Terça-feira, 25 de Julho de 2017

Padeiros, banqueiros, e protecção do consumidor

2017-07-25 Faria de Oliveira.jpg

O Dr. Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, deu mais uma entrevista em que voltou a derramar as suas habituais lágrimas sobre a insuficiência das comissões que os bancos cobram aos seus clientes, nomeadamente das que são impedidos de cobrar por imposições legais, como as das operações realizadas nas caixas da rede do Multibanco, e a reafirmar que, sem as ambicionadas comissões, a rendibilidade dos bancos anda pelas ruas da amargura.

A entrevista foi muito oportuna, porque veio calhar no momento preciso em que se incendiava a discussão pública por causa de o maior banco português, a Caixa Geral dos Depósitos, que não cobrava comissões aos clientes ricos e cobrava as mais altas do mercado aos pobres, ir passar a não as cobrar aos clientes ricos e a cobrar as mais altas do mercado aos pobres, só que agora ainda mais altas do que antes.

O Dr. Faria de Oliveira tem o ar bonzão de um avô babado a quem apetece apertar uma bochecha ou, para os adeptos do cumprimento, trocar um give me five, e é talvez por isso que, ao contrário do que fizeram ao presidente da Associação dos Industriais da Panificação quando há uns anos atrás deu uma entrevista em que disse que, como a farinha tinha aumentado, o pão também teria que aumentar, e todas as autoridades lhe cairam em cima para investigar se o raciocínio era um apelo ilegal, por violador das leis da concorrência, para que os padeiros associados aumentassem de modo implicitamente concertado o preço do pão, ao Dr. Faria de Oliveira lhe deixam apelar ao aumento das comissões em todas as entrevistas que dá sem colocarem a hipótese absurda de se tratar de uma mensagem codificada aos bancos associados a sugerir-lhes para aumentarem as comissões de modo concertado sem terem que falar uns com os outros para se concertarem sobre o aumento, que seria um crime digno de pena de prisão. Ou por isso, ou por as autoridades competentes serem tão intolerantes com os padeiros quanto tolerantes com os banqueiros.

Mas pronto, aceitemos como adquirido que a rendibilidade dos bancos anda pelas ruas da amargura e que um aumento das comissões lhes vinha mesmo a calhar, e que a referência a isto na entrevista, e em todas as outras que ele dá, não passa do reconhecimento de uma evidência e não é um apelo a que todos os bancos as aumentem sem terem de combinar preços uns com os outros e correrem o risco de serem apanhados em escutas e irem parar ao Torel pelo crime de concertação de preços.

Aqui para nós, até é verdade que a rendibilidade da banca já foi mais elevada.

Não é, no entanto, algo que seja evidente nas remunerações que paga aos banqueiros.

Quando um governo socialista aqui recuado recrutou um director de um banco, e um director não é sequer um administrador, para dirigir o fisco como director-geral e ele optou pelo salário de origem, passou a ser o servidor público mais bem pago da história de Portugal, com um salário superior a vinte mil euros por mês. Mas isto era na época em que a rendibilidade da banca era estratosférica, e a banca pagava salários de vinte mil euros aos directores. Era a época em que os cinco membros do Conselho de Administração do banco onde ele era director recebiam por junto quarenta e cinco milhões de euros por ano. Mais reformas, transporte de helicóptero, enfim, vivia-se bem na banca.

Quando o governo socialista actual andou a recrutar na banca privada um banqueiro para gerir a CGD teve que recorrer a todas as engenharias legais e mais algumas para lhe conseguir pagar o salário que ele pretendia, e não era sequer para trocar o seu emprego actual pelo novo, era para aceitar acumular este novo emprego com a pensão de reforma com zeros demais para citar aqui que já tinha assegurada, e para manter em segredo o património pessoal que ele acumulou como banqueiro.

