Costa é um sobrenome fatal: O avô do salazarismo foi Gomes da Costa, como líder do 28 de Maio; e Costa Gomes foi uma equívoca rolha política que uns acham poupou o país a uma guerra civil no 25 de Novembro; e outros que permitiu a incrustação no aparelho de Estado, e nas instituições, do PCP - que dura até hoje.
Do Costa, actual e provavelmente efémero primeiro-ministro, é melhor nem falar: em nome da sua sobrevivência política alcandorou-se ao lugar que não ganhou em eleições, pelo expediente de se aliar a estalinistas e radicais okupas, com isso pondo em risco o futuro do seu partido de sempre; criou um precedente que altera, com a mesma Constituição, todos os arranjos de governo futuros; e trouxe para a esfera do Poder gente que vai aprofundar o pendor esquerdista do país, com isso reforçando a dívida, o atraso económico e os sacrifícios e dores que um dia outros terão que fazer para voltar a dar à gestão da coisa pública um mínimo de sanidade. Tudo em nome da gloríola de acabar a carreira como PM, em vez de como mero presidente da câmara de Lisboa, onde aliás se distinguiu por complicar o trânsito, aumentar as taxas, deixar intocado o monstro burocrático e fazer discursos de circunstância numa prosa chula.
O "Governador" do Banco de Portugal, outro prócere marcado com aquele sobrenome maldito, que tem uma marcada inclinação para dizer banalidades pomposas ou asneiras, fez umas declarações que merecem atenção, agora que exerce um segundo mandato como prémio por ter falhado clamorosamente no primeiro. Pediu ele que se acelerem "rapidamente" os trabalhos de construção da União Bancária europeia, porque o facto de esta estar “em construção” gera uma “esquizofrenia entre quem toma as decisões e quem paga e dá a cara por elas".
Está é claro a falar do desastre BES e do escândalo BANIF. Sobre o BES escrevi, por exemplo aqui, o que me parecia, que era o que não parece a quase ninguém; e sobre o BANIF, para já, ainda se espera perceber o que se passou, para que logo que fique claro que foram ordens da Europa as hostes se ordenem classicamente - de um lado a chamada direita porque na Europa dos credores a dominante não é o delírio da tontaria socialista; e do outro a esquerda comunista porque é nacionalista pela mesma razão de Estaline - socialismo num só país, se não puder ser nos outros - e o PS, que pendurará as despesas no peito do governo anterior, enquanto o BE dirá coisas indignadas, como diz sempre.
Infelizmente, a principal esquizofrenia não é a que Costa aponta: é o país oficial encarar com tranquilidade a perspectiva de, agora que já não tem moeda, deixar também de ter bancos; e acreditar, nisso como em tantas outras coisas, que estrangeiros farão por nós o que não formos capazes de fazer por nós mesmos.
Carlos Costa tem uma longa carreira de bancário, político (nesta capacidade na variedade não-eleita, que é a que o eleitorado português mais respeita), académico e economista. O malogrado ministro Teixeira dos Santos (que presidiu ao descalabro que originou a vinda da troica, ao serviço de Sócrates) escolheu-o para substituir o oráculo Constâncio que, depois de garantir que a dívida externa não era um problema desde a miraculosa adesão ao Euro, foi para Frankfurt iluminar os pares com a sua lucidez, competência e impecáveis credenciais de socialista, europeísta e economista.
Foi uma boa escolha, ainda que, depois de Constâncio, fosse praticamente impossível fazer escolhas más. O que se requer hoje de um governador do Banco de Portugal é que tenha credenciais académicas na área das finanças ou economia, boa presença, algum domínio do inglês, um bom alfaiate e, agora que o BdP é uma sucursal do BCE, fortes sentimentos de irmandade com a burocracia europeia.
Costa tem tudo isto, e mais: trabalhou em bancos, e não é impossível imaginar que tenha falado com uns quantos empresários, ainda que apenas dos graúdos.
Porém, a maneira como lidou com o caso BES, deixando apodrecer as coisas muito para além do razoável, e tranquilizando as pessoas quando a situação já fedia, está para além, muito para além, do tolerável. Por muito que o respeitável público se sinta gratificado com a desgraça dos Espírito Santo, e indiferente aos poucos milhares de ricos que perderam parte ou totalidade dos seus pecúlios, os danos para a economia excedem e excederão em muito o benefício transitório da inveja virtuosa confortada nos seus preconceitos: foderam-se, é bem feito!
Não fosse estar bem acompanhado na cegueira, e na verbosidade incontrolável, e mereceria que quem de direito lhe sugerisse que, doravante e até ao fim do mandato, se disfarçasse de corrente de ar, limitando-se, quando não pudesse evitar perguntas, a responder com generalidades piedosas.
Mas não. Não apenas não se remeteu ao discreto silêncio que a sua gigantesca argolada mais do que justificava como resolve agora insultar aquela parte da população que todos os dias se vê esbulhada do que com esforço angaria porque, entre outras razões, tem que sustentar os Costas deste mundo.
