1988, 89, 91 e 1997 foram anos negros para a humanidade: não houve Anos Internacionais e a vida tão difícil e trabalhosa de milhões de seres humanos não pôde sequer ser aliviada com os encontros, as comemorações e os discursos chamando a atenção dos distraídos e dos egoístas para os grandes problemas que nos afligem. É longa a lista das causas sobre as quais a ONU se vem com diligência debruçando desde 1957; e injusto esquecer, de entre todas, o Ano Internacional do Arroz, em 1966 e novamente em 2004 (este último possivelmente para incluir a variedade basmati, que tinha sido ignorada da primeira vez), o da Batata, em 2008, e o das Fibras Naturais, em 2009.
Seria talvez já tempo de um Ano Internacional do Caldo Verde, com isso reconhecendo a contribuição portuguesa para o bem-estar da humanidade, os efeitos benéficos, ainda insuficientemente divulgados, de tal preparado para o trato intestinal, e a importância ecológica da couve-galega. Mas não é ainda chegado o momento. E, a julgar pelo que se passou com o Prémio Nobel, que foi tardiamente atribuído à língua portuguesa e, com a pressa, adjudicado a um escritor menor, não seria de excluir que, em vez do celebrado caldo, se ficassem por um creme de nabiças de supermercado.
Isto é brincar com coisas sérias, claro. Que este ano, para quem ainda não saiba, é o da Luz. Da Luz mas também, em separado, do Solo.
Do solo ainda não li nada, pelo que não adianto coisa alguma, com receio de que me falte o pé. E da luz não me ocorreria mais do que mencionar o preço do quilowatt, um escândalo, não se desse o caso de o Prof. Fiolhais, coordenador da Comissão Nacional do Ano Internacional da Luz, se ter dirigido às massas, chamando a atenção para o facto, que tem passado desapercebido, de que os "sítios do mundo mais desenvolvidos são onde há luz".
Observação luminosa, esta, que não deixará de reverberar nas consciências. E, na mesma ocasião, o Professor enfatizou ainda que “as artes visuais, como a pintura, a escultura, o vídeo ou o cinema, não existiriam sem luz, sem a qual poderíamos conhecer muito pouco do mundo”. De facto, uma rápida reflexão conduz-nos a esta conclusão, e nem faço mais do que oferecer como prova a vida das toupeiras, que efectivamente é, do ponto de vista cultural, muito pobre.
O melhor é ler o resto das declarações, ricas de profundidade e ensinamentos, cuja conclusão foi que “sem a luz, a educação fica apagada. É bom que o mundo esteja unido para reconhecer esse poder na diminuição das desigualdades.”
Deus me livre de contestar os poderes da luz para reduzir as desigualdades. Mas conviria talvez explicar por que razão, se é assim, a Coreia do Norte e Cuba são dois buracos negros no nosso planeta tão cheio de luminárias, comemorações e patetices.
Julgava eu que uma terra pobre, uma linha de costa enorme em relação à diminuta área do país, a tradição piscatória, a impossibilidade de conquistas para Leste, um príncipe relativamente rico e absolutamente ambicioso e teimoso, o desejo de ganhar estatuto em Roma, o fanatismo religioso - isto e mais outros factores objectivos que os estudiosos identificaram - foi o que originou os Descobrimentos. A Ciência necessária foi-se fazendo e importando.
Que não. Que não foi assim - diz-se aqui. Tínhamos Ciência, e por isso fomos grandes. Depois, passamos a pequenos, presumivelmente por termos deixado de ter Ciência, excepto no séc. XVIII, "quando a Revolução Científica chegou cá em força". Após este século luminoso, a Ciência ausentou-se para parte incerta, mas, providencialmente, "nos últimos 20 anos a ciência cresceu muito em Portugal, havendo hoje mais cientistas do que jamais houve".
Nem tudo são rosas, porém: "Os nossos jovens cientistas são a nossa maior riqueza. Mas demos-lhes bolsas sem lhes dar vidas. É indispensável dar-lhe vidas: o futuro deles será o nosso".
Isto de não dar vidas aos bolsistas parece-me uma grande imprudência, assim à primeira vista, se realmente o futuro deles for o nosso. Mas olha, Fiolhais, se estás a falar de subsídios, nem mo-lo digas; se não estás, explica.
O meu colega Carlos Fiolhais (colega porque somos ambos físicos e professores, excepto eu, e ambos com opiniões abalizadas sobre política, excepto ele) não gosta do CDS mas aprecia muito o PSD. É um direito dele, e podia aliás ser muito pior: não faltam em Coimbra professores (inclusive de economia, possivelmente por serem muito económicos de senso) que navegam nas águas do BE.
Pois Fiolhais censura asperamente o recente aumento da importância do CDS no Governo, que acha uma "perversão da democracia". E, baseando-se na vitória de Merkel, que varreu do parlamento o Partido Liberal e não permitiu a entrada do AfD, faz um paralelo com a situação portuguesa e sugere uma grande coligação entre o PSD e o PS, "naturalmente com outros líderes", cujos nomes, com louvável franqueza, revela aos leitores.
Talvez tenham passado despercebidas ao senhor Professor algumas partículas que tornam a tese um tanto, vá, discutível: i) O SPD alemão não é o PS português - na década em que entre nós se aprofundaram políticas expansionistas, a Alemanha de Schroeder, esse traidor aos verdadeiros ideais socialistas, pôs o seu eleitorado a apertar o cinto, tal como a sua sucessora no lugar de chanceler, e o SPD tem um sagrado horror ao défice, que o PS não partilha; ii) A CDU, tal como o SPD, é fortemente europeísta, e nisso não se distinguem nem do PSD nem do PS. Sucede porém que o PS quer a "Europa" da solidariedade, ou seja do plante que o Fritz garante; e o PSD tem dias, dependendo da clique que o governe - Passos não é a dra. Ferreira Leite, os dois diferem muito do dr. Rio, e os três não são iguais a cerca de 137 putativos primeiros-ministros de que o PSD dispõe nas suas coudelarias; iii) O bloco central já foi experimentado e não deixou boa memória.
Acresce que as duas personalidades que são sugeridas para a solução salvífica do País são tão diferentes, e com tão distantes opiniões sobre o que deve ser feito que, salvo uma situação catastrófica, que aliás não é impossível, não se vê como poderiam juntar-se num composto estável.
E, com catástrofe ou sem ela, de táxi ou até de lambreta, o CDS não pode ficar "irrevogavelmente de fora". Ou melhor: pode ficar fora do Governo; mas não pode ficar fora do país.
Não gostam? Paciência.
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