No tempo em que já tinha uma boa rede de conhecimentos na justiça portuguesa, já tinha sido Ministro da Justiça, mas ainda não era suficientemente cauteloso para evitar ser escutado a organizar crimes, o actual Primeiro-Ministro António Costa foi apanhado pela justiça a organizar uma conspiração para abafar um caso judicial que envolvia o camarada de partido e Deputado Paulo Pedroso, juntamente com o actual Presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues, que na altura se tornou conhecido por uma frase lendária, o então Presidente da República Jorge Sampaio, e o então Procurador-Geral da República, que o anterior deveria sensibilizar no almoço que tinham marcado para esse dia para abafar o caso, impedindo o processo de chegar ao Tribunal de Instrução Criminal que estava fora do alcance da rede de influências dos conspiradores.
A conspiração saiu frustrada porque à hora do almoço o procurador já tinha chegado ao Tribunal de Instrução Criminal e entregue o processo e já não seria possível evitar que o entregasse, mas os conspiradores foram escutados a conspirar e, além de as escutas terem proporcionado reveladores retratos de cidadania dos intervenientes e um inesquecível momento de humor político, também justificaram a prisão preventiva do camarada investigado por comprovada tentativa de perturbação do inquérito, uma das razões previstas na lei para decretar prisão preventiva.
Mais tarde, durante o inquérito, uma das testemunhas ouvidas, um antigo director da Direcção Central de Combate ao Banditismo à época em que a Polícia Judiciária tinha sido tutelada pelo Ministro da Justiça António Costa, um dos homens da tal rede de conhecimentos, revelou que, num almoço com o antigo Ministro uma semana antes de o caso vir a público no dia em que o Deputado foi detido na Assembleia da República, ele lhe tinha revelado que o Deputado estava referenciado no caso Casa-Pia de Lisboa com indícios consistentes, e o seu camarada de partido Ferro Rodrigues também, mas com indícios menos consistentes.
O actual Primeiro-Ministro foi portanto apanhado a conspirar para interferir num processo judicial envolvendo as mais altas figuras do Estado, incluindo a mais alta de todas, o que constitui um crime, e a ter conhecimento antecipado de processos judiciais de que nessa altura não devia ter por estarem em segredo de justiça, o que constitui outro crime, mas por estes crimes não foi incomodado pela justiça, exceptuando os danos de reputação que lhe possam ter sido causados pela revelação mediática das escutas onde foi apanhado.
Danos que, a avaliar pelo seu percurso político e mediático subsequente, Ministro da Administração Interna e número dois do primeiro Governo José Sócrates, Presidente da Câmara de Lisboa quando o então presidente do PSD Luís Marques Mendes forçou a queda da Câmara PSD pela demissão dos Vereadores que lhe acolheram a ordem de demissão, comentador residente no canal de televisão do Pinto Balsemão, e finalmente secretário-geral do PS, para não falar de Primeiro-Ministro apesar da derrota eleitoral, não lhe parecem ter sido fatais.
E alguma coisa deve ter aprendido, porque, desde essas, nunca mais foi apanhado com a boca nas escutas.
Se a rede de conhecimentos na justiça lhe tem dado jeito, para além de almoços ocasionais com antigos colaboradores, não sabemos? O facto de não haver conhecimento público de ter sido mais alguma vez mais apanhado na malandragem pode ter um de três motivos: ou nunca mais andou na malandragem; ou continuou a andar mas aprendeu a comunicar sem recorrer a meios de comunicação interceptáveis ou interceptados pela investigação judicial; ou continuou, e foi interceptado, mas tem a sorte de daí não lhe terem sido criados problemas. A sorte constrói-se, como dizia o seleccionador nacional Luís Felipe Scolari.
Mas uma coisa sabemos. Sabemos que ele tomou conhecimento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de transferir para a justiça angolana o processo por corrupção do antigo Vice-Presidente de Angola Manuel Vicente uma semana antes da publicação do acordão. Sabemo-lo porque, todos os aldrabões têm aquele momento de descuido em que falam verdade correndo depois a desmenti-la com uma mentira para não habituar mal o público, ele revelou-o numa entrevista. O gabinete emitiu depois um comunicado a explicar que ele tinha dito na entrevista que sabia da transferência do processo há uma semana porque apenas tinha tido conhecimento no próprio dia mas pensava que a entrevista só seria transmitida na semana seguinte, explicação que deve ter sido suficiente para esclarecer os mais fiéis dos seus fiéis, os que não se importam de passar por tontinhos para mostrar a força da sua Fé no querido líder, e mostra que ele está em grande forma no exercício da aldrabice.
