholas, que colocavam a coligação do Podemos, da Izqueirda Unida e do método de Hondt, em segundo lugar nas eleições à frente do PSOE, fazendo dela o maior partido de uma possível coligação da esquerda, com a possibilidade teórica de o Pablo Iglésias vir a ser indigitado como primeiro-ministro de um governo de maioria de esquerda. E a euforia deu-lhes o sentido de urgência e de invencibilidade necessários para mostrar o jogo.
E o que tinham nas cartas?
No fundo, o que defendem é mesmo a saída de Portugal de circulação, o que é amplamente provado pelos aplausos que dispensaram aos demolidores da CGTP ou da Fenprof.
Infelizmente, para eles, porque quem mostra as cartas sem poder assegurar as vazas que reclama é obrigado a jogar o resto da mão com as cartas à mostra e a sujeitar-se a não conseguir cumprir o que exigiu, e faz figura de parvo, a euforia foi prematura. A Europa parece ter, tanto em países periféricos como Portugal, como no próprio centro das grandes decisões europeias da actualidade, a Alemanha, estadistas capazes de gerirem o Brexit sem deixar de respeitar os múltiplos interesses comuns da UE, e dos cidadãos comunitários, e do Reino Unido, e dos seus cidadãos. A implosão é um sonho de sempre de alguns, mas parece muito longe de se poder concretizar. E os resultados das eleições espanholas, não apenas não deram ao Unidos Podemos mais votos que ao PSOE, como anularam com uma redução de votos a vantagem de mandatos que o método de Hondt poderia ter dado à coligação de extrema-esquerda, como consolidaram a vitória de Dezembro do PP sem enfraquecer o PSOE, ou seja, reforçaram o bipartidarismo. A ejaculação foi precoce, mesmo que a semente tivesse lá todo o DNA que eles têm para transmitir.
Além de, e uma vez não são vezes, mas há limites que são para não deixar ultrapassar, o presidente Marcelo, pela segunda vez, ter largado a sua posição de afecto permanente com a maioria que apoia o governo, e se se ter sentido obrigado a esclarecer pela segunda vez (a primeira tinha sido a propósito da nobreza solidária do trabalho voluntário) os bloquistas que a afectividade tem limites, e as decisões de convocar referendos são da exclusiva responsabilidade do presidente, que não tem obrigação de lhes aceitar sugestões, e não do parlamento nem do governo, onde o presidente não coloca qualquer obstáculo às sugestões que eles façam e sejam aceites.
Posto isto, quem nos defende do ímpeto furioso e antieuropeísta do PCP e do BE oportunamente denunciado pelo presidente Cavaco? Os palermas da ilustração. Estamos em boas mãos.
O Reino Unido tem para a troca um primeiro-ministro que vinha de férias a Aljezur, viajava na Easy-Jet, e ganhou todas as eleições a que concorreu desde que começou a liderar o seu partido, mas se demitiu por ter perdido um referendo. Moço bem parecido, mesmo de t-shirt, calções e mocassins, e europeísta convicto, mas que nunca cedeu um cêntimo dos contribuintes britânicos à voracidade da máquina de gastar dinheiro de Bruxelas.
Portugal, em troca, ganhou um primeiro-ministro que passa a vida em Paris como emplastro da Selecção, viaja de Falcon, perdeu todas as eleições a que concorreu desde que lidera o partido, e só sai se for corrido à paulada. Moço burgesso, mesmo de casaquinho de basebol no banco de trás de um Falcon, fala grosso sobre Bruxelas e tem na manga a interpretação inteligente dos tratados, mas acaba por comer tudo o que põem no prato.
Discussões sobre a União Europeia, o Euro e o Brexit são, em Portugal, inúteis, porque o terreno está minado e ninguém, ou quase, tem outras opiniões que não sejam as dos seus interesses próximos.
