Sexta-feira, 25 de Julho de 2014

Paris vaut bien une messe

Portugal faz parte da ONU, juntamente com mais de 190 países, dos quais a maioria não tem regimes democráticos.

 

A ONU tem membros de primeira, que são os 5 do Conselho de Segurança, e de segunda, que são os outros. Destes, 10, que vão variando, têm a oportunidade, de 2 em 2 anos, de fingir que não são de segunda, privilégio de que já gozamos em 2011 e 2012 e ao qual voltaremos possivelmente ainda antes de ganhar o Campeonato do Mundo de Futebol.

 

E faz também parte da NATO, juntamente com mais 26 países, incluindo a Albânia e a Turquia, dois países com credenciais democráticas absolutamente irrepreensíveis. Aliás, Portugal é membro fundador, além de outros 11 países, que decerto não se aperceberam então (em 1949) da natureza antidemocrática do regime que à época e ainda por mais um quarto de século foi o nosso.

 

A Commonwealth conta 53 membros (54, presumivelmente, quando Mugabe for fazer reformas agrárias nos campos do Inferno, o que não deve tardar, e o Zimbabwe for governado por pessoas). Um dos membros é o Brunei, um sultanato petrolífero que se distingue por viver ainda nos tempos do califado, mas com telemóveis e uma área do tamanho do Algarve, e outro é o nosso, da CPLP, Moçambique.

 

Todas estas, e muitas outras, organizações internacionais se regem por estatutos que são alegremente ignorados por muitos dos seus membros. A Commonwealth, por exemplo, tem como objectivos "the promotion of democracy, human rights, good governance, the rule of law, individual liberty, egalitarianism, free trade, multilateralism, and world peace" - é para que saibam.

 

Semelhante facto não parece incomodar ninguém, e em geral quem pertence a um organismo internacional não quer sair. No caso da ONU há inclusive um país que gostaria de entrar mas não pode porque já lá está - é a República da China, cujos eleitores são representados na ONU não por quem democraticamente os governa mas por chineses continentais que ninguém elegeu.

 

É neste pano de fundo que a CPLP, um organismo inteiramente inútil, salvo para diplomatas e poetas da língua e da lusitanidade, saltou para os meios de comunicação social, por um país que fala espanhol a ela ter requerido a adesão, entusiasticamente patrocinada, parece, por Angola e pelo Brasil.

 

A Guiné Equatorial é governada por um Bokassa local, como acontece a tantos países saídos da descolonização; e tem petróleo, muito. Quem tem muito dinheiro quer investi-lo; e para investir requer-se alguma respeitabilidade, porque o dinheiro dantes não tinha cor mas agora a força das opiniões públicas faz com que, às vezes, tenha.

 

Os outros países perceberam imediatamente o que estava em jogo, e deram as boas vindas ao novo membro, pagando o preço menor de apertar a mão corrupta e sanguinária de Obiang.

 

Os nossos líderes também. Mas gente que não aprecio por aí além comentou sardonicamente que a Comunidade passaria a ser a dos Países de Líquido Petrolífero; e gente que aprecio muito declarou que preferia "pagar o preço da desintegração da CPLP a ver Obiang na mesa de honra da organização".

 

Em nome de princípios, já estivemos orgulhosamente sós; em nome do amor de companhias supostamente desinteressadas, já fomos os bons alunos da Europa.

 

Peço licença para achar que Paris vale bem uma missa

publicado por José Meireles Graça às 19:41
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