Quando Keynes apresentou o seu Tratado sobre a Moeda, discutiu o conteúdo com Hayek. Num comentário, Hayek disse a Keynes: "o senhor argumenta com factos, eu argumento com lógica".
Ora bem, factos estão disponíveis nas árvores dos factos com diversas cores e tempos de maturação prontos a serem colhidos seletivamente por quem queira. Cada um dá uma imagem parcial e pode indicar coisas diferentes em conjunção com outros que escolhemos.
Vem isto a propósito da intervenção/comício de António Costa ontem na edição especial da Quadratura do Círculo sobre a solução encontrada para o Banif.
Costa gaguejando, e com interjeições (revejam a gravação, ainda não disponível), debitou alguns factos:
- a proposta da Apollo (que custava ao estado 4 vezes menos) era apenas de intenção;
- entre sexta-feira, 18, e domingo 20, não tinha sido tornada vinculativa;
- que o Banif tinha de ser resolvido até segunda-feira 21 de Dezembro, impreterivelmente, ou perdia a liquidez necessária para manter as portas abertas.
Breves questões:
- A que horas de sexta-feira 18, foi comunicado à Apollo que devia vincular a proposta? Os decisores da Apollo estavam disponíveis e tiveram tempo durante o fim de semana para a tornar vinculativa? Teriam recursos? Sabiam da emergência até à noite de domingo?)
- Segunda-feira 21, o BdP não poderia iniciar uma linha de emergência de liquidez para suportar o banco durante mais uma semana que permitisse poupar aos contribuintes os milhares de milhões de erros que a absoluta pressa terá obrigado a torrar gastar?
A técnica mediática muito bem dominada por Costa, após anos a treinar na Quadratura, de apresentar factos que suportem uma interpretação ou narrativa conveniente, pega? Pegará mesmo?
Recomenda-se vivamente o artigo acima citado de Paulo Tunhas.
Quando tudo passa a ser legítimo perdemos certezas fundamentais ao ordenamento social e, a sociedade, amoral, está condenada a ser legalista: só é legítimo o que é imposto por força da lei.
A Itália é o exemplo supra-sumo desse legalismo. A falta de confiança é a primeira condicionante, no estado, nos negócios, na família. E paga-se bem cara, a erosão de instituições fundamentais à confiança social.
Estamos a convergir para a Europa que não interessa.
Makiavel, deixou um comentário ao comentário Costa de costas às 15:35, 2015-10-16
"Não são convicções, basta ver as notícias. "o tapete tirado pelo PCP? Wishful thinking. "soprada decisão de Cavaco"? Qual? Indigitar Passos Coelho para PM? E daí? Cairá na 1ª votação. A não ser que esteja a contar com a desejada dissidência no PS para atingir a estabilidade governativa. E que estabilidade sairia disso... "maior abalo democrático desde 75"? O senhor ainda não saiu da década de 70. Arrisca-se a ficar por lá. "quem será o homem que se segue no PS"? Não sei mas parece-me que não é para já. Mais rapidamente estará Rui Rio a concorrer contra Passos no PSD. Parafraseando um escritor americano diria que o anúncio da morte política de António Costa revela-se demasiado exagerada."
Caro Makiavel,
O seu comentário enferma de vários vícios comuns que demonstram bem uma mentalidade que muitos, interessados nos seus próprios lucros imediatos, gostariam que fosse vigente. O primeiro vício, é o de que "basta ver notícias".
As "notícias" devem ser interpretadas e não aceites como factos estritos. O seu significado, relacionado aos contextos de curto e longo prazo, pode ser mais importante do que o "facto" que relatam. Ora vamos lá, a apenas uma das que menciona: "o tapete tirado pelo PCP" e já agora falamos também do BE:
- O PCP está preso à posição muitas vezes referida de saída da euro. Acha que já estão prontos para desistir dessa bandeira? É que sem saída do euro não se podem implementar as políticas defendidas no seu programa. Vão renegá-lo?
- O BE está em situação semelhante pedindo a redução da dívida em 60%. Olhe para o Syriza. Já conseguiram reduzir um cêntimo? O BE também vai renegar o seu programa?