O que se chama a direita, isto é, o CDS e o PSD, conta com as instituições europeias para impôr ao governo do dia algum equilíbrio nas contas. Sem este garrote, nada, a não ser a falência, impedirá a geringonça de pagar promessas com o dinheiro que o país não tem, mas que o BCE disponibiliza, mesmo que elas fiquem aquém do prometido.
O PS, que com Costa parece, mas na essência não é, igual à esquerda do PREC, conta com a solidariedade europeia, tenha ela a forma que tiver, para manter o exército de funcionários públicos, reformados, boys, empresários amigos e eleitorado, até ao dia em que possa ganhar eleições, após as quais aplicará o programa que as instituições europeias impuserem, mesmo que com isso a geringonça se estraçalhe.
A parte do eleitorado que não é cativa da esquerda está agradavelmente surpreendida porque com o governo actual as previsões, às quais ninguém liga, são todas más, mas o presente é melhor do que nos tempos da troica - ao contrário desta, em cuja vigência as previsões passaram a ser surpreendentemente boas a partir da fase terminal do programa, para um presente que continuava igualmente mau - pelo que vai dizendo para os seus botões que enquanto o pau vai e vem folgam as costas.
O PCP conserva e reforça o seu poder nos sindicatos, na maquinaria do ensino, na comunicação social, nas autarquias, na Justiça e na sociedade - nada mau para um partido que seria em qualquer outra sociedade desenvolvida uma curiosidade histórica. E mesmo que defenda a saída do Euro, e que provavelmente seja favorável ao Brexit, por ver enfraquecida a UE (esta pode vir a ser muitas coisas mas comunista não), nem por isso se dá a grande trabalho na defesa destas suas damas, porque elas não são populares.
O BE, a despeito das aparências, e para lá das causas fracturantes, não existe. De resto, por muito que as nossas sociedades sejam governadas pelos humores de uma opinião pública que pede a felicidade, o bem-estar, a segurança e o progresso ao Estado, por acreditar que esse Estado são os outros, e por muito que as universidades e a opinião publicada atordoem os ares com versões politicamente correctas do marxismo, não se chegou ainda ao ponto de levar excessivamente a sério uma agremiação de moços e moças moderninhos, o mais das vezes simpáticos, o mais das vezes inócuos, revolucionários de café que seriam cilindrados pelos seus primos comunistas se um dia houvesse a revolução que pretendem fazer por via legislativa.
A população acha confusamente que essas coisas de que falam na televisão, a dívida pública, a falência dos bancos, a dívida externa, o défice e essas merdas são lá coisas deles - uma boa cambada de gatunos, por sinal - e que a Europa, de uma maneira ou de outra, resolverá. De resto, é para a Europa que os desempregados e os jovens emigram, e é de lá que vieram as autoestradas, o Serviço Nacional de Saúde, a liberdade, a democracia, os subsídios e a moeda forte. Portanto, que os bifes ponham a hipótese de saírem é mesmo coisa deles, que lhes faça bom proveito.
Os bifes - uma parte deles - acham absurdo que a soberania que pela história deles mora no Parlamento há séculos tenha sido transferida para Bruxelas e Estrasburgo, para as mãos de uns senhores que ninguém conhece, não respondem directamente perante ninguém, nem foram eleitos com programas que tivessem que defender perante quem suporta as consequências das decisões que tomam: democracia representativa OK, democracia de bastidores ou num Parlamento com múltiplas traduções simultâneas, recheado de foreigners com origens, histórias, percursos, convicções, ideias sobre o que todos os países devem ser - não.
Uma parte dos bifes. Que parte? Isso só saberemos logo à noite, que as sondagens dão empate.
Para mim, e mesmo que perca, será sempre a parte melhor. Porque se em nome de razões de índole económica, mesmo que essas razões fossem, o que não é o caso, de betão, se abre mão do direito de escolher directamente quem nos governa, podemos estar a falar de um regime qualquer - democracia não é certamente.
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