Um homem feminista é uma espécie de contradição nos termos. É o que aqui se defende, e eu concordo.
A este texto da Maria João Marques, que subscrevo por inteiro, talvez não devesse por isso acrescentar nada, de mais a mais uma reflexão pessoal com poucas hipóteses de pacífica. Mas não resisto.
Pergunto-me se a maioria das pessoas já cogitou das razões pelas quais as nossas sociedades são monogâmicas. É que a capacidade de gerar filhos é muito superior nos homens do que nas mulheres: elas, coitadas, só podem ter um filho de cada vez; e nós poderíamos engendrar não um em cada ano mas, teoricamente, para cima de uns duzentos, mesmo com abstenção aos sábados e domingos, desde que houvesse vontade e mulheres disponíveis, donde a razão pela qual cada um de nós não tem pelo menos quatro mulheres é um tanto obscura.
Claro que não há mulheres disponíveis, pela óbvia razão de que, desde sempre, nos humanos, a fêmea contou com a ajuda do macho para criar o rebento, e portanto não lhe convinha que houvesse outros 199 a reclamar a ajuda do pai. Isto do ponto de vista dela. Mas do ponto de vista dele a situação não era uma de inteira liberdade: se o número de machos e fêmeas é sensivelmente igual, um "dono" de três ou quatro mulheres, e por maioria de quarenta ou cinquenta, significa dois ou três ou quarenta e tal sem mulher nenhuma, que só pode portanto ser obtida raptando numa tribo vizinha, ou na mesma, liquidando o anterior marido, sob pena de abstenção - de sexo e descendência.
Isto significa que a monogamia foi um estatuto inventado para garantir, ainda antes de se cogitar de coisas modernas como a igualdade de direitos entre os sexos, a paz.
A burqa é o testemunho físico de uma realidade social arcaica, não sendo coincidência o facto de ser típica de sociedades poligâmicas: as mulheres que as usam (salvo as inevitáveis excepções, em se tratando de pessoas há sempre excepções) poderiam com igual propriedade usar, além da burqa, grilhetas porque o propósito é diminuir a atractividade perante homens diferentes dos legítimos proprietários.
Daí que estas infelizes mulheres tenham uma autonomia e liberdade inferiores às dos homens adultos da sua família, em obediência às tradições e crenças da sua comunidade. No Ocidente achamos, depois de um longo percurso semeado de lutas e violências, percurso que aliás ainda não chegou ao seu termo, que mulheres e homens têm os mesmos direitos.
A burqa não é assim uma moda nem apenas um símbolo religioso ou social, é uma limitação física à liberdade das mulheres, dado que lhes nega o direito a serem vistas. Fosse eu intelectual, esquerdista ou sociólogo - não sou, graças a Deus, considero-me uma pessoa normal - e diria que a burqa coisifica irremediavelmente as mulheres.
O Governo Francês quer proibir este estado de coisas? Faz muito bem e não é jacobino por isso - é apenas legalista e realista. Legalista por impor a igualdade dos cidadãos perante a Lei e realista por sinalizar a uma comunidade que a defesa da identidade cultural e religiosa dela não pode fazer-se ofendendo as leis da terra.
Daí que, afinal, talvez o assunto seja menos um de feminismo e mais outro de direitos humanos: defender a liberdade não pode ser defender a liberdade de oprimir.
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