Não foi nada inesperado. Já percebemos que, pelo menos desde que passou pela pasta da Justiça, ele conhece algumas decisões judiciais antes de serem tornadas públicas. Tem artes de adivinhação. Ou então tem uma rede de magistrados que não se importam de o ir mantendo informado, directamente ou partilhando a informação com outros magistrados ou conhecidos que lha fazem chegar.
Isto é grave?
O Primeiro-Ministro não deve saber o resultado de uma decisão ou providência judicial um minuto que seja antes de ela ter sido tornado pública e, portanto, disponível para todos os cidadãos que estão interessados em tomar conhecimento dela. Mas tomar conhecimento de um acordão sem usar a informação recebida para qualquer iniciativa ou decisão, nomeadamente sem dar conhecimento público dela, não parece excessivamente grave. É como se o juiz tivesse confidenciado à mulher, ao jantar, neste caso vou mandar fazer buscas na casa do fulano, não achas que faço bem? e o segredo tivesse ficado ali entre eles.
Mas se fulano fosse das relações da mulher e a mulher aproveitasse a inconfidência para o avisar que ia haver buscas na casa dele já seria grave. A informação sobre o que a justiça anda a fazer permite aos malandros andar sempre um passo à frente dela e fazer as malandrices com impunidade.
E o Primeiro-Ministro é gente para usar a informação que lhe chega para ajudar amigos a fugir à justiça?
É. Já o fez.
Por isso, eu posso ficar indignado por ele nunca ter sido apanhado na malandragem mesmo quando eu desconfio que anda. Mas, surpreendido, não fico.
Para além das imunidades formais que o exercício do cargo de primeiro-ministro em exercício lhe confere, o António Costa usufrui aparentemente de duas imunidades extraordinárias informais:
Imunidade jornalística
Ao contrário do primeiro-ministro anterior, que viu a sua vida contributiva vasculhada até ao tostão no parlamento e nos jornais, mesmo a da época em que era precário, a comunicação social tem um saudável e manifesto desinteresse pela vida contributiva do actual primeiro-ministro, mesmo a da época em que era milionário. Nunca se viu grande agitação por ele ter acumulado salários completos pelo exercício de funções oficiais em regime de dedicação exclusiva com honorários milionários como comentador de televisão, nem por ter recebido estes honorários a título de direitos de autor para os poder acumular legalmente com os salários completos e, por ser a esse título, serem parcialmente reduzidos a metade para efeitos de imposto sobre o rendimento. Nem a curiosidade que impele os jornalistas a investigar para aprofundar a compreensão de negócios que indiciariam comportamentos de ética duvidosa, quando não crimes graves, se fossem participados por outros políticos, que não ele. Nem qualquer reacção corporativa de indignação colectiva nem individual da classe quando ele injuria ou ameaça um jornalista, em privado ou em público, que qualquer político normal suscitaria se o ousasse fazer. Verdade se diga que o tom labrego com que se dirige regularmente aos parlamentares, e ele hoje estava em forma, faz parecer quase cordatas as ameaças, mesmo em privado, que dirige aos jornalistas.
Os motivos para esta imunidade estranha, ou notável, conforme seja vista da direita ou da esquerda, não são conhecidos com precisão, se bem que haja algumas explicações com um mínimo de plausibilidade, como por exemplo o facto de a mãe ter sido presidente do sindicato dos jornalistas. Mas, ao certo, não se sabe?
Imunidade judicial
A imunidade judicial é ainda mais estranha. Por mais óbvios que sejam os indícios de alguns crimes, por mais estranhos que sejam alguns aspectos de algumas negociatas que tem promovido enquanto governante, a justiça não lhe pega, não o investiga, não o leva a tribunal, não o condena.
É verdade que, na circunstância específica actual em que é primeiro-ministro, a justiça tem algumas limitações nos instrumentos a que poderia recorrer se o quisesse investigar. Também é verdade que a justiça, se abandonou a sua posição lendária de deixar os ricos e poderosos à vontade sem os incomodar, para se tornar particularmente dura, e até talvez mediática acima da dose recomendada para se fazer justiça com seriedade, na perseguição a alguns deles, continua a parecer preferir incidir a sua acção sobre ricos e poderosos has been, tenham eles sido empresários da bola, banqueiros, governantes ou até primeiros-ministros, e a deixar tranquilos os que ainda estão no activo, como ele está. Mas, mesmo quando as fez em alturas em que não tinha funções governativas, ou nos intervalos entre funções governativas depois de as ter feito, nunca lhe tocaram.