É claro que, como diziam tradicionalmente os neoliberais, e dizem agora os socialistas, e mesmo as bloquistas, quem quer gestores bons tem que lhes pagar bem, para fugir às consequências perniciosas do conhecido ditado if you pay peanuts, you get monkeys. Mas também é verdade que os salários de ouro da época de ouro da banca não serviram para pagar a quem construisse instituições sólidas como um banco se deseja para lhe confiarmos as nossas poupanças e capazes de atravessar sem rombos no casco os momentos menos fáceis do ciclo de negócios. Estes banqueiros criaram instituições merdosas que começaram a afundar à primeira ou segunda sacudidela, e só foram salvas de afundar por milhares de milhões de euros sacados a contribuintes tesos que nem carapaus por uma crise económica que os bancos ajudaram a desencadear. O ditado aqui foi mais if you pay diamonds, you get monkeys.

Também não é evidente que a fraca rendibilidade da banca se deva à exiguidade das comissões que impõe aos seus clientes, num contexto, a ladainha passa sempre pelo contexto, de taxas de juro muito baixas. Mesmo com taxas de juro baixas, mesmo com taxas de juro negativas, mesmo que pagasse juros aos clientes a quem concede crédito, a banca ganha dinheiro, porque financia-se a taxas de juro ainda mais negativas junto do sistema. O lucro do banco não está no juro cobrado, está no spread. A onda, qual onda? o maremoto de imparidades que fez implodir a rendibilidade da banca não se deveu a uma maior tolerância na cobrança de comissões aos clientes particulares ricos ou pobres, deveu-se à concessão de créditos ruinosos, alguns no limiar da gestão danosa, alguns declaradamente criminosos, que justificam aliás que mesmo o banco público estique até ao limite, com a ajuda de sempre dos socialistas e a ajuda inovadora dos bloquistas e dos comunistas, a cortina para tentar esconder das autoridades o crédito malparado e as condições, quanto? a quem? quando? como? por quem? e por ordem de quem? em que foi concedido. A banca não é suficientemente rentável por ter estoirado milhares de milhões em crédito irrecuperável concedido a amigos seus e a amigos dos governos socialistas que fizeram dela o braço financeiro das suas estratégias económicas. E é este buraco ilimitado que, primeiro, os contribuintes, e agora os consumidores, estão a ser chamados a contribuir para tapar.

O Dr. Faria de Oliveira tem aqui uma excelente oportunidade de melhorar os rácios de rendibilidade da banca, mesmo que a banca não venha a ser autorizada a lançar comissões sobre as operações realizadas nos terminais da rede do Multibanco. É sugerir aos bancos associados que ajustem os salários que pagam aos administradores, directores e trabalhadores à rendibilidade do sector.

Mas quem se lixa é o mexilhão, e os clientes mais modestos da CGD, que não têm culpa nenhuma dos negócios estratégicos que o governo socialista do José Sócrates forçou o banco a financiar até à sua ruína, e que taparão a cratera que foi agora parcialmente coberta com dívida que fica para eles ou os seus descendentes reembolsarem no futuro, também vão ser chamados a tapá-la pagando comissões mais elevadas.

(Chegados aqui, deixem-me partilhar convosco uma experiência recente, com a abertura de uma conta bancária para um pequeno condomínio acabado de formar, para a que se fez uma consulta a cinco bancos, há condomínios que preferem a consulta a vários fornecedores à adjudicação directa, de que saiu que a CGD foi o banco que apresentou custos de comissões mais elevados e não foi, por esse motivo, o escolhido.)

E o que podem fazer os clientes da CGD que vão ser mais uma vez involuntariamente envolvidos no resgate de um banco mal, criminosamente mal, gerido? Os consumidores têm basicamente duas alternativas para defenderem os seus interesses. Uma é confiarem a defesa às associações de defesa dos consumidores e aos partidos que os defendem na televisão mas jogam a feijões na feira de gado onde os negoceiam uns com os outros em conjunto com outros interesses. Outra é deixarem o capitalismo e a economia de mercado defendê-los, e simplesmente mudarem do banco que acha que tem o rei na barriga para um que não lhes cobra comissões: o Banco CTT ou o Activobank, que me lembre agora. Adivinhem qual delas resulta?

