Fui ver quantas empresas existem em Portugal (supunha que seriam aí umas 300 mil) e a Pordata diz que são mais de um milhão e cem mil.
Ora, desempregados são mais de 600 mil, há à volta de 2 milhões de cidadãos que têm menos de 20 anos, reformados e pensionistas são à volta de três milhões e 700 mil e funcionários públicos serão mais de 600 mil. Admitindo que a quase totalidade dos reformados e pensionistas não trabalha em empresas, e tendo em conta que os funcionários também não, por definição, ficam três efectivos, em média, por empresa, de onde não espanta que 99,9% das empresas sejam micro ou PMEs, cabendo a parte de leão às micro (menos de 10 trabalhadores e menos de 2 milhões de Euros de volume de negócios anual).
Estes números incluem os empresários em nome individual, que são mais do dobro do número das sociedades.
Empresas em actividade diz este Observatório que existem aí umas 640 mil. E destas as que tiverem um volume de negócios anual superior a 100 mil Euros (ou seja, incluindo nano empresas, uma classificação que é urgente criar para definir aquelas micro que o Fisco trata desesperadamente de estrangular à nascença) têm que ter um software certificado, que corre não, como se esperaria, num livro de deve e haver, mas num hardware caríssimo, que vai fatalmente avariar em devido tempo e ficar obsoleto ao cabo de meia dúzia de anos.
E quem certifica os programas informáticos, sem os quais as empresas que os concebem não os podem vender e as cativas que os compram não podem operar? O Fisco, com certeza.
Seria de esperar que ao olho arguto do Estado não escapassem os bugs, senão as manhas, dos programas; e que o empresário, que é evidentemente um ladrão, salvo prova em contrário, e mesmo assim nunca fiando, exploraria fatalmente tais falhas, com grandes danos para o erário público, a credibilidade do Grande Irmão e a solidariedade socialista.
Mas não: pimba, o CR Mais (a notícia não esclarece se há alguma ligação com Cristiano, mas se não houver a marca é evidentemente abusiva) e o WinPlus (o "Plus" já era fortemente suspeito, por indiciar a hipótese de ser algo mais do que um programa meramente ganhador) tinham um "conjunto de funcionalidades concebidas para permitir ao utilizador a eliminação dos registos de vendas e prestações de serviços”.
Vai daí, foram instaurados processos disciplinares aos funcionários que conduziram os processos de certificação, apresentadas desculpas aos empresários por o Estado certificar um produto marado que foram forçados a adquirir, e garantida a substituição gratuita do software por outro que cumpra os requisitos que o Estado, no seu interesse e para prossecução do que entende serem os seus fins, exige?
Os novos programas custarão várias centenas de Euros (milhares, a prazo, com a manutenção e as actualizações), e sobre os respectivos preços incidirá o IVA fatal. Por outras palavras, o Fisco factura as suas asneiras, não se corrige, faz vista grossa à inépcia dos seus funcionários, e acha oportuno vir com ameaças inquisitoriais - acusa-te porque deves bem conhecer os pecados que cometeste.
Perante isto, o diretor-geral da Associação de Hotelaria e Restauração de Portugal (imagina-se que das dez mil empresas a maior parte seja do ramo de comes e bebes), José Manuel Esteves, lamuria-se: "A AHRESP irá sugerir aos seus associados 'que, perante esta situação de contratos assinados com os dois sistemas a quem foram retiradas as licenças, peçam indemnizações pelos prejuízos causados, nem que seja só pela interrupção do serviço'. Para o responsável da associação, “há situações em que é rápido mudando-se apenas de fornecedor”, mas há quem tenha de “mudar todo o hardware das próprias máquinas de faturação".
A sério, Zé Manel, é o que tens a dizer? Aconselhas portanto os teus associados a pedirem indemnizações, não ao Estado, que os enganou, abusa deles e os trata abaixo de cão, mas às duas empresas de software, que só por milagre agora não irão à falência, e que portanto nunca esportularão um cêntimo. E nem sequer tens o desabafo, que seria desculpável, de lhes recomendar que, quando tiverem o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais à mesa ou na cama, lhe salguem a comida ou lhe ponham percevejos nos lençóis.
És socialista, Zé Manel. Desconfio que a esmagadora maioria dos que te pagam para os representar - não é.
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