Para quem é, bacalhau basta, mas...
Hoje, o ministro da Educação em exercício, o professor Mário Nogueira, demonstrou a maior das vantagens da existência da Fenprof: manter afastados da rede do ensino e do contacto com os alunos professores ignorantes, incompetentes e desonestos como ele, mesmo que, sendo requisitados ao ministério, os seus salários continuem a ser pagos pelo orçamento do Estado e a onerar os contribuintes.
E porquê especialmente hoje? Porque hoje, para além das lenga-lengas da retórica demagógica habitual, da defesa da escola pública à subsidio-dependência dos colégios privados, aventurou-se pelos números que, ao contrário da retórica, que é atestável por meras opiniões, são sindicáveis com factos.
E que números usou o Mário Nogueira? Os do Tribunal de Contas, entidade mais séria que ele e o seu sindicato, como ele próprio sublinhou no discurso, que, em 2012, publicou o relatório nº31/2012 "Apuramento do Custo Médio por Aluno" da auditoria realizada durante o ano de 2011, com referência ao ano escolar de 2009/2010, para responder à solicitação originada pela Resolução da Assembleia da República n.º 95/2011, de 28 de Abril.
E que números foi ele buscar ao relatório do Tribunal de Contas? O custo médio por aluno de todo o ensino público, do 1º Ciclo do Ensino Básico até ao Ensino Secundário, que é de 3.890€.
E esse número é comparável com o custo médio por aluno das turmas em colégios abrangidas por contratos de associação? Não, porque essas turmas não cobrem o 1º Ciclo do Ensino Básico. O custo médio por aluno nas escolas públicas nos níveis cobertos pelos contratos de associação, o 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico e o Ensino Secundário, é de 4.648€
Já é mais elevado que o custo de 4.522€ que ele apresentou para os alunos de turmas abertas em colégios ao abrigo de contratos de associação. E como é que ele calculou este número? Como o custo de cada turma é de 80.500€, seria o custo médio por aluno se as turmas tivessem em média 17,8 alunos. Mas como a dimensão média das turmas destes ciclos é de cerca de 23 alunos, o custo médio por aluno nos colégios com contrato de associação é de 3.500€. Ou seja, cerca de 25% abaixo do custo dos alunos a frequentar as escolas públicas.
Ou por ignorância, ou por incompetência, ou por desonestidade, o Mário Nogueira partiu de dados reais para chegar a uma conclusão radicalmente oposta à realidade, que os alunos a frequentar colégios com contrato de associação custam mais 16% do que se estivessem em escolas públicas. Outro tema interessante, para uma discussão futura, que não aqui e agora, é ver um sindicato a defender a solução que, segundo os seus cálculos, fica mais barata, um indício de que os sindicatos não serão tão insensíveis como aparentam aos encantos do economicismo. Aprendam eles a fazer contas, e ainda os veremos um dia a defender o aumento do número de alunos por turma, ou dos horários dos professores, para poupar 16% aos contribuintes. Mas não aprendem, não vale a pena sonhar alto.
É verdade que, para a multidão acéfala e ululante que vai ouvir sindicalistas como ele nestas manifestações, mais de 80 mil almas segundo a aritmética dele, o dobro da manifestação dos amarelos, cerca de 15 mil segundo a da PSP, menos de metade da manifestação dos amarelos, a adesão dos números à realidade é completamente irrelevante. Não estão lá para pensar e analisar, estão lá para aplaudir e ecoar palavras de ordem.
Mas, para quem faz as contas, um aluno a frequentar o 2º ou 3º Ciclos do Ensino Básico ou o Ensino Secundário numa escola pública custa em média ao Orçamento de Estado 4.684€ por ano, mas custa apenas 3.500€ por ano se estiver a frequentar um colégio com contrato de associação.
Conclusões?
Cada aluno a frequentar o ensino público num colégio com contrato de associação custa em média menos 25% do que se estivesse a frequentar uma escola pública.
Uma boa medida de defesa da escola pública é manter o Mário Nogueira até à reforma a tempo inteiro na Fenprof, longe dos alunos, e esta medida vale bem o custo para os contribuintes do salário dele, que continua a ser pago pelo ministério.
