Claro que ninguém, desinteressadamente, foi ler o Compromisso para o Crescimento Verde: o palavreado é intragável, a redacção deficiente, boa parte dos pressupostos falsa, e os objectivos, nebulosos uns, inatingíveis outros, daninhos muitos, quase sempre - quase sempre - implicando diminuição das liberdades, e reforço de serviços públicos, fiscalizações, constrangimentos e multas. Tudo ao serviço de um voluntarismo estatal impondo teorias lunáticas que deveriam estar confinadas às universidades e circuitos especializados, à espera de uma decantação e da formação de uma opinião pública informada.
Mas não: o ar do tempo impôs a criação de um ministério do ambiente; para o encabeçar foram buscar um moço com uma extensa carreira de parasitagens sortidas, quase sempre dependuradas no credo do aquecimento global, uma espécie de vaca leiteira para cientistas à procura de fundos para investigação; jornalistas à cata de cenários dramáticos para vender; salvadores da humanidade reclamando atenção; radicais acolhendo-se debaixo de bandeiras; e esquerdistas espreitando a oportunidade de melhorar o capitalismo até ao ponto de este deixar de o ser.
É claro que não é possível produzir um documento de 70 páginas, envolver "quase uma centena de organizações das áreas empresarial, científica, financeira, assim como dos organismos públicos, fundações e ONG", e nele não haver matérias que requerem um conhecimento especializado para fundar uma opinião crítica, medidas que o simples bom senso aconselha, e intenções benévolas que um cidadão comum pode reconhecer. Mas disso não curo, que os reflexos condicionados partidários, os potenciais interessados em negócios "verdes", a cáfila das associações, e a malta que tudo espera do Estado, uma imensa maioria, se encarregará da secção dos aplausos.
Respigo apenas algumas medidas, e pela aragem logo se verá quem vai na carruagem - na do ministro e na minha:
(...) "promover o equilíbrio tarifário em regiões alargadas e enquadrando soluções para o problema dos défices tarifários crónicos (...)
Excelente ideia. Conviria porém ressalvar que o equilíbrio não poderá fazer-se alinhando os preços pelos mais caros, nem o paleio do "enquadramento das soluções" significar aumentos. Aliás, como o resto das medidas aponta, saudavelmente, para reduções quantificadas de custos, nem sequer se compreende que a evolução dos preços não o esteja também.
"Promover a certificação da gestão florestal sustentável apoiando a adaptação das explorações e das empresas às exigências ambientais (...)
Certificação quer dizer serviços públicos, ou agências privadas dependuradas do Estado, que promoverão a criação de regulamentos demenciais, taxas predatórias, abusos sortidos, corrupção, distorções da concorrência, atropelos ao direito de propriedade e efeitos perversos de índole vária. Quer dizer isso, e não qualquer outra coisa. Think again, minister.
"Aumentar a produção de energias renováveis (passando de 31%, em 2020, para 40%, em 2030, o peso de fontes renováveis no consumo final de energia)"
As energias renováveis causaram e causam um grande dano ao país, por obrigarem os consumidores, privados e empresas, a pagar a energia muito mais cara do que sucederia se o Estado não tivesse visões sobre o fim dos combustíveis fósseis, o futuro das alternativas a esses combustíveis e a competitividade dos corrupios nos altos dos montes e das serpentes de lata perto da costa. O que precisaria de ser planificado seria a redução de subsídios aos produtores alternativos, com o fim de deixar o mercado funcionar sem distorções.
(...) "até 2020, introduzir 1250 viaturas elétricas e híbridas plug-in nos serviços do Estado" (...)
Tenho uma ideia dez vezes melhor: eliminar, até 2020, 12500 viaturas nos serviços do Estado. E, não vá algum funcionário ficar apeado, todas as viaturas eliminadas devem pertencer a serviços a extinguir. Pode-se começar pelo Tribunal Constitucional e pelo próprio Ministério do Ambiente e um terço dos municípios. Deve sobrar.
(...) medidas dissuasoras de utilização do automóvel individual (como portagens nas cidades – destinadas ao financiamento dos transportes públicos - e estabelecimento de faixas de alta ocupação - onde só podem circular veículos com mais de um passageiro (...)
O automóvel fez mais, no séc. XX, pela liberdade do indivíduo, do que todas as teorias generosas que reformadores sociais inventaram; as portagens nas cidades, como aliás todas as portagens, são um estorvo medieval à livre circulação de pessoas e bens; a tradição ensina que, quando o Estado cria uma taxa ou imposto para um fim qualquer, acaba por o distrair para fins diferentes; os transportes públicos devem ser financiados por quem os utiliza, e é de esperar que, se a gestão for privada e houver concorrência, com as cidades entupidas, cresçam em quantidade e qualidade; o condutor que não leva passageiros tem decerto razões para o fazer, e é um abuso impedi-lo de circular, salvo em faixas reservadas a transportes colectivos. Mas a razão porque deve haver faixas reservadas a transportes colectivos não é uma imaginária superioridade do colectivo sobre o privado, é a constatação de que, se não for assim, o transporte colectivo fica paralisado pela dimensão e lentidão dos veículos, além das paragens forçadas para recolher passageiros, o que anularia a sua utilidade.
"Criar e implementar a marca natural.pt, de produtos e serviços desenvolvidos com base nos recursos das áreas classificadas, estabelecendo um regulamento de adesão e processos de acompanhamento, gestão conjunta e promoção internacional. Em 2020, 50% das empresas que operam nas áreas protegidas deverão aderir à marca natural.pt".
O Governo vai criar uma marca? E as empresas têm que aderir? Regulamento? Processos de acompanhamento? Gestão conjunta? Não falta praticamente nada para ser um buraco. Razão por que a marca, por uma questão de rigor, deveria ser uma de duas, ambas em inglês, por causa da internacionalização: hole.pt; ou asshole.pt.
"Concretizar, num quadro de neutralidade do sistema fiscal, uma reforma fiscal verde capaz de: diversificar as fontes de receita; promover a ecoinovação e eficiência na utilização de recursos; reduzir a dependência energética do exterior; induzir padrões de produção e de consumo mais sustentáveis; fomentar o empreendedorismo, a economia e o emprego".
Sabemos o que neutralidade fiscal quer dizer: lança-se um imposto ou taxa novos, contra a promessa de redução de velhos, se se verificar uma contingência qualquer; a contingência - que azar - não se verifica na medida do previsto; o novo imposto fica, porque entretanto já toda a gente esqueceu. Quanto ao resto, permito-me sugerir uma utilização mais criteriosa dos verbos:
diversificar as fontes de conhecimento, consultando autores fora do circuito do establishment ecológico; não promover nem induzir coisa alguma; reduzir despesas; fomentar a abstenção do Governo em matérias que tenham que ver com empreendedorismo, a economia e o emprego".
Este post já vai longo, e o Compromisso ainda vai na página 8, que acaba assim: "Estamos todos convocados".
Eu não estou. Nem sequer para ler o resto.
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