"Estimada Cliente,
Desde já lamentamos e agradecemos o tempo que aguardou pela nossa resposta.
Informamos que o objeto xxxxxxxxxxxPT [foi entregue] à cliente destinatária em 06-03-2015 pelas 11:30h.
Lamentavelmente, confirmamos que o mesmo foi entregue fora do padrão aquando a respetiva aceitação, pelo que apresentamos as nossas sinceras desculpas em relação ao sucedido e lamentamos qualquer inconveniente causado por esta situação.
Com os melhores cumprimentos,
Fulana de Tal
Customer Care
Marketing
CTTexpresso"
O customer que está a care deste interessante marketing é uma pequena empresa que tenho a desdita de gerir; e a excelente funcionária que fez a expedição, e a quem a resposta acima foi dirigida, respondeu assim:
Bom dia,
Agradecemos as Vossas “sinceras desculpas”. No entanto, pagamos 33,51€ por uma entrega urgente de um objeto com o peso de 0,026Kg.
Sugerimos que reforcem a sinceridade do V/ pedido de desculpas com uma nota de crédito do valor correspondente àquela sinceridade.
Cumprimentos.
Fulana de Tal.
Já informei a minha funcionária que é tão provável recebermos uma nota de crédito como a dívida pública vir para níveis razoáveis em minha vida, e até na dela; que bancos, seguradoras e companhias majestáticas são quadrilhas de ladrões; que departamentos de marketing são lugares onde a aldrabice se traveste de psicologia, e a propaganda passa por ciência; e que o melhor era irmos tomar um filosófico café.
Concordou, quanto ao café; do resto, não disse nada.
Já redigi centenas de posts, e tenho esperança de que, tirando o facto de residir em Guimarães e trabalhar em Fafe, pouco tenha deixado entrever da minha intimidade.
Mas hoje não resisto a divulgar um facto familiar alarmante: suspeito que a minha Mulher dá sinais de loucura. E, pior, dá sinais de loucura por causa do novo carteiro.
Explico: À volta de um ano, mudou o carteiro. E, periodicamente, passei a ser inteirado de que o digno funcionário, quando houvesse cartas registadas, se abstinha de entrar no jardim ou esperar que viessem ao portão, antes deixando um aviso na caixa de correio, que obrigava a deslocações escusadas ao posto local, que dista uns quilómetros, implicando parcómetros, filas, esperas - a tralha do costume.
Isto originou uma reclamação, que a minha Mulher, porventura já abalada na plena posse das suas faculdades, apresentou por escrito. E a resposta veio, esclarecendo que o carteiro tocava sempre à campainha (o texto não esclarecia se duas vezes, que no serviço de reclamações não deve haver cinéfilos), deixando o aviso em caso de não haver resposta, pelo que a reclamação não teria fundamento.
Há meses, fui informado de que o carteiro veio entregar uma encomenda, tocou à campainha e entrou no jardim, colheu o recibo da entrega e, apesar de lhe ter sido pedido para se certificar, à saída, de que o portão ficava fechado, por causa do cachorro, saiu com o bicho trotando alegremente atrás da motoreta, o que foi testemunhado.
Como o animal foi avistado perto do antigo Hospital, preso por uma trela a um miúdo que o terá vendido a desconhecidos, estes infelizes sucessos causaram grande desgosto doméstico, e colocaram o carteiro na categoria de persona non grata naquela casa. Eu próprio registei mentalmente o incidente, para o efeito de, em cruzando-me com aquele servidor dos CTT, lhe revelar alguma impressão pessoal sobre o seu comportamento.
Sucede que as cartas registadas devolvidas continuaram. E como, segundo a tese possivelmente alucinada que minha Mulher adiantou, está sempre gente em casa, foi apresentada nova reclamação.
A resposta chegou hoje. E nela, com extrema amabilidade, somos novamente informados de que o carteiro afirma "passar aviso apenas quando não é atendido".
Soube, a propósito do negregado plano de privatização, que os CTT são uma organização prestigiada, lucrativa, eficiente e depositária inclusive de merecidos prémios internacionais. E a carta, acima referida, diz que "Os CTT-Correios de Portugal, estão empenhados em conferir Qualidade aos seus Produtos e Serviços, de forma a satisfazer todos os Clientes, pelo que nos esforçamos por evitar e corrigir todo o tipo de situações, que possam eventualmente comprometer os níveis de satisfação a que nos propomos".
Já a sucessão estranha dos factos alegados me deveria ter levantado suspeitas. Mas este texto, impressionante pela sua evidente sinceridade e pela abundância de maiúsculas, lançou esta dúvida excruciante no meu espírito: ou a minha Mulher sofre de momentâneas alucinações, ou esta organização tão gabada é um logro.
Na dúvida, vou apoiar a privatização. Não é que os privados não enviem cartas parvas aos clientes; é que têm menos quem os defenda.
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