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 21:15
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Quinta-feira, 16 de Julho de 2015

Não temos vagar para ler

A ASAE, no cumprimento da sua missão pedagógica de ensinar às empresas como negociar, deu um claríssimo exemplo de como fazer "menos gala em ser forte com os fracos e mais forte com os fortes", impondo uma multa de um milhão de Euros ao grupo Jerónimo Martins, uma conhecida associação de malfeitores.

 

Parece que a escumalha que gere o Pingo Doce vendeu produtos abaixo do preço de custo, e isto gerou uma onda de indignação no seio da concorrência, bem como um intolerável peso na consciência daqueles consumidores que, desde a linda vila de Monção até à Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, adquiriram para cima de 3000 pacotes de fraldas de bebé e uma quantidade indeterminada de tronchudas e maçãs reineta.

 

Estes consumidores gananciosos, porém, nada têm a temer. A ASAE, ao contrário do que tem vindo a ser a sua prática, agora está virada para os fortes - ai deles, se desrespeitarem o DL n.º 166/2013, de 27 de Dezembro, PIRC para os entendidos.

 

Fui ler. É coisa de tomo: só o preâmbulo é maior que certos contos de Pessoa, recentemente publicados, e, como alguns deles, igualmente surreal. O propósito é, parece, a transparência nas relações comerciais e o equilíbrio das posições negociais entre agentes económicos. Gente ingénua poderia supor que, nas relações comerciais, o segredo é a alma do negócio; e que o equilíbrio das posições negociais resulta ofendido com intromissões do Estado - se o Pingo quer vender, por exemplo, tendas de campismo abaixo do preço de custo, e há quem as queira comprar, a situação está perfeitamente equilibrada. O prejuízo que daí decorra é um problema da gerência e dos accionistas; e a concorrência esfregará decerto as mãos por ver este prejuízo no vizinho.

 

Mas não. Este diploma prolixo, que se espraia por 21 artigos e centenas de alíneas, abre a porta a que a ASAE vá espiolhar as transacções de quem quer que tenha a porta aberta; e regula tudo o que se pode imaginar, e também o que ninguém sonharia, deixando apenas um assinalável vácuo legislativo para a circunstância de algum agente económico, no decorrer de uma transacção, a interromper para ir ler, para o quarto de banho, sob pretexto de uma súbita indisposição, os comandos legais.

 

O ministro teve o seu sound bite; a populaça meneará com aprovação a cabeça - é para esse fássista do velho Soares dos Santos, e os outros poderosos, aprenderem; a imprensa e a televisão encheram chouriços, de graça, com a notícia; a Oposição também terá decerto alguma coisa a dizer, provavelmente que há muito mais casos a requererem a intervenção morigeradora das polícias; e o próprio grupo, em tribunal, anulará a coima, que a lei tem tanto artigo, e tanta excepção, que o senso há-de passar por algum buraco.

 

Por mim, redigiria um novo diploma, a assinar pelos mesmos quatro ministros, além do Primeiro, que o subscreveram, com o seguinte preâmbulo:

 

A frequência de Bruxelas, feiras, encontros, conferências, workshops, entrevistas, debates e cocktails, e as viagens para acudir a tudo isso, rouba-nos o tempo necessário para prestarmos atenção à papelada que os serviços nos põem debaixo do nariz para assinar. E tendo os serviços uma tendência, natural em todas as burocracias, para regularem tudo o que mexe, fomos levados a querer corrigir defeitos do mercado, tarefa que manifestamente excede as nossas luzes. Razões por que o presente diploma revoga a legislação que imprudentemente levámos o senhor Presidente da República a promulgar, nomeadamente o denominado PIRC. Do mesmo passo, tomam-se providências para que os funcionários responsáveis pelo deslize que involuntariamente cometemos passem de imediato ao regime de mobilidade.

publicado por José Meireles Graça às 11:45
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