Antes de a esquerda, de toda a esquerda da moderada socialista à radical trotskista, incluindo os desertores do MES entretanto transferidos para partidos mainstream onde deixaram de combater a social-democracia para abraçar o conforto da proximidade do poder, se ter recentemente proclamado como a genuína herdeira política do Sá Carneiro e da social-democracia, montou-lhe a primeira grande campanha de assassinato de carácter da democracia portuguesa, orquestrada pel' O Diário, o jornal oficioso do PCP nessa época, ecoada por toda a imprensa, e multiplicada por milhares de paredes pintadas a exortá-lo "Sá, paga o que deves!", repescando um negócio que tinha corrido mal meia dúzia de anos antes.
A campanha teve um impacto mediático estrondoso, tendo em conta a velocidade e débito a que a informação circulava nessa época em que não havia internet nem redes sociais. E tinha todos os ingredientes para resultar. Baseava-se num arrazoado de factos confusos e difíceis de relacionar e compreender claramente, e ainda mais difíceis de desmontar e refutar a conclusão proposta, que por isso impeliam os leitores, para não falar nos transeuntes que apenas liam os graffiti nas paredes, a formar as suas convicções, se acreditavam que os factos comprovavam um crime ou uma insinuação torpe?, através da sua preferência individual em acreditar ou não que o Sá Carneiro era um caloteiro. E assim foi. Quem achava que ele era o coveiro dos valores de Abril acreditou que era também caloteiro, quem depositava nele a esperança de erradicar os delírios revolucionários e finamente começar a construir uma democracia moderna que fizesse Portugal progredir acreditou que era inocente. Tinha todos os ingredientes para resultar, mas infelizmente não resultou. O Sá Carneiro foi re-eleito poucos meses depois com uma maioria absoluta ainda mais ampla do que a que tinha conquistado no ano anterior, e o seu ímpeto reformista só foi travado com o assassinato à bomba pouco depois destas segundas eleições.
Foi o início de uma política de casos que tem perdurado durante décadas e não perece mostrar nenhuma tendência para esmorecer no seu ímpeto.
Nestes anos todos a esquerda aprendeu a usurpar-lhe a identidade ideológica, mas de resto não aprendeu mais nada, e continua a repetir o que sempre fez, a fazer política através de sucessões de casos que procuram distrair os eleitores dos sucessos ou falências da governação do país para a difamação dos adversários políticos através da insinuação da prática de crimes em casos sustentados na revelação de factos de significado confuso sobre temáticas complexas e inacessíveis, às vezes até a cidadãos bem informados, onde é difícil perceber claramente se podem indiciar crimes ou não, e por isso impossíveis de desmontar e refutar as conclusões propostas pelos denunciantes. E sempre com resultados semelhantes.
Perfeitamente ilustrada no caso montado para atacar a anterior ministra das finanças por estar a tentar resolver discretamente uns contratos de swap ruinosos celebrados ao longo da legislatura anterior, por ordem do governo socialista anterior, e com o objectivo de maquilhar as contas públicas, o mesmo partido que montou a campanha para a atacar. Sendo um assunto tecnicamente complexo que quase ninguém percebe, prestou-se perfeitamente a simplificações analíticas do tipo swap = vigarice e ministra que tem o problema dos swaps nas mãos = vigarista que deram a muita gente a fezada que a ministra era mesmo vigarista e um alvo fácil nas eleições. E mais uma vez com o resultado habitual: o partida da ministra veio a ganhar as eleições, ao contrário de todas as expectativas, incluindo as das sondagens.
Agora que está determinado que o caso Lista VIP, tal como a generalidade dos múltiplos casos lançados à opinião pública maioritariamente pelo BE, na legislatura anterior, e pelo governo, nesta, foi um aborto jurídico, que tinha sido um aborto político já se tinha provado nas eleições realizadas poucos meses depois, vale a pena, mais do que rever tudo o que se disse e quem o disse na altura, subir pelo rio acima à procura da nascente do caso. E com quem se tinha reunido o então candidato socialista a primeiro-ministro exactamente um mês antes de o caso Lista VIP ser denunciado com estrondo? Com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, o incontornável bloquista Paulo Ralha que tem colaborado diligentemente em quase todos os casos lançados ao país desde que o António Costa passou a chefiar o PS. Uma mera coincidência, certamente...
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