Nem me vou dar ao trabalho de argumentar com custos de contexto, tradições culturais, triunfos recentes de empresários que fizeram renascer sectores inteiros dados pelos entendidos como moribundos, fiscalidade predatória e sufocante, incentivos que as escolhas políticas deram ao desinvestimento na produção de bens transaccionáveis, e toda uma parafernália de outras coisas.
Apenas formulo o voto de que o próximo governador seja mudo e, de formação, médico ou arqueólogo. É melhor, sobre economia, não ter nada na cabeça do que ter asneiras e falta de educação.
Se fosse convidado pela Caritas a pronunciar-me sobre o problema do cancro da próstata, confessar-me-ia preocupado com a incidência do fenómeno, não porque acredite que o problema tem sido descurado, mas por defender que não deve ser objecto de descaso.
Isto sem esconder que esta é uma matéria para o plano médico, não para mim que estou mais virado para fabricar frigoríficos, ainda que não deixe de avisar que se o problema não for encarado fica por resolver.
Adiantaria ainda que, sem prejuízo do que antecede, o assunto em apreço me lança num estado de grande aflição, pelo que defendo mecanismos que mitiguem o impacto do processo de tratamento.
Para mim, é evidente que há pessoas, umas mais velhas e outras nem tanto, que vão sofrer um tratamento radical sem retorno, o que obriga à criação de condições para que possam retornar.
E, dever cumprido, creio que mereceria o aplauso de quem, com a atenção que mereço, me estivesse a ouvir.
Isto diria eu, se ganhasse a vida a dizer coisas.
- Sr. Fulano, o que são shrimps?
- São camarões, porquê?
- Porque táqui um mail do xxxxx que quer saber se temos um móvel próprio para expôr isso.
- Ah, e não respondeste, então?
- Não, o Sr. sabe perfeitamente que me falham algumas coisas em Inglês.
- Tou a ver. És correspondente de línguas estrangeiras mas falham-te algumas coisas. Fazes-me lembrar este.
- Isso queria eu. Que não falo pelos cotovelos, vou fazendo alguma coisa e não ganho fortunas.
- Deixa lá. Mas também não cais no ridículo.
O Governador do Banco de Portugal diz, com inusitada frequência, coisas. E valem a pena porque são, quase sempre, extraordinárias.
Vejamos a eructação mais recente: Há "evidência" de dificuldades de acesso de crédito por parte das empresas, mas acrescenta que neste momento a instituição ainda está a tentar perceber "o que se passa".
Também gostava de saber o que se passa na cabeça do Dr. Costa, porque o que se passa nas empresas não é difícil de perceber. Se eu constatasse a "evidência" de um problema tão grave como a falta de financiamento às empresas e tivesse a obrigação de o resolver, convocava os senhores dirigentes dos bancos e perguntava-lhes porque não emprestam; depois confirmava as informações e esclarecia-me das dúvidas; finalmente, tomava medidas, se tivesse competência para as tomar, ou propunha-as a quem de direito. O que não vinha era para a praça pública confessar ignorância e revelar impotência.
Mas, magnânimo, dou umas dicas: imagine, Dr. Costa, que o Estado não paga o que deve, por exemplo no âmbito do IVA; e que uma empresa deixa, por causa disso, de pagar a um banco, dado que a alternativa é não pagar a um fornecedor que não dá crédito por causa do "risco País". E que o que o banco lhe debita pela mora, mediante o expediente de a considerar descoberto na conta DO, é, com autorização sua, Dr. Costa, 25 ou 27%. Não sei se está a ver o quadro - depois ainda é preciso produzir, e exportar, e dar crédito ao cliente - só estou a levantar uma pontinha do véu, que eu ganho mal pelo meu trabalho bem feito, enquanto o Amigo ganha bem pelo que faz mal ou nem faz de todo.
Mas a inutilidade palavrosa e a ignorância contumaz a gente atura - nenhum pequeno empresário exportador espera realmente que um membro da elite dirigente da coisa pública, ou da Academia, a começar pelo Presidente da República, passando pelo Ministro das Finanças, dezassete catedráticos de Economia e acabando no adjunto do adjunto da Secretaria de Estado da Reforma da Contabilidade Fortemente Informática, saiba realmente do que está a falar quando fala de pequenas empresas.
Mas já é mais difícil aturar frases como esta: "O problema é que há empresas financeiramente inviáveis que perturbam a análise dos agregados monetários e análise de crédito".
Ou seja, traduzindo: as empresas financeiramente viáveis são as que não necessitam de crédito à tesouraria; uma vez eliminadas passa a haver grande abundância de crédito, e Costa fica assim dispensado de esmiuçar a embrulhada.
Costa, desculpa só ter para ti frases banais: Porqué no te callas?
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