E não há poucos exemplos em que o desinteresse da justiça parece demasiado benevolente.
Caso Casa Pia
No caso Casa Pia, o António Costa, actual primeiro-ministro e terceira figura do estado, mas então mero deputado da oposição, foi apanhado nas escutas a conspirar com o actual presidente do parlamento e segunda figura do estado, mas então também deputado da oposição, com o então presidente da república, e o então procurador-geral da república, para tentarem colectivamente impedir a entrada no tribunal de instrução criminal de um processo envolvendo um deputado socialista.
As consequências destas escutas que alguém dentro do sistema judicial, porque ninguém de fora do sistema judicial era já arguido, tinha advogado, ou tinha sequer conhecimento da sua existência, fez diligentemente chegar à comunicação social, foi mais ou menos por essa altura que a justiça passou a ser mais mediática, talvez para se livrar da fama consolidada de deixar os ricos e poderosos impunes, foram a belíssima anedota "Tou-me cagando para o segredo de justiça", a prisão preventiva do deputado que estava a ser investigado por risco de perturbação do inquérito comprovado pela escuta da conspiração dos seus camaradas, e nenhumas para os conspiradores comprovados, apesar de a perturbação de inquérito ser um crime. Não houve nenhum processo aos conspiradores por perturbação de inquérito na forma, pelo menos, tentada.
Siresp
Outro caso pelo menos enigmático foi o negócio do Siresp.
E o assunto parecia arrumado, e a bem da legalidade, da transparência e da ética na gestão dos interesses públicos. Parecia mas não estava. Em vez de pura e simplesmente não fazer a adjudicação, o ministro António Costa decidiu renegociar alguns termos do contrato com o consórcio, prescindindo de algumas funcionalidades e reduzindo o preço, e acabou por fazer a adjudicação por 485 milhões de euros. Em vez de anular um negócio que tresandava a vigarice por todos os lados de onde se olhava, limitou-se a contornar a ilegalidade da adjudicação para o concretizar.
Quem era o advogado da Motorola, uma das empresas do consórcio? O advogado Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo e padrinho de casamento do ministro. Parece estranho? Parece.
O processo ainda foi investigado pelo Ministério Público, mas, ou por não haver indícios suficientemente sólidos para isso, ou por a investigação não ter sido suficientemente diligente para os encontrar, foi arquivado. E depois de o António Costa ter saído do governo não se lhe conhecem quaisquer sequências.
TAP
O negócio de alteração dos termos da privatização da TAP, que está a decorrer, também tem aspectos de transparência questionável.
Numa coincidência notável, os interesses do investidor Stanley Ho, que estiveram activamente na origem da queda da TAP, a quem se associou e de quem se dissociou com mais valias no negócio da VEM, acabaram por ser beneficiados com a autorização do governo actual para entrarem no capital da empresa.
Quem era administrador da Geocapital, e continua a ser, quando foi feito o negócio da VEM, e foi administrador da VEM enquanto a Geocapital foi sua acionista? O advogado Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo e padrinho de casamento do primeiro-ministro, o mesmo que negociou o processo que também abriu as portas do capital da TAP aos associados das empresas que dirige. Parece estranho? Muito mais do que parece muito mais do que estranho.
A justiça interessou-se pelo negócio de aquisição da VEM pela TAP, que investigou, mas não se conhecem à investigação quaisquer resultados. De que haja conhecimento público, não há qualquer investigação e decorrer ao negócio da reversão da privatização da TAP. O negócio e a extraordinária teia de interesses cruzados personificada no melhor amigo do primeiro-ministro não parecem suscitar na justiça grandes apreensões. Ou, se suscita, são impecavelmente sublimadas e não chegam a aparecer.
A que se deve esta imunidade milagrosa, que tantos políticos que um dia foram poderosos mas depois de deixarem de o ser se viram agarrados nas teias da justiça, e estou a falar de figuras ilustres como o Duarte Lima, o Isaltino Morais, o Oliveira Costa ou a cereja em cima do bolo, o José Sócrates, por quem a justiça se interessou pela participação em negócios, em muitos dos casos bem mais modestos que estes que enumerei e não são exaustivos do curriculum dele, gostariam de poder ter usufruido e não conseguiram? Será por ter privado com advogados ilustres na sua passagem fugaz pelo mundo da advocacia que lhe ensinaram os truques do ofício que mais ninguém conhece? Será por ter redes de amigos da escola e do partido que intercedem por ele na justiça quando ele se mete em alhadas como ele intercedeu pelo seu camarada? Será coisa de lojas e aventais?
Não sei. O que sei é que ninguém lhe toca.
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