O sr. Daniel Oliveira escreveu e publicou um textinho no facebook a proclamar o seu sentimento sobre os contratos de associação. Passada uma hora* editou, aplicou-lhe uma expressiva facada, e voltou a publicar - sem qualquer nota, sem explicação. Como se estivesse assim, alterado, desde o princípio.
Porque é que alterou? Não sabemos, nem podemos ter a certeza. Mas entre uma versão e a outra está a resposta de Carlos Guimarães Pinto, no Insurgente.
Fica a história, para quem se interessar pelos processos da esquerda. Com as alterações “nas cores convencionais”: a encarnado o que o sr. Oliveira fez desaparecer; a amarelo o que acrescentou.
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Nota*:
Não passou “uma hora”, mas sim 2 minutos. Hoje o facebook já dá horas concretas, ontem dava um arredondamento muito grosseiro. O post teve 4 edições, bastante seguidas (7 minutos da primeira à última). A grande facada aconteceu entre as 11:58 e as 12:00. O sr. Oliveira veio aqui protestar, com bons motivos, fica um agradecimento e a devida correcção.
(2016.05.24, às 14:31)
Ele tem as filhas numa escola privada mas, "se houvesse na minha zona de residência uma boa escola primária pública era lá que elas estavam".
Diz isto como quem faz uma original declaração de princípio mas coisa diferente não dirão os pais de todos os alunos que optaram pelo privado - só um imbecil é que opta por um bem mais caro quando tem outro igual mas mais barato à disposição.
Claro que o público não é na realidade mais barato - apenas quem paga são os pais todos, via impostos, quer tenham quer não tenham filhos em idade escolar, ou mesmo não tendo tido filhos, e não apenas ou sobretudo os pais dos utilizadores. E este é o primeiro equívoco - o de que o ensino em estabelecimentos privados é mais caro: só o é porque quem por ele opta paga duas vezes, como utilizador e como contribuinte. O que se sabe, contas bem feitas (isto é, incluindo todos os custos do Ministério da Educação e não apenas salários ou despesas arbitrariamente seleccionadas) é que o ensino privado é substancialmente mais barato.
Que o ensino seja público está muito bem: a educação básica é um bem público porque uma sociedade de cidadãos requer que se saiba ler, escrever, ter rudimentos de inglês, contar e raciocinar, que se conheça o mundo físico que nos rodeia e se tenha algum conhecimento de História e Geografia - tudo coisas que a escolaridade obrigatória, aliás, não garante, mas deveria garantir se a qualidade pedagógica fosse outra.
Mas há aqui um segundo equívoco, que é o de que ensino público e propriedade pública do estabelecimento são uma e a mesma coisa. Aos sindicatos, aos políticos, aos professores com vínculo, convém esta confusão, porque o poder dos sindicatos fica estilhaçado se os estabelecimentos tiverem múltiplos patrões e puderem, ao contrário do Estado, falir; aos políticos o poder fica cerceado se não puderem fixar quadros de pessoal, nomear direcções, decidir obras, contratar boys para lugares de direcção de um imenso aparelho burocrático; e aos professores convém uma autoridade distante, não um patrão cheio de idiossincrasias, das quais a mais saliente será normalmente a de querer agradar a quem lhe paga, que são os pais dos alunos.
Dois equívocos já são uma boa conta, mas há mais: diz-se, e é em muitos casos verdade, que os pais, na realidade, querem que os filhos passem de ano - a qualidade consiste na passagem em si, não no que os meninos sabem ou deixem de saber. Donde, a garantia da qualidade não é o que motiva o recurso ao ensino privado, que só a independência do estabelecimento público assegura. Mas os estabelecimentos privados figuram bem - melhor, geralmente - do que os públicos nos rankings, donde o argumento não convence.
Acrescenta-se que os estabelecimentos privados seleccionam os alunos, descartando os lerdos, ou troublemakers, porque fariam baixar as médias. Casos? Inspecções que detectem, e punam, a segregação? Bem, não há - cada qual diz o que quer.
E que os meninos que podem pagar o colégio são oriundos de meios socioeconómicos mais desafogados, pelo que têm acesso a bens culturais em casa que os avantajam. Será. Mas é preciso confiar na ganância do privado: se houvesse muito mais alunos que pudessem pagar podemos estar certo de que seriam acolhidos - nunca se viu um mercado que exista mas não surjam fornecedores para o satisfazer, se o puderem fazer com ganho.