Se ambos forem para o governo arriscam perder a única bandeira que lhes permite implementar o que propõem. Cumprindo o Tratado Orçamental, que é como a Lei da Gravidade, o eleitorado sabe que mais despesa significa mais impostos e mais dívida. Quem ficará com o ónus eleitoral desses aumentos? - O Governo PS-BE-PCP. Acha que BE e PCP estão dispostos a pagar esse preço por uns meses, vá lá, um ano de governação? Que ganhos em votos terão o PCP e BE saindo da confortável posição de críticos da austeridade e passando a seus autores?
Agora num registo mais abstracto sobre a morte política de Costa:
Lendo 'O Príncipe' de Maquiavel, ficamos a saber que o autor procura dar instrumentos racionais de obtenção, manutenção e sobrevivência no poder. Não há apenas um, mas vários príncipes em luta constante dentro e fora dos grupos onde preponderam. Dentro dos grupos, o príncipe sabe que tem apoio condicional a prazo, enquanto proporcionar ganhos aos membros do grupo. Fora do grupo, sabe que tem adversários interessados ou não na sua morte, dependendo dos interesses de cada um em determinado momento. O equilibro do sistema é muito complexo. Maquiavel é para alguns o pai do estado moderno.
Com esse livro, escrito no séc. XVI, foi inaugurada uma racionalização da actividade política que ainda não tinha tido precedente registado. Porque foi necessário o livro? Porque havia mercado para ele? Porque a política da época já era, como a de hoje, uma selva onde se tentavam devorar mutuamente e a força das armas não era solução à qual se pudesse recorrer sempre que havia conflitos. Assim, o príncipe para sobreviver tinha forçosamente de ser racional.
Um aspecto importante dessa sobrevivência é o apoio do grupo que o suporta. Se o grupo antecipa que com esse príncipe (leia António Costa) a soma dos ganhos individuais é superior mantendo o apoio ao príncipe, então o líder mantém-se. Se essa soma antecipada for inferior, o líder é necessariamente substituído por outro capaz de assegurar maiores ganhos ou menores perdas (leia PS). Isso se os indíviduos do grupo forem racionais e fizerem bem os seus cálculos. Apesar de tudo, aposto como o PS (indivíduos) é capaz...
O momento que estamos a viver é exactamente isso: os indivíduos do PS estão a avaliar Costa para calcular o balanço de ganhos/perdas para o grupo. Como em moeda única as políticas de Costa, associado ao PCP e BE são necessariamente muito arriscadas para o sucesso do PS a prazo, o grupo treme. Mas hão-de chegar à conclusão, maioritariamente, de que Costa não serve (Lei da Gravidade, mais uma vez) para os ganhos a médio longo-prazo. O PS é, tradicionalmente, um partido de governo, autor de governação e não apenas crítico da governação. Quererá deixar de ser autor? - Risco Pasok.
Há mais dois autores importantes para entender o actual contexto de "Costa". Um é Adam Smith com 'A Riqueza das Nações', outro é David Ricardo com a Teoria da Vantagem Comparativa (Portugal até é usado como exemplo e Ricardo tinha origem judaica portuguesa).
Porque são fundamentais estes autores? Porque mostram bem o tipo de condicionantes de prosperidade que aceitámos quando aderimos ao Mercado Comum, ao Euro, e se abriram as fronteiras da globalização. Não há volta a dar, estamos num caminho muito estreito e claramente balizado, onde quer os líderes, quer os grupos, para prosperarem a prazo, têm de ser obrigatoriamente racionais. Em alternativa, líderes irrealistas, ignorando os ganhos individuais dos membros do grupo, e cheios de força, obrigam-nos a seguir outro caminho que até poderá ser em ditadura.
Agora, na lógica de Maquiavel, faça a mesma análise que fizemos ao PS, para o BE e PCP.
Afinal, estou preso no séc. XVI, no XIX, ou nos anos 70 do XX?
Ontem foi a noite em que a faca (empurrada por milhares de simpatizantes) acabou de penetrar nas costas de Seguro. Hoje é o dia em que Passos Coelho começa a deixar de ser primeiro ministro e inicia tempo muito interessante para o PSD.
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