Frank Sinatra foi o maior fadista de todos os tempos, foi ontem revelado. A informação colheria de surpresa os, ainda muitos, admiradores em todo o mundo do celebrado mafioso, se o Diário Económico fosse muito lido na América. Mas como não é, infelizmente, o caso, corremos o risco de a descoberta ficar entre as paredes de Alfama e as concorridas plateias que, de Monção a Odiáxere, aplaudem o colega de Frank.
Este artista que hoje assim nos encheu de orgulho pátrio não se alargou muito em considerações sobre a pesquisa que lhe permitiu chegar à surpreendente revelação. Nem por isso a entrevista deixa de ter o maior interesse, por Carlos do Carmo, com tocante sinceridade, confidenciar que:
"A única coisa que tenho e é terrível é: não compito.”
Ignoro quem será o louco que quer competir com gente do calibre de Sinatra, e não posso senão suspirar de alívio por Carlos não competir, ainda que semelhante sacrifício seja terrível. Aguenta, Carlos, fá-lo por nós.
“O público nunca me deixou. É de espantar.”
Realmente é de espantar, mas não será difícil, mesmo para pessoas pouco argutas, perceber: o público vai ouvir o cantor e este canta; se desse entrevistas no palco, é caso para dizer que outro galo cantaria.
“Fui numa idade em que a ditadura existia em Portugal e eu fui para um país livre. Lia os jornais. A Suíça é um país especial. A liberdade na Suíça tem muito que se lhe diga. Considero a Suíça um dos países mais policiais do mundo.”
A Suíça em que Carlos estudou, "num colégio alemão, o que teve muita importância para a minha [dele] personalidade", tinha de facto muito que se lhe dissesse, por ser um dos países mais policiais do mundo mas casar a abundância policial com a liberdade. Já Portugal, na mesma ocasião, tinha uma ditadura mas pouca polícia, o que se explica talvez, à falta de melhor, por, ao contrário da Suíça, não ter tradição no ramo do fabrico de relógios de cuco.
Carlos "aprendeu cinco línguas". E é em português de lei que nos diz, alto e bom som, que “quando virem os jovens na rua a sério, isto vai mudar”. Não que ele seja "ditador", isso nunca. Mas quando o Rui Veloso se juntar a ele "e aos outros" vão usar "a força que têm, que não é pouca".
Mudar para onde ou para fazer o quê ficou por explicar. Mas, à despedida - e ainda antes de acabar já estávamos com saudades - o fadista declarou: "Fidel Castro num dos discursos que fez disse uma coisa curiosíssima, que nunca mais esqueci: 'Não tenham medo da guerra nuclear, os ricos não querem morrer'. Aqui tem o meu optimismo".
Ah.
Ao fadista Carmo foi atribuído o prémio Tacky Latino, por mor de uma carreira em que pôs a sua inimitável voz ao serviço de um estilo em que se discernem afinidades com a canção francesa e a bossa nova brasileira - como se diz aqui, em artigo escrito evidentemente por pessoa com profundos conhecimentos musicais e ouvido apuradíssimo.
O prémio foi comunicado pelo presidente da academia, que aproveitou para dizer "coisas lindíssimas" sobre a vida de Carmo e o trabalho de Carmo, confidenciou o próprio, que se absteve modestamente, porém, de as revelar, decerto também por estar "estarrecido" com a distinção.
Esta modéstia é de resto uma das marcas distintivas do grande artista, tanto que os parabéns pelo prémio são devidos, opina Carlos, não apenas a ele, mas a nós.
Este "nós" é abrangente mas, infelizmente, não universal: a Câmara de Lisboa promoveu uma homenagem, a imprensa delirou, os pivots da televisão pivotaram, Jerónimo e o Belenenses parabenizaram, os três ex-presidentes da Républica, Eanes, Soares e Sampaio, apressaram-se a apresentar as suas felicitações, mas o actual nada - nem uma "mensagem privada", nicles.
Parece que Carmo, nos intervalos de cantar, tem opiniões. E ultimamente tem abundado em coisas gravíssimas que tem dito de Cavaco, culminando nas declarações que proferiu na mesma Aula Magna em que Soares e Pacheco Pereira brilharam à altura do palco: "Nunca me passou pela cabeça, depois de 40 anos de salazarismo, levar com este homem 20 anos. Um homem que é inseguro, inculto, medroso. E não interpretem isto como uma questão pessoal, não sou dado a questões pessoais".
Vozes de burro, às vezes, chegam ao Céu. Porque o ponto é precisamente este: não é uma questão pessoal.
As opiniões políticas do fadista são tão legítimas como outras quaisquer; o direito a detestar Cavaco, as teses de Cavaco, a acção política de Cavaco e as suas gravatas; ou a amar a sua gravidade, os seus discursos, os seus silêncios, as suas acções e omissões ou os seus cortes de fato - são direitos universais, não excluem comunistas, Pacheco Pereira ou sequer um representante da extrema-direita (punha aqui um nome, se conhecesse algum).
Mas, se todos temos direito a pensar, e dizer, de Cavaco o que entendamos, não tem este o direito de, no exercício das suas funções de representação da grei, ter simpatias ou antipatias políticas que o levem a distribuir condecorações e felicitações unicamente a quem preencha o requisito prévio de não o hostilizar.
Não é que me pareça que haja escassez de medalhas ou abundância de quem as devesse receber e tenha o peito virgem; é que se na Presidência se distribuem condecorações a esmo para honrar carreiras de personalidades que se distinguiram sobretudo por terem tento na língua e flutuarem nas águas salobras da conveniência, ou se recebem futebolistas que não ganharam, nem era presumível que ganhassem, nada, então a tradição dos cumprimentos era de manter-se em relação a quem lá fora ganhou alguma coisa. A menos que este presidente tivesse quebrado essa tradição, como seria seu direito - mas sempre e desde o início do seu primeiro mandato.
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