Insinua-se ainda que a verdadeira razão pela qual se expandiram os casos de contratos de associação tinha mais a ver com gordas sinecuras para gente do PSD e do PS, proprietários de colégios, e menos com as carências do aparelho escolar aqui ou ali. Não duvido que haverá situações: podemos ter a certeza, quando visitamos uma casa e vemos um rato, que aquela casa não tem um rato mas ratos; e que quando haja dinheiros públicos associados a decisões discricionárias a corrupção aparece - o que vemos é sempre menos do que o que existe. Mas a pedra de toque da corrupção é o Poder combinado com a discricionariedade - o Estado, quase sempre. E não se pode combater a corrupção com mais Estado - ou acaso os milhões absurdos do Parque Escolar são uma história inocente?
Resta que a solução para este imbróglio já foi inventada e é o cheque-ensino. Mas não vai ver a luz do dia, entre muitas razões, por duas principais:
Uma é o medo. O medo de que as nossas criancinhas não sejam formatadas na laicidade mas numa catequização qualquer: católica antes de mais, de outras denominações também no futuro. É um medo razoável: com graus diferentes de intensidade, todas as igrejas querem, e é natural que queiram, que os comportamentos, e as leis civis e penais, traduzam a sua visão do mundo. Para quem, como eu, entende que a separação entre Igreja e Estado é um avanço civilizacional e que as convicções religiosas são do foro familiar e íntimo, não são matéria que deva ter uma relevância indevida no sistema público de ensino, a entrega acéfala a quem está equipado com os meios e a vontade para regressar a uma escola retrógrada só poderia fazer-se com cuidados acrescidos - que são conhecidos e viáveis. A tolerância é algo que se aprende, pratica e foi imposto, onde foi, às igrejas - não é algo que estas tenham imposto a si próprias, mesmo que tenham evoluído, como evoluíram, muito (nem todas: o Islão, por razões que não cabem aqui, é ainda medieval).
A outra é ideológica: a Esquerda, com excepção dos fósseis do PCP e dos seus primos que se imaginam modernos do BE, já aprendeu que a propriedade colectiva dos meios de produção não garante senão a miséria; mas ainda não percebeu que alguns bens que o Iluminismo criou, como a escola pública, ou outros que o Estado Social inventou, como a Saúde, são mais bem assegurados por concessão a privados do que por propriedade pública.
Como se vai resolver, então, o diferendo com os colégios a que o governo quer cortar as asas do financiamento?
Vai resolver-se da forma que hoje se resolvem em Portugal todos os problemas: com uma avaliação da relação de forças e, se necessário, com uma mistura de promessas e cedências. A Europa, desta vez, não está, como esteve no Orçamento e continua na sua execução, envolvida. Quem está é o PCP, representado pela FENPROF e o seu funcionário destacado para as funções de ministro da Educação; os professores prejudicados e os sócios socialistas de colégios; os pais aflitos; e o impacto que a barulheira possa ter na opinião pública, na medida em que seja possível calcular se se perdem ou ganham votos.
Costa fará o cálculo e a escolha. Porque o interesse público hoje é isto: é de interesse público tudo o que contribua para a sobrevivência da untuosa barrica ambiciosa que com a sua clique raptou o Poder; e não é tudo o que o prejudique no seu equilibrismo. A comunicação social e os politólogos chamam a isto, com discernimento, habilidade política.
E o jornalista que, contrariado, botou as suas meninas num colégio, como é que fica? Ele próprio diz: "É por ideologia que defendo a escola pública. Na verdade, eu é que não tenho verdadeira liberdade de escolha. Se tivesse, escolhia a escola pública. É por isso que o que faz falta é aumentar o investimento, para que toda a escola pública seja boa".
Ao fim de três bancarrotas; dos incontáveis milhões que nos entraram pela porta desde 1986, para nos modernizarmos; apesar de uma dívida que nunca, em momento algum da nossa história, foi tão alta, e não cessa de crescer; quando o contribuinte sufoca, exangue, ao peso de uma carga, e de abusos, demenciais: ainda há quem defenda mais investimento público.
Aos comunistas perdoo - quanto pior melhor, acham eles, e acharia eu se fosse comunista. Aos outros tenho dificuldade, sobretudo quando se trate de pessoas que circulem no espaço público pregando o evangelho - do